De grão em grão

Economizar e renegociar contratos são as novas palavras de ordem no mercado. Toda redução conquistada é importante para que a empresa enfrente a turbulência e se mantenha estável durante a crise   

Diz o ditado que é de grão em grão que a galinha enche o papo. Reportando o ditado para o cenário atual, é de grão em grão, economizando nas grandes e pequenas despesas, que as empresas podem buscar o equilíbrio das contas em um momento em que a economia não vai bem e o consumidor está cauteloso com suas compras.

Mesmo itens de menor peso, como água, luz e telefone podem fazer diferença na relação total de gastos. Há ainda custos com funcionários, aluguel e impostos. Os números são variáveis, dependem de uma série de fatores, como porte da empresa, por exemplo, mas, de uma forma geral, despesas com água, luz e telefone podem chegar a 4% do faturamento, segundo o diretor de operações do Grupo Partage, Sideny de Oliveira. “Se falarmos em condomínios, onde os custos são comuns, esse valor pode chegar a 12% do faturamento”, completa.

Para ele, a energia elétrica é um grande ofensor dos custos. Ela interfere em vários sistemas da operação, direta ou indiretamente. “É importante empregar a tecnologia disponível, por exemplo, trocando o sistema de iluminação convencional por LED (Light Emitter Diode – tem a propriedade de transformar energia elétrica em luz na matéria, sendo, por isso, chamada de estado sólido, fazendo com que consuma menos energia e não emita muito calor). A economia alcançada é espetacular. Isso é o que denominamos de ‘eficiência energética’. Num primeiro momento, talvez, o investimento da substituição pode representar uma barreira para a decisão. Mas se fizermos a conta na ‘ponta do lápis’, veremos que rapidamente se paga e passa a determinar economia”, recomenda.

Em relação aos impostos, não há como fugir, a quantia paga vai acompanhar o faturamento da loja. “No caso dos aluguéis, muitos comerciantes estão renegociando seus contratos, conseguindo descontos já que há uma grande oferta de pontos comerciais vagos”, comenta o assessor econômico da Federação do Comércio do Estado de São Paulo (FecomercioSP), Thiago Carvalho. Para ele, outro ponto importante que o empresário deve ficar atento é na tomada de empréstimos já que os juros estão altos e os bancos mais seletivos na concessão. “Mas neste momento de queda das vendas e juros elevados, acredito que a boa administração dos estoques torna-se uma variável-chave para a sobrevivência dos negócios. Afinal, quanto maior a taxa de juros, maior o custo de oportunidade de ter mercadorias paradas (em vez de dinheiro no banco, rendendo juros altos)”, diz.

A FecomercioSP divulga mensalmente o Índice de Estoques (IE) que revela a percepção dos empresários do varejo em relação aos seus estoques, se é adequado ou se está abaixo ou acima do adequado. A última edição da pesquisa de estoques mostrou que a proporção de empresários da Região Metropolitana de São Paulo (RMSP) que notou o excesso de estoques nas prateleiras passou de 37,3% em agosto para 38,7% em setembro deste ano, o maior valor já registrado na série histórica, iniciada em junho de 2011.

Na contramão, a proporção de empresários com estoques adequados caiu mais de dois pontos percentuais no mesmo período, de 47,6% para 45,3%. “Com essa informação em mente, o planejamento de compras junto aos fornecedores deve ser de grande conservadorismo e, com isso, as empresas devem se preparar mais ainda para enfrentar uma crise severa e de longo prazo, com todas as armas de que dispõem. O pior momento da crise, infelizmente, ainda não passou. Não há perspectivas positivas no curto prazo e, enquanto não houver no horizonte um conjunto de políticas econômicas mais confiáveis e factíveis, a economia brasileira estará fadada a conviver com juros elevados, inflação acima da meta, eliminação de empregos e retração do nível de atividade”, orienta Carvalho.

A regra, mesmo em momentos em que o mercado esteja mais aquecido, é não ter desperdícios. “Os gastos com telefone, internet, água, entre outros, devem ser acompanhados de perto. Além de melhorar o resultado, isso mostra às pessoas ao redor (colaboradores, fornecedores, clientes) a preocupação com a eficiência”, diz o consultor do Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas, de São Paulo (Sebrae-SP), Maurício Mezalira.

Para ele, a propaganda, assim como os outros gastos no grupo de marketing, devem ser vistos como investimento para gerar vendas. “Mais do que cortar os gastos, o empresário deve monitorar o retorno desse investimento. Quando ele faz uma ação nova (anúncio em revista do bairro, por exemplo), precisa saber qual foi impacto desta ação. Por outro lado, cortar gastos pode deixar a empresa ‘escondida’ e o cliente ir para a concorrência”, diz.

Plano de ação

Otimização de gastos e redução de custos devem ser objetivos constantes em qualquer organização e, no varejo, isto não é diferente. Segundo o diretor da KPMG, Sergio Bento, antes de iniciar os cortes, devem-se buscar as possíveis duplicidades e ineficiências nas operações e suas causas raiz, assim como identificar aqueles gastos que não estão diretamente ligados às operações ou aos seus clientes. “Essas duas ações já deveriam gerar um resultado positivo significativo nos relatórios financeiros da empresa”, diz.

Para ele, deve-se buscar entender qual o impacto que cada ação para redução de custos irá causar nas vendas ou aos seus clientes. “Não é incomum empresas cortarem gastos com itens que eram vistos pelos clientes como agregador de valor e o efeito ser o oposto do planejado com relação aos resultados financeiros apurados”, alerta Bento.

Conhecer os custos e saber analisá-los adequadamente são o primeiro passo para colocar o plano de ajustes e otimização dos gastos em prática. “Custos que não são apurados corretamente dificilmente serão cortados e se forem, os benefícios não serão percebidos pelos administradores das empresa”, diz Bento. Para ele, um programa de incentivos à redução de custos ou corte de gastos permite a sustentação dos esforços e alcance dos resultados. Além disso, ele sugere a adoção da metodologia “Orçamento Base Zero”. “Esse pode ser um passo importante para repensar os gastos a partir de novas perspectivas. Isso elimina vícios de valores relacionados às rubricas de gastos/custos”, diz.

Também é preciso manter cadastros de produtos sempre atualizados, como forma de se evitar custos com o pagamento errado de impostos e com a gestão inadequada dos estoques. “Por fim, gastos com horas extras ou o pagamento de equipe ineficaz podem drenar os resultados de uma empresa varejista. Esta deve estudar a melhor concepção dos turnos, eliminar qualquer ineficiência de mão de obra e otimizar os esforços perante a curva de vendas dos dias/horários de funcionamento”, recomenda.

Antes de iniciar o processo de cortes, é preciso tomar cuidado com cortes inócuos que acabam por prejudicar a operação, tanto com relação à qualidade quanto ao seu objetivo ou foco. “O que se orienta é otimizar o processo. No caso da água, por exemplo, é fundamental evitar-se o desperdício, bem como dispender apenas a quantidade necessária ao uso. Hoje se aplicam redutores de pressão que ajudam na economia da água. Também a utilização de fontes alternativas, como a água de reuso, pode ser opção interessante para algumas aplicações, quando disponíveis”, recomenda Oliveira, do Grupo Partage.

Ele ressalta que, na esfera de voz e dados, o conceito é, além do uso racional, o emprego de tecnologias. “Existem dispositivos no mercado que possibilitam o acoplamento com plataformas gratuitas, quer sejam de mesma operadora, ou aquelas que se utilizam de conexão por internet, que resultam numa economia considerável, principalmente, nos casos de acentuada utilização”, diz.

Outro ponto importante é a revisão das planilhas de custos, que devem ser adequadas para um novo cenário financeiro e, com isto, devem representar uma boa oportunidade de aprimorar a qualidade dos gastos. “Essa tarefa deve se revestir de uma reflexão técnica e não emocional do processo. Encontrar os reais ofensores dos gastos requer conhecimento da operação. Colocar como premissa a manutenção da qualidade e o foco do negócio é fundamental para o sucesso da operação”, reforça Oliveira.

Antes de cortar

O consultor do Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas, de São Paulo (Sebrae-SP), Maurício Mezalira, recomenda uma análise do impacto dos gastos em relação às vendas, conhecida como análise vertical. O objetivo é descobrir os itens mais representativos e iniciar os ajustes por eles. Segundo Mezalira, no varejo, há três grupos de gastos que são significativos: aluguel quando se tratar de loja física, gastos com pessoal e as compras:
• O primeiro está sujeito ao contrato firmado e, portanto, mais difícil de reduzir.
• O segundo pode ser um caminho, mas exige uma análise cuidadosa, pois aqui estaríamos falando de ajuste do quadro de pessoal. Um corte malfeito pode causar sérios problemas operacionais e no clima da empresa, podendo trazer insegurança e desmotivação.

• Já o terceiro pode trazer bons resultados para o equilíbrio financeiro, pois o empresário poderá melhorar seus resultados, revendo seus estoques, seu mix de produtos, desenvolvendo novos fornecedores e até mesmo explorando novas oportunidades de negócio.

Ações de resultado

• Lâmpadas frias com baixo consumo de energia devem substituir as de tecnologia mais antiga com consumo maior.
• Equipamentos que podem ser desligados sem que produtos sejam estragados podem ser acoplados a timer programado para o desligamento em horários que estarão fora de uso.
• Quando a loja for climatizada, adotar gestão de uso em função da temperatura externa e faixas horárias.
• Captação de água de chuva para uso em limpeza.
• Uso de telefone por VOIP (Voice Over Internet Protocol – é o roteamento de conversação humana usando a internet ou qualquer outra rede de computadores baseada no protocolo de internet, tornando a transmissão de voz mais um dos serviços suportados pela rede de dados).
• Materiais de propaganda podem ter seu custo reduzido, mas com um estudo prévio minucioso para avaliar o impacto na estratégia comercial da empresa.

 

Na mesma sintonia

O envolvimento da equipe no estudo das alternativas de otimização dos gastos é fundamental. Todos devem ter consciência do que está se buscando. “Normalmente, a própria equipe tem sugestões pertinentes, pois ela conhece muito bem o dia a dia da operação. No entanto, é preciso fazer uma participação dirigida para que não se caia no equívoco da discussão vazia, que não leva a lugar nenhum”, diz Oliveira.

Ele acrescenta que é preciso, antes de tudo, elaborar um vigoroso script de alternativas e possibilidades de ação. Numa fase posterior, é o momento de trazer a equipe para a discussão. “Mesmo aqueles colaboradores mais simples podem nos surpreender com sugestões enriquecedoras”, diz.

O cenário negativo também pode ser uma ótima oportunidade de aumentar a produtividade dos funcionários. “É importante dizer que o momento é difícil, mas que confia na equipe de funcionários e que se todos tiverem dedicação máxima, com certeza, a empresa vai superar a crise sem grandes prejuízos”, orienta Carvalho.

Depois das medidas colocadas em prática, também é válido informar a equipe sobre os resultados obtidos, garantindo transparência nas ações e demonstrando como a participação dela foi fundamental para a conquista. “A empresa deve demonstrar que as medidas não se referem apenas aos subalternos e, ainda, que valoriza as sugestões que contribuam com a empresa na busca pela redução do custo ou melhor ainda, pelo aumento das vendas”, comenta o diretor de comunicação da Gunnebo Brasil, Luiz Fernando Sambugaro. 

Autor: Adriana Bruno

Alta do dólar

Edição 276 - 2015-11-01 Alta do dólar

Essa matéria faz parte da Edição 276 da Revista Guia da Farmácia.

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