Boa adaptação

Quando o governo mostrou interesse em mudar a legislação em torno dos medicamentos similares, o mercado farmacêutico ficou apreensivo. Hoje, com as alterações já em vigor, pouco mudou  

No dia 13 de outubro de 2014, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) publicou, no Diário Oficial da União, os requisitos necessários para que um medicamento similar possa substituir o de referência. As regras entraram em vigor no dia 1º de janeiro de 2015 e, desde então, os similares que já tenham comprovado equivalência farmacêutica podem declarar na bula que são substitutos.

Dentro das farmácias, a mesma prescrição médica que permite a compra de um medicamento de referência ou de um genérico passou a viabilizar a aquisição do similar, que contém os mesmos princípios ativos, a mesma concentração e a mesma posologia que o de referência. Quanto à embalagem e ao preço, nada mudou. 

O projeto inicial visava à impressão da sigla EQ nas caixas secundárias e um preço menor que os de referência, mas indústria e varejo se uniram e conseguiram derrubar as medidas, antes mesmo que entrassem em vigor. Especulava-se, então, que só seria sentida uma mudança quanto aos medicamentos de venda controlada. Isso porque, na prática, as farmácias não solicitam a prescrição médica na hora de vender medicamentos de tarja vermelha – a não ser aqueles cuja receita deve ser retida, como antibióticos – e, assim, essa troca pelo similar acabava já sendo feita livremente.

Agora, passados nove meses desde que a intercambialidade dos similares entrou em vigor, indústria e varejo conseguem ver, de fato, os impactos que as mudanças na legislação causaram no setor farmacêutico. 

A indústria, representada pela figura do presidente executivo do Sindicato da Indústria de Produtos Farmacêuticos no Estado de São Paulo (Sindusfarma), Nelson Mussolini, a princípio, via como desnecessária as mudanças na legislação. Quando o tema ainda estava em debate, o executivo declarou que a empresa fabricante de similar que desejava que seu medicamento fosse intercambiável, deveria pleitear a retirada da marca do produto e transformá-lo em genérico.

Com a lei em vigor, a opinião não difere muito. “Não mudou nada, continuam vendendo medicamentos sem receita; nos locais em que já era feita a troca, a prática segue. Não houve ampliação de mercado dos similares. Todos seguem no mesmo ritmo.” Ou seja, os produtos de referência e genéricos não foram marginalizados, como alguns players do setor temiam. Segundo Mussolini, o fenômeno não ocorreu porque a possibilidade de troca de referência por similar não chegou ao consumidor final. “As pessoas nem sabem disso. Tarjados não têm propaganda, então essa possibilidade não chega à população.”

Rotina do varejo

Os noves meses de consolidação da intercambialidade dos similares parecem não ter causado impacto também nas farmácias e drogarias. De acordo com o presidente da Farmarcas, associação que administra sete redes associadas à Federação Brasileira das Redes Associativistas e Independentes de Farmácias (Febrafar), Edison Tamascia, o mercado seguiu seu curso normal. “Todas as categorias de produtos cresceram sua participação em comparação ao mesmo período do ano anterior, mas o maior crescimento foi do genérico, fato esse semelhante aos períodos passados.”

A situação parece ser diferente quando são analisados apenas os medicamentos tarjados, que não podem ser anunciados em campanhas comerciais, segundo dados fornecidos pelo diretor administrativo da FarmaFort e membro do conselho da Febrafar, Rogério Lopes Júnior. A análise da ferramenta Acompanhamento Corporativo de Demandas (Acode), solução de gerenciamento de dados, que integra as informações das farmácias associadas à Febrafar, aponta que, entre 2014 e 2015, os medicamentos propagados tiveram um crescimento de 7,94%; os genéricos, de 20,65%; e os não propagados, categoria em que há mais substituição pelos equivalentes, de 44%. A performance foi melhor, inclusive, do que a dos produtos de perfumaria, que cresceram 25%. 

Para a diretora da rede Agafarma, Janete de Matos, o desempenho dos similares no varejo pode mudar muito de uma loja para outra, pois envolve diversos fatores. “A aceitação do consumidor varia muito de acordo com as regiões do País e, até mesmo, pela maneira como o proprietário da farmácia enxerga a classe C e decide trabalhar as categorias de similares, genéricos ou referência.”

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Análise de confiança 

Os números podem indicar que os medicamentos similares são bem-aceitos pela população, sem qualquer dúvida a respeito da segurança e eficácia. “Os similares de laboratórios mais conhecidos e conceituados geralmente são bem-aceitos, principalmente se o farmacêutico, no atendimento, explicar a questão dos similares intercambiáveis e as alterações de legislação que tivemos com o passar do tempo”, opina Janete. 

Para a varejista, quando há resistência a um medicamento similar, o motivo não é a desconfiança quanto à qualidade do produto. “O consumidor não dispõe de conhecimento para separar o que é um produto de referência e o que é um produto similar; quando existe a resistência na troca, é por convicção de que ele deve tomar o que foi receitado pelo médico.”

O ideal seria o atendente explicar que, para que seja autorizada a substituição do medicamento, os similares devem apresentar os testes de biodisponibilidade relativa e equivalência farmacêutica, que atestam que o produto apresenta o mesmo comportamento que o medicamento de referência. Mas, de acordo com Lopes Júnior, a realidade no dia a dia do balcão é bem diferente. “Recebemos pouca informação sobre intercambialidade, sobre quais produtos estão inseridos neste contexto. Tentamos passar o conhecimento para a equipe, mas temos poucos materiais sobre o tema.”

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Opção mais em conta 

Quando faltam dados para os profissionais que atuam na área da saúde, é certo que os consumidores também estão carentes de informação. Por isso, para o executivo, a boa aceitação dos similares e o crescimento da categoria de medicamentos propagados pouco têm a ver com confiança na qualidade dos intercambiáveis. Para o varejista, é o bolso que tem falado mais alto, principalmente em tempos de incertezas econômicas. 

“Temos sete lojas em Sorocaba e outras nove na região. Já vemos alguns clientes desempregados, outras pessoas ganhando menos, aí o cliente opta pelo produto pelo qual vai pagar menos.” A opinião pode ser comprovada quando comparado o crescimento de genéricos (20%) com os de referência (8%). “O consumidor conhece muito pouco a respeito da diferença entre um medicamento de referência e um similar, mas entende de contas na hora de fazer economia. Quer o produto com menor preço”, complementa. 

Por enquanto, a rede gerenciada por ele não ampliou o portfólio de similares vendidos nas lojas, mas o movimento pode estar ocorrendo naturalmente. “Como o crescimento dos não propagados está bem acima das demais categorias, o estoque está se esgotando. Quando você vende mais, compra mais, amplia o mix de produto.” 

Autor: Flávia Corbó

Análise clínica

Edição 274 - 2015-09-01 Análise clínica

Essa matéria faz parte da Edição 274 da Revista Guia da Farmácia.

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