A arte de negociar bem

Para que a loja compre cada vez melhor, é preciso promover o crescimento de suas vendas e o fornecedor deixar de ser um coadjuvante para colher frutos dessa parceria   

Mais do que um diferencial competitivo, saber negociar se transformou em requisito básico para a sobrevivência de uma empresa, seja qual for seu segmento de atuação. Em tempos de crise econômica, então, quando o fluxo de caixa aperta e as empresas pensam rapidamente em reduzir gastos, dominar técnicas básicas sobre como equacionar mais assertivamente demandas, estoques, compras e despesas, tal cuidado é sine qua non para seu sucesso. 

Seja para definir parcerias, estipular descontos ou até mesmo para obter produtos e serviços a valores mais atraentes, a negociação tem papel decisivo e impacto direto para racionalizar atividades e aumentar a produtividade. Ou seja: fazer mais com menos.

Negociar ações no ponto de venda (PDV), promoções, estratégias, posicionamento, objetivos de crescimento para, finalmente, negociar preços, descontos e prazos de pagamento, este é o caminho. Enfim, negociar ações objetivas que trarão resultados. O grande detalhe é que muitos varejistas não sabem como utilizar adequadamente ferramentas para otimizar as negociações.

“Os bons compradores, atualmente, sabem mais dos impactos indiretos das negociações, pois avaliam corretamente os custos com tributos, juros, fretes, armazenagem, retrabalho, perdas operacionais, seguros, imagem da sua empresa, logística reversa, amostragem, qualidade e sustentabilidade do fornecedor e de seus produtos”, acredita o diretor da Prosperity  Consulting, Décio Tarallo. “Além disso, quando assumem uma postura mais colaborativa, de forma a criar facilitadores para as partes, podem negociar melhor, ao passo que se a exigência for grande com o fornecedor, é certo que os preços serão maiores”, explica o diretor. 

Tomar conhecimento dos elementos que envolvem de forma indireta o processo de compras e de vendas e que impactam nos resultados finais das empresas é uma abordagem cada vez mais importante para realizar boas negociações. É preciso ponderar opções e avaliá-las de acordo com a realidade atual do negócio. Como o cenário de vendas é bastante dinâmico, uma escolha feita no passado pode não ter o mesmo efeito positivo no presente. Por exemplo: o que é melhor para a sua empresa hoje, reduzir o preço em 1% ou aumentar o prazo de pagamento em mais dez dias? “Não é uma questão apenas financeira: impacta nos impostos, na disponibilidade de crédito, no ciclo de pedidos, no volume do pedido, na frequência de entregas, na disponibilidade dos produtos, na perda de vendas, entre outros fatores”, explica Tarallo. 

Outro ponto importante é a aplicação de tecnologia: o comprador aceitaria que o fornecedor controlasse remotamente seus estoques, por meio de VMI (Vendor Management Inventory), ou reposição contínua? “Há muito a se fazer e as negociações precisam evoluir para modelos mais avançados além do simplismo do preço”, defende o executivo.

O fato é que ainda persiste uma onda do endurecimento nas relações entre comprador e vendedor em muitos canais de vendas e na mentalidade de compradores restritos a resultados de curto prazo. “Pressionar o fornecedor para que ele lhe ofereça os famosos ‘enxovais’ ou bonificação e acreditar que é a melhor escolha para seu negócio é uma visão limitada do quanto custam para a empresa realmente estes pacotes de benefícios”, diz Tarallo. 

Muitas vezes, o comprador não sabe do peso dos impostos nos itens bonificados que sua empresa deverá recolher quando vendê-los e se esquece de que o fornecedor, sabedor disto pela tradição com que este tipo de negociação ocorre, já embutiu previamente os custos das bonificações no preço dos produtos. 

O consultor de marketing da Pro Consult Consultoria Comercial e Marketing, Jorge Koto, compartilha da mesma opinião de Tarallo, e defende que aquele velho conceito do comprador de pedir o máximo para conseguir o mínimo possível e de apertar o vendedor para que conceda mais do que possa oferecer já não funciona mais, pois o vendedor passou a se precaver e se preparar contra esses absurdos. Em contrapartida, isso o limitou na arte de negociar. Conclusão: não se atinge nenhum resultado prático. “Hoje, é preciso praticar o ganha ganha, com os dois lados dispostos a quebrar paradigmas e lembrando-se de que o que deu certo ontem, pode não dar certo hoje”, ressalta Koto. 

“A questão está no que ambos possam ceder para obter benefício mútuo. O fornecedor pode ceder X% de desconto para que a loja possa oferecer melhor preço para seu cliente, e esta, por sua vez, pode ceder X% de sua margem para melhorar ainda mais os preços na prateleira”, explica. Dessa forma, os ganhos são ampliados: melhor preço oferecido ao consumidor, melhor posicionamento do produto, maior giro dos produtos no PDV.

A negociação é uma das “armas” mais poderosas para potencializar as relações comerciais. Ela não existe só em vendas, existe também entre departamentos, fornecedores, em tudo o que envolve pessoas e relações comerciais. Empresas preocupadas com processos e que são inflexíveis sofrem mais em tempos de crises econômicas. Por outro lado, as empresas inovadoras, preocupadas com o marketing de relacionamento e com seus clientes, conseguem mais sucesso e até mesmo crescimento – mesmo durante a crise.

Diante do atual cenário econômico, relacionar-se bem com os fornecedores é fundamental. Para evitar perder o cliente ou mesmo ter sua fatia reduzida na participação no volume de compra, o fornecedor está geralmente mais aberto a encontrar caminhos de redução de preços e de custos. Uma conversa clara com os fornecedores ajuda a criar soluções e estratégias para que ambos se apoiem nos momentos mais difíceis. Pensar em facilitar a logística de abastecimento com rapidez nas entregas; reduzir as perdas com embalagens, fazendo a logística reversa; reduzir o retorno e perdas de produtos; calcular o impacto dos impostos de todos os lados da negociação; permitir lotes de entregas bem calculados; concentrar datas para melhor aproveitamento das capacidades dos veículos; fazer transações eletrônicas de pedidos e documentos; e muitas outras oportunidades de redução de custos; e, principalmente, evitar perdas de vendas. Isto é, estender a negociação com a visão dos custos embutidos em toda a operação com o fornecedor: do pedido a entrega, dos impostos ao lixo das embalagens descartadas.

Etapas da negociação no varejo farmacêutico

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Fontes: Serviço de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae) e
demais entrevistados para a matéria


Quebra de paradigmas

O processo de negociar envolve a execução de etapas que precisam ser planejadas e avaliadas para reduzir as chances de erros.

De acordo com o consultor do Serviço de Apoio às Micro e Pequenas Empresas de São Paulo (Sebrae-SP), José Carmo Vieira, uma boa negociação pode ser considerada tal qual quando ambas as partes saem ganhando. “Não existe um modelo básico de negociação, mas um conjunto de habilidades e técnicas que ajudam a formar um bom negociador.”

Como ocorre em todo processo, algumas etapas são sugeridas de modo que alguns critérios sejam adotados e necessidades atendidas, minimizando erros. São elas: a de preparação, quando os objetivos são definidos; a de abertura, quando ficam claros quais são os benefícios esperados; a de exploração, em que se estabelece a reciprocidade psicológica, em que as pessoas tendem a tratar os outros da mesma forma que são tratadas; a de apresentação, onde os objetivos e expectativas iniciais de ambas as partes são expostos; a de clarificação, com o levantamento das objeções como oportunidades para maior detalhamento do objetivo; a da ação final, quando ocorre o fechamento do negócio; e, finalmente, a do controle e avaliação, quando se verifica o saldo da negociação, com seus pontos positivos e negativos.

Entendendo melhor a dinâmica da negociação, de modo a conciliar propósitos e interesses, é possível assegurar a perenidade da empresa e a saúde financeira da mesma.

À medida que são criadas ações não apenas entre fornecedor e lojista, mas extensivas ao consumidor, com uma empatia entre comprador e vendedor, a negociação se torna mais salutar, com efeitos duradouros e extensivos por toda a cadeia produtiva.

Compradores e vendedores que só negociam descontos e prazos estão fadados à extinção. É preciso muito mais do que isso para que a loja compre cada vez melhor, promova o crescimento de suas vendas e o fornecedor deixe de ser um coadjuvante e colha frutos duradouros nessa relação de parceria.


No varejo farmacêutico

A atratividade dos produtos farmacêuticos está distribuída em diversas formas de atuação: na exposição dos produtos nas farmácias, na divulgação dos produtos junto à classe médica e na mídia, principalmente televisiva. Cada especialidade direciona seus esforços, dependendo do produto e de sua aplicação. 

Estilos Conceitos Comportamentos Típicos Comportamentos Extremos
Persuasão Levar os outros a aceitar a sua ideia • Fazer propostas e sugestões.
• Argumentar, raciocinar e justificar.
Dispersão:
• Propostas apresentadas e não defendidas.
• Argumentos sucessíveis em levar as propostas tangíveis.
Afirmação Impor e julgar o outro • Fazer conhecer exigências e normas.
• Expor seu ponto de vista e seus desejos.
• Avaliar os outros e a si mesmo.
• Punir, recompensar e conceder.

Tirania:
• Excesso de pressão sem manifestação clara de expectativas.
• Uso indiscriminado do poder de posição.

 

Ligação Compreender o quadro de referência do outro • Encorajar a participação do outro.
• Procurar pontos de acordo.
• Escutar com empatia.
Indecisão:
• Apoiar ou escutar o outro com um fim em si mesmo.
• Reformulações constantes de propostas.
Atração Abrir-se ao outro, procurando envolvê-lo • Influenciar ao outro pelo seu próprio comportamento.
• Seduzir, motivar o outro, elevar o moral.
• Partilhar informações.
• Reconhecer os próprios erros.
Falsidade:
• Reconhecer falhas e dúvidas inexistentes.
• Uso excessivo do poder pessoal.

O varejista sabe disso e precisa ajustar suas estratégias na mesma direção da indústria e, com isto, alinhar sua negociação com as ações propostas pelo fornecedor, investindo na abordagem correta, nos espaços adequados, na disponibilidade dos itens e suas variações de quantidade e apresentação. 

“Ocorre que, em muitos casos, o benefício da negociação oferecida pelo fornecedor não chega ao consumidor, pois o varejista acredita que pode obter mais ganhos fazendo de outra forma”, ressalta Tarallo. “Um bom exemplo é a promoção de um produto novo ou relançamento em formato de packs promocionais, do tipo Leve 3, pague 2, mas que o varejista não visualiza a ação como uma oportunidade de incremento das vendas, até mesmo considerando-a desvantajosa, pois o valor unitário do produto é reduzido comparado ao item regular. Assim, opta por desfazer o pack e vender separadamente os itens. O erro que ele comete é que venderia muito mais seguindo a proposta do fornecedor, com ganhos maiores porque o volume de vendas seria muito maior. A negociação ficou unilateral, pois a oferta que beneficiaria as partes foi perdida”, explica o executivo.

Estudar as propostas dos fornecedores; alinhar metas conjuntas com benefícios comuns; investir em relacionamentos em que as partes se apoiam; dar retorno com detalhes à outra parte interessada do que funcionou e não funcionou na loja; investir em boas práticas que trazem economia e racionalidade; exigir aberturas para outros aspectos da negociação que podem interferir nos custos indiretos; solicitar apoio em cálculo de impostos e impactos nos resultados são aspectos importantes que devem ser bem discutidos e analisados antes e durante as negociações.

Para o consultor, palestrante e coaching de vendas, Jaques Grinberg, é preciso respeitar algumas fases que não podem ser esquecidas pelo varejista farmacêutico, que envolvem negociação, agora entre clientes e atendentes. “Podemos pensar em quatro fases, sendo que primeira e mais importante é que o cliente ao entrar no seu estabelecimento tem um problema e precisa solucioná-lo”, diz. “A segunda consiste em sempre conhecer os seus pontos fortes e fracos perante o mercado (concorrentes diretos e indiretos).” A terceira, segundo Grinberg, consiste em investir no atendimento, priorizando o contato humano. Para isso, é preciso ter em mente o porquê do seu cliente ainda comprar na loja e não pela internet. “Pequenos detalhes podem fazer a diferença, como, por exemplo, receber os clientes com um sorriso e sair de traz do balcão para atendê-los.” E, por último, ter em mente que a venda não acaba quando o cliente paga e vai embora. “Investir no pós-venda, enviar mensagens no celular agradecendo por sua escolha e desejando uma ótima tarde, ou ainda, com base no cadastro prévio, avisar sobre ofertas.”

A advogada, consultora empresarial e sócia fundadora da De Lucca Mano Consultoria Claudia de Lucca Mano, lembra que boa parte dos empreendedores brasileiros não foi preparada para questões de administração e gestão de negócios em seus cursos superiores. “Somos os heroicos empresários-farmacêuticos, empresários-advogados, empresários-contadores, e a primeira ferramenta que usamos é o instinto, depois o aprendizado com os erros e acertos do passado.” 

Ela ressalta, ainda, que o ambiente de negócios no Brasil é um tanto arriscado, quando pensamos em segurança jurídica, o que coloca no centro da questão a capacidade de avaliar o grau de confiança que podemos depositar nos clientes, nos parceiros e nos fornecedores. “Ninguém está livre de um desentendimento que pode acabar em disputa judicial, o que custa tempo, energia e dinheiro, por isso acredito que o melhor conselho seja aprender a ouvir a outra parte e assim propor soluções criativas para os dilemas de negociação”, finaliza.

Autor: Tatiana Ferrador

Mercado ilegal de medicamentos

Edição 275 - 2015-10-01 Mercado ilegal de medicamentos

Essa matéria faz parte da Edição 275 da Revista Guia da Farmácia.

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