A importância da vacina

Com o processo de valorização da Atenção Farmacêutica, é importante que o profissional responsável pelo atendimento na farmácia conheça os mitos e as verdades a respeito da imunização

A primeira vacina foi criada há mais de 200 anos pelo médico Edward Jenner, que observou que as vacas apresentavam feridas similares às provocadas pela varíola no corpo dos humanos. As moças responsáveis pela ordenha, que comumente acabavam infectadas pela doença bovina, adquiriam uma versão mais suave da doença, ficando imunizadas ao vírus humano.

A partir dessa observação, o médico recolheu o líquido que saía dessas feridas e o injetou em pequenos arranhões criados por ele nos braços das pessoas. Os pacientes tinham febre por alguns dias, mas saravam e ficavam imunizados contra a doença. Mais tarde, foram preparados concentrados do vírus da varíola vaccinia, que recebeu o nome de vacina (derivado de vacca, no latim).

Desde então, a vacinação de qualidade se tornou uma das formas mais importantes na prevenção de doenças infecciosas, impedindo que novas epidemias assolassem o mundo, como havia acontecido com a peste negra e a gripe espanhola. Mas mesmo representando tamanho avanço na medicina, as vacinas sempre foram alvos de polêmica
e desconfiança. 

O primeiro questionamento feito a respeito da segurança das vacinas deu-se quando o médico Andrew Wakefield publicou um trabalho em que estabelecia uma relação entre a vacina tríplice e o autismo. De acordo com o artigo científico, a imunização provocava uma alteração que fazia o intestino absorver toxinas.
Após o alarde criado entre a comunidade médica e pais de crianças vacinadas, foram desenvolvidas diversas pesquisas e estudos com a intenção de comprovar ou rebater a tese. Nada ficou provado. Notou-se que o autismo não era mais frequente em vacinados. A única relação estabelecida foi que a doença é quase sempre diagnosticada em crianças em torno de um ano ou um ano e meio, exatamente durante o primeiro esquema de vacinação.

A polêmica foi suficiente para fazer crescer o número de surtos de sarampo. E, apesar de Wakefield ter sido investigado e, por fim, ter perdido o registro médico diante de evidências de manipulação de dados, há quem ainda acredite na relação entre a vacina tríplice e o autismo. Recentemente, a atriz norte-americana Alicia Silverstone causou alvoroço ao afirmar que não vacinaria seu filho por conta dos riscos de desenvolvimento da doença.

O Brasil passou por uma situação que colocou em xeque a segurança das vacinas. Após uma campanha do Ministério da Saúde que buscava a imunização de adolescentes e jovens contra o Papilomavírus Humano (HPV) – principal infecção viral transmitida pelo sexo no mundo –, muitos questionamentos foram feitos. Alguns pais reclamavam que a vacinação estimulava a sexualidade precoce, enquanto outros faziam relatos de reações adversas sofridas pelas suas filhas, como paralisia temporária dos membros inferiores.
O governo brasileiro reafirmou a segurança da vacina e deu continuidade à campanha. Mas, afinal, entre tantas dúvidas e polêmicas, quais são as reais eficácia e proteção oferecidas pela vacinação? Dois especialistas em imunologia respondem às questões mais comuns a respeito do tema.

Perguntas frequentes 

1) Muitas vacinas ao mesmo tempo sobrecarregam o sistema imune?
Não há nenhuma evidência de algum prejuízo com vacinações múltiplas. Vacinas aplicadas isoladamente ou combinadas/simultâneas (várias ao mesmo tempo) demonstraram respostas similares, mas nada que sugira qualquer sobrecarga ao sistema imune.

“Houve uma discussão sobre vacinação concomitante antipneumococcia e antizoster que prejudicaria a resposta à antipneumococcia, mas nada foi confirmado objetivamente”, garante o infectologista do Hospital Albert Einstein, Dr. Jacyr Pasternak.

Para o médico sanitarista e responsável pelo setor de vacinas do Lavoisier Medicina Diagnóstica, Dr. Ricardo Cunha, há somente uma ressalva a fazer: “Devemos refletir sobre o número de picadas a que se deve submeter uma criança ou adulto, em um mesmo momento.”

2) “Já que todo mundo é vacinado, não preciso vacinar meus filhos?”
Muitos pais pensam dessa forma errada e se beneficiam da responsabilidade dos demais pais que vacinam seus filhos corretamente. “Se todos pensarem assim, teremos um grande número de pessoas desprotegidas e o ressurgimento de várias doenças que estão sob controle pela vacinação”, alerta o Dr. Cunha. 

Uma criança não vacinada, mesmo que em ambiente com várias outras vacinadas, não está isenta do risco de contrair doenças que podem ser prevenidas pela vacinação. “Vários estudos mostram que crianças não vacinadas contra sarampo apresentam uma chance 20 vezes maior de contrair a doença do que as vacinadas. Quando um grupo resolve que não vai vacinar seus filhos, são criadas condições para epidemias neste grupo”, complementa o Dr. Pasternak.

3) Vacinas não previnem 100% das doenças que pretendem evitar?
Não existe nenhuma vacina 100% eficaz, mas elas já se provaram excelente caminho para a erradicação ou diminuição drástica do número de casos de diversas doenças. De acordo com o Dr. Pasternak, as vacinas do sarampo e da varicela previnem 95% dos casos e, ainda por cima, atenuam a doença caso ela seja adquirida. A vacina contra a influenza tem uma eficiência menor, algo em torno de 75%, dependendo do surto e das cepas que são usadas na vacina.

“Tão importante quanto a eficácia de uma vacina é a cobertura desta vacina na população. Quando temos um grande número de pessoas vacinadas, o risco diminui sensivelmente, graças à chamada ‘imunidade de rebanho’”, reforça o Dr. Cunha.

4) Vacinas dão doença?
Vacinas compostas de antígenos (vírus ou bactérias) mortos são incapazes de causar doença. Já aquelas produzidas com antígenos vivos poderiam causar doenças em pessoas com o sistema imune muito debilitado em função de outras enfermidades, neste caso, a vacina é contraindicada. Mas, de acordo com o Dr. Pasternak, a chance de uma vacina se reverter em uma forma patogênica é muito rara.

Por exemplo: na vacina oral contra a poliomielite, que compreende três cepas de vírus vivos e atenuados, um caso em 2 milhões pode causar pólio. “Em casos raríssimos, a vacina da febre amarela, quando aplicada pela primeira vez, pode levar à doença. Ambas as vacinas não têm qualquer risco quando aplicadas pela segunda ou mais vezes.”

5) Vacina tríplice ou vacina do sarampo dão autismo?
Não. Diversos estudos comprovaram que a associação da vacina contra o sarampo e o autismo não existe. Trata-se de uma infeliz publicação que causou essa polêmica, mas que já foi rebatida e cientificamente comprovada. Não há associação entre a vacina e a doença.    

6) Doenças, como catapora e sarampo, não necessitam de vacinação, já que são mais facilmente tratáveis?
Não é verdade. O sarampo já foi uma das principais causas de mortalidade infantil no Brasil. Trata-se de uma doença que, muitas vezes, desenvolve complicações graves e possui difícil tratamento. A catapora, da mesma forma, pode se apresentar de maneiras severas e pode levar à morte, sem falar do grande desconforto e cicatrizes da doença. “Pessoas com déficit imunológico podem desenvolver essas doenças em suas formas severas, podendo levar à morte”, alerta o Dr. Cunha. Ou seja, “não é porque alguém teve catapora quando criança e se curou que não deve vacinar os filhos contra catapora”, completa o Dr. Pasternak.    

7) Por que vacinar crianças tão pequenas e que não saem de casa?
Crianças recém-nascidas não saem com frequência de casa, mas os pais e familiares saem e são os responsáveis por levar os agentes causadores das doenças para dentro do domicílio e infectarem os recém-nascidos. “A gente eventualmente ouve esta bobagem: vamos deixar para quando forem mais velhas, mas primos, vizinhos, amigos e outros entram… E com eles podem entrar patógenos, mesmo que eles não estejam doentes, sejam apenas portadores”, relembra o Dr. Pasternak.

8) A vacina contra o HPV favorece a promiscuidade sexual?
“O que favorece a promiscuidade sexual é a falta de orientação”, opina o Dr. Cunha. A vacina contra o HPV não evita outras doenças sexualmente transmissíveis, nem tampouco evita uma gravidez indesejada. Dessa forma, nada muda em relação aos cuidados que se deve ter em relação às medidas de prevenção estabelecidas.

Segundo o Dr. Pasternak, não há nenhum evidência disso. “Na verdade, entre tantos mitos sobre a vacina contra HPV e educação sexual, o único dado objetivo deriva de trabalhos que mostram que jovens, que juram se manterem castos até o casamento, têm maior incidência de aborto induzido e de adquirir doenças sexualmente transmissíveis.”

9) Vacina pode estar relacionada a alguns eventos adversos?
Sim. Como todo e qualquer outro medicamento, reações adversas podem ocorrer em decorrência da vacinação, mas, em geral, são discretas e de curta duração. “Vacinas estão entre os produtos médicos mais testados e seguros, mas mesmo assim, estão sujeitas a causar alguma reação adversa”, diz o Dr. Cunha.

As vacinas tríplice e a antitetânica isolada podem ocasionar dor e uma reação chamada de vagal: sudorese, palidez e até perda rápida da consciência. Já infecções no local de vacinação, normalmente, ocorrem por erro técnico ou falta de assepsia de quem a aplica, como em qualquer injeção.

“Para que as reações adversas sejam minimizadas, é importante que seja feito um questionário sobre as condições gerais do paciente e histórico passado da pessoa que será vacinada.”

Autor: Flávia Carbó

Trabalho integrado

Edição 268 - 2015-03-01 Trabalho integrado

Essa matéria faz parte da Edição 268 da Revista Guia da Farmácia.

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