Terapia à base de iboga representa esperança no combate ao vício em drogas

Apesar de ser utilizada na recuperação de dependentes químicos, há algumas décadas, em vários continentes e apontar resultados expressivos, a terapia à base da iboga ainda não está regulamentada no Brasil

Não importa se a droga é considerada leve, socialmente aceita ou pesada. Quem possui contato com qualquer dependente químico sabe a quantidade de transtornos que esse status traz, não somente para o viciado, mas também para todos que convivem à sua volta.

Tratar esse problema também não é uma das tarefas mais fáceis, já que os programas de reabilitação, utilizados hoje, além de demorados, nem sempre apresentam efeitos positivos; muitos sofrem com a abstinência ou a recaída.

Esse é um processo longo e doloroso. A internação, quando utilizada, faz com que o dependente passe por um processo de desintoxicação, período em que há ocorrência de febre, náusea e dores durante meses, além de comprometer as necessidades vitais, como alimentação e sono.

Uma alternativa a esse tratamento convencional é a ibogaína, um medicamento obtido da raiz da iboga, planta encontrada em países africanos, principalmente no Gabão, e que pode interromper a dependência de crack e outras formas de vício em 72% dos casos.

É isso o que revela a pesquisa brasileira inédita, conduzida pelo Departamento de Psiquiatria da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), publicada pelo The Journal of Psychopharmacology da Inglaterra, uma das publicações mais relevantes na área de Psicofarmacologia do mundo.

Segundo o estudo, o número de usuários de drogas ilícitas, como maconha, opiáceos, cocaína, e crack é estimado em torno de 149 a 271 milhões de pessoas no mundo. Por outro lado, o uso de drogas lícitas, como álcool e tabaco, é estimado em 55% e 30% da população mundial, respectivamente. O consumo de tais drogas tem sido associado a uma morbidade e mortalidade considerável, bem como os problemas sociais, fazendo com que o uso de drogas, abuso e dependência tenham se tornado uma das preocupações mais importantes de saúde pública em psiquiatria.

Dados apurados

A raiz da iboga, que dá origem a ibogaína, de acordo com o médico e colaborador do Programa de Orientação e Atendimento a Dependentes (Proad) da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), Dr. Bruno Chaves, é usada pelo ser humano no tratamento da dependência desde a pré-história.

“Em 1962, aconteceu o primeiro experimento totalmente acidental. Howard Lotsof, usuário de heroína, experimentou a raiz e, após isto, não teve mais vontade de usar a droga, nem sentiu nenhuma crise de abstinência.”

Liderado pelo psiquiatra Dartiu Xavier, o estudo, realizado entre janeiro de 2005 e março de 2013, envolveu 75 pacientes dependentes de várias drogas, como cocaína, crack, álcool e outras menos comuns. Desses, 55% dos homens e 100% das mulheres ficaram livres do vício por, pelo menos, um ano.

“Foi administrada a eles apenas uma dose e os pacientes foram acompanhados por um período de um ano. Apesar do alto percentual de mulheres livres do vício, isto não quer dizer que elas tenham uma melhor resposta à ibogaína, já que, do universo de 75 pessoas, apenas 8 eram mulheres”, acrescenta o Dr. Chaves.

A partir desse estudo, o médico da Unifesp diz que é possível afirmar que uma média de 60% dos pacientes ficaram livres das drogas por um ano, enquanto, nos tratamentos tradicionais, este percentual não ultrapassa 10%.

Além de interromper a dependência por um período prolongado, o levantamento também identificou que a intervenção com a substância melhora a qualidade de vida dos usuários de drogas, já que foi verificado que a maioria deles voltou a estudar, a trabalhar e a se relacionar adequadamente na sociedade.

Atuação do medicamento

O estudo ainda mostrou que a ibogaína atua em duas frentes nos pacientes. Por um lado, aumenta uma substância já conhecida no cérebro (GDNF), que repara as sinapses danificadas e cria novas conexões entre os neurônios, o que recupera, em parte, o dano causado pelas drogas. Concomitantemente a esse mecanismo, ocorre um reequilíbrio dos neurotransmissores e, por consequência, a proporção adequada entre serotonina, dopamina e noradrenalina, responsáveis pelas sensações de prazer.

“Quando essas proporções estão desequilibradas, a pessoa tem mais tendência a sintomas de depressão, o que pode levar ao uso de drogas, por exemplo”, acrescenta.
Os primeiros efeitos positivos do medicamento podem ser observados já a partir de 12 horas; no máximo, o paciente sente os sintomas até 24 horas. Após esse período, ele já está livre do vício, sem efeitos da abstinência.

“Podem acontecer alguns efeitos colaterais durante o uso, como náuseas, tremor e confusão mental. Apesar disso, não houve registro de efeitos adversos graves nos pacientes pesquisados, como arritmias cardíacas ou mortes.” Porém, o Dr. Chaves alerta que a ibogaína pode sim provocar alterações cardíacas. “Por esse motivo, o tratamento deve ser realizado exclusivamente em ambiente hospitalar, com acompanhamento médico.”

Os pacientes foram assistidos por até 3 anos após a primeira sessão de terapia e, neste período, não foi verificada nenhuma sequela física ou psicológica.
O Dr. Chaves também ressaltou que uma das principais vantagens do uso da ibogaína contra a dependência química é que, enquanto o paciente que recebe tratamento tradicional fica, em média, nove meses internado, aquele que vivencia a experiência psicodélica passa, no máximo, 48 horas recluso.

Acesso à ibogaína

Apesar de ser utilizada na recuperação de dependentes químicos há algumas décadas em vários continentes, a terapia à base da iboga continua proibida em alguns países.
No Brasil, embora não existam restrições legais à ibogaína, o uso da substância como medicamento não está regulamentado. Os tratamentos podem ser considerados como uma alternativa para os casos mais graves de dependência química. As sessões com ibogaína são feitas a partir de produtos importados, autorizados pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa).

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“O laboratório, de origem canadense, ainda não registrou o medicamento na Agência. A administração dele é em pó ou em cápsulas. É uma revolução no tratamento do vício, já que, com o tratamento convencional, a recaída do paciente é muito rápida, às vezes, no dia seguinte da saída da clínica de reabilitação.”

Em nota, a Anvisa esclareceu que o medicamento não tem registro, portanto, não pode ser comercializado no Brasil e nem em sites nacionais. O que se pode fazer é importar para uso pessoal, considerada uma importação normal, mas quando o medicamento chega ao Brasil, a pessoa deve apresentar a prescrição médica com a quantidade prescrita. O mesmo para trazer em bagagem acompanhada – em pequena quantidade.

Além disso, a nota reforça que não há nenhum medicamento registrado no Brasil com o princípio ativo ibogaína. “Até o momento, nenhuma empresa pediu registro para essa planta medicinal como fitoterápico na Anvisa. Assim, não há produtos autorizados porque nunca foi solicitada sua autorização. Temos informações da importância da substância na recuperação de dependentes químicos, porém, a Anvisa não analisou a eficácia e segurança desta substância. Isso só é feito a partir da apresentação de um pedido de registro por uma empresa ou instituição interessada. Vale ressaltar que é legítima a importação de medicamentos inexistentes no País, desde que para uso apenas pessoal e amparado pela prescrição de um médico que, neste caso, se torna o responsável pelo uso do produto. Finalmente, vale destacar que a substância não consta no rol de substâncias de uso controlado ou proscrito (proibido)
no Brasil.”

Apesar de todos os benefícios oferecidos pela ibogaína, o Dr. Chaves acredita que, por causa do conflito de interesses, principalmente das clínicas de reabilitação, a droga demore a chegar ao País. Isso se deve ao fato de que o paciente não precisaria ficar meses internado e sim, no máximo, 48 horas.

Autor: Vivian Lourenço

Público feminino

Edição 267 - 2015-02-01 Público feminino

Essa matéria faz parte da Edição 267 da Revista Guia da Farmácia.

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