Incidência preocupante

A doença pode deixar o portador muito debilitado e com sequelas graves e irreversíveis. O diabetes avança ano a ano e já soma mais de 11 milhões de acometidos no Brasil  

Em todo o mundo, há 387 milhões de diabéticos. No Brasil, esse número ultrapassa os 11 milhões. Os dados são da Internacional Diabetes Federation (IDF) e foram coletados em 2014. O Brasil é um dos 18 países da região da IDF SACA (South and Central America – América do Sul e Central) onde há uma população de mais de 25 milhões de pessoas portadoras da doença. A entidade ainda destaca que até 2034 esse número vai aumentar para 38 milhões. 

Outro índice da IDF aponta que o Brasil é o quinto maior país em número de diabéticos em todo o mundo. E a doença vem avançando cada vez mais. Segundo a médica coordenadora do Núcleo de Obesidade e Transtornos Alimentares do Hospital Sírio-Libanês, Dra. Cláudia Cozer, há vários fatores responsáveis por isso, entre eles, estilo de vida, neste caso, pessoas sedentárias, com sobrepeso e que fazem a ingesta excessiva de carboidratos, açúcares e farinhas. Além do estresse e do uso indiscriminado de medicamentos como, por exemplo, aqueles à base de corticoides, que também contribuem para o ganho de peso. 

“As pessoas estão se movimentando menos, saindo menos de casa, se exercitando menos, devido às facilidades da vida moderna, como o uso de carro, eletrodomésticos, escadas rolantes, elevadores, serviços delivery e até as compras on-line. Isso tudo somado à má alimentação com ganho de peso favorecido pelo excesso de calorias ingeridas, produtos processados com menos fibras, por exemplo, vêm favorecendo o ganho de peso e consequentemente o aparecimento do diabetes”, explica. 

Segundo a Dra. Cláudia, a longo prazo, o diabetes lesa micro e macrovasos (vasos e nervos) podendo causar, por exemplo, retinopatia, nefropatias, neuropatias, doenças coronarianas e impotência. 

Ocorrências particulares

É importante distinguir os tipos de diabetes mellitus existentes. O tipo 1 (DM1) é atribuído aos casos em que o pâncreas não trabalha para produzir insulina, há um processo autoimune que leva à destruição das células beta do pâncreas, que são as responsáveis pela produção de insulina e, consequentemente, ocorre deficiência de insulina. 

Já o diabetes tipo 2 (DM2) é a forma mais comum da doença, geralmente aparece depois dos 40 anos de idade e em indivíduos com sobrepeso ou obesidade. “O paciente ainda produz insulina, mas apresenta defeitos na ação dessa insulina. Vale dizer que o DM2 também pode aparecer na adolescência, associado a todos os seus fatores de risco. O tipo 1 é mais comum em crianças e adolescentes, porém pode surgir em qualquer idade. Os fatores de risco para o DM1 ainda não estão claros”, explica o médico endocrinologista e membro da diretoria da Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia (Sbem), Dr. Fábio Trujilho. 

O tipo 2 responde por cerca de 90% dos casos de diabetes e é um dos mais sérios problemas de saúde na atualidade, tanto em número de pessoas afetadas, incapacitações, mortalidade prematura, como dos custos envolvidos no seu controle e no tratamento de suas complicações. “Sua prevalência mundial tem crescido em proporções epidêmicas”, comenta a médica com atuação em endocrinologia e clínica médica, Dra. Vanessa M. Scalfi Favoretto. 

Segundo ela, uma grande porcentagem de pacientes diabéticos tipo 2 são assintomáticos ou oligossintomáticos, o diagnóstico da doença, em geral, é feito tardiamente, com um atraso estimado, de pelos menos, quatro a sete anos. “Com isso, as complicações micro e macrovasculares não raramente estão presentes quando há detecção inicial da hiperglicemia, sendo fundamental a investigação das complicações crônicas da doença no momento do diagnóstico”, alerta a Dra. Vanessa. 

Controle é o maior amigo da doença 

O diabetes é uma doença perigosa porque é uma das principais causas de mortalidade por Infarto Agudo do Miocárdio (IAM) e Acidente Vascular Cerebral (AVC), além de ser uma das principais causas de cegueira em adultos, de amputação não traumática de membros inferiores e também de insuficiência renal com indicação de hemodiálise. 

“Ela se torna ainda mais perigosa, porque muitas vezes é silenciosa, dificultando o seu diagnóstico e também fazendo com que o paciente não tenha a adesão necessária ao tratamento”, diz o Dr. Trujilho. O diabetes bem controlado pode evitar o avanço das complicações já citadas e quem convive ano a ano com a doença sabe o quanto, silenciosamente, ela ocorre e debilita o organismo, reduzindo a qualidade de vida e abrindo as portas para a necessidade de tratamentos complementares e mais medicamentos, além daqueles usados para o controle da doença. Para um controle adequado, o portador da doença deve adotar cuidados multidisciplinares. A começar pelos medicamentos que hoje estão cada vez mais avançados. 

Para o Dr. Trujilho, os avanços da medicina chegam por diferentes frentes: no desenvolvimento de medicamentos que atuam em diversos mecanismos fisiopatológicos da doença, com maior eficácia, segurança e facilidade posológica; no desenvolvimento de tecnologia que permita melhor monitorização e controle da doença e de suas complicações; e na educação de profissionais de saúde e pacientes para que possam conhecer melhor a doença, suas complicações e tratamentos e, com isso, otimizar o uso do arsenal terapêutico e tecnológico. “Nos últimos dez anos, surgiram várias classes novas de medicamentos para o diabetes, como as gliptinas, agonistas do GLP-1 e inibidores da SGLT2”, diz. 

O médico ainda explica que as gliptinas e os agonistas de GLP-1 agem nas células beta do pâncreas, estimulando a produção de insulina, assim como nas células alfa do pâncreas, bloqueando a produção do glucagon que é um hormônio que aumenta a produção de açúcar pelo fígado. “O importante é que essas drogas só agem após o indivíduo se alimentar, diminuindo, com isso, o risco de hipoglicemia. Os agonistas de GLP-1 também contribuem para perda de peso. Os inibidores da SGLT2 agem aumentando a excreção urinária de glicose com consequente melhora da glicemia e diminuição do peso”, diz. 

Os portadores do DM1 também contam com insulinas de maior duração. “Entre elas, a de uso mais recente é a insulina basal de nova geração com ação ultralonga, com estado de equilíbrio plano e estável em pacientes diabéticos, com menor índice de hipoglicemias”, comenta a Dra. Vanessa. 

Para pacientes com DM1 que não conseguem um bom controle metabólico ou não se adaptam aos esquemas de insulinização tradicionais, há também as bombas de insulina. “A bomba facilita a correção glicêmica e melhora a hemoglobina glicada”, explica a Dra. Cláudia. A médica ainda acrescenta que além do tratamento terapêutico, medidas de conscientização da população, campanhas para diagnóstico precoce e orientação para mudanças no estilo de vida fazem parte da prevenção, tratamento e controle da doença. 

Mas o controle ideal nem sempre é atingido pelo diabético. Para a Dra. Cláudia, a baixa aderência às mudanças do estilo de vida, a falta de controle alimentar e o fato de muitos pacientes não seguirem as orientações medicamentosas são fatores que levam ao descontrole do problema. “O diabético precisa de um controle alimentar e glicêmico regular e cada caso depende do tipo de diabetes e grau da doença”, diz. 

O nível glicêmico ideal para um diabético é individualizado e depende de vários aspectos. Segundo o Dr. Trujilho, a hemoglobina glicada é mais importante que a glicemia na avaliação do controle no diabético. “Em geral, considera-se um diabético bem controlado do ponto de vista glicêmico aquele que apresenta hemoglona glicada menor que 7% e glicemia de jejum entre 70 mg/dL e 130 mg/dL”, explica. 

O diabetes interfere muito pouco nas atividades diárias dos pacientes que têm uma boa adesão ao tratamento. Já aqueles que não estão bem controlados ou  apresentam complicações, têm mais risco de apresentar hipoglicemia, infecções e sensação de mal-estar que poderão interferir no seu dia a dia. “De maneira geral, pacientes bem controlados do diabetes levam uma vida praticamente normal”, comenta o Dr. Trujilho. O controle diário das taxas glicêmicas é feito por meio dos dextros pré e pós-refeição, dessa forma, é possível ajustar as doses de insulina e as necessidades diárias. 

Cuidados multidisciplinares 

A alimentação do diabético é restrita, mas ao contrário do que se possa imaginar, não é pobre nem tampouco sem graça, pelo contrário, deve ser colorida e, principalmente, equilibrada. Segundo a nutricionista da clínica Fluyr Saudável, Maiara Fidalgo, o diabético deve evitar, além dos açúcares, jejum prolongado, uma vez que ficar longos períodos sem se alimentar pode alterar a glicemia e gerar picos, além do excesso do consumo de gorduras, álcool e o sedentarismo. 

Para ela, o ideal é que a quantidade de calorias ingeridas diariamente pelo diabético seja feita e calculada de forma individualizada, respeitando os aspectos clínicos, físicos e bioquímicos do paciente. “Em geral, a característica da dieta é que o valor calórico total diário seja dividido em: carboidratos 55%, proteínas 15% e lipídios (gorduras) 25-35%”, diz. 

Para ter alimentação equilibrada e níveis glicêmicos controlados, a nutricionista indica incluir alimentos ricos em fibras, sementes, grão integrais, verduras, legumes. “Exemplo simples e muito eficiente é o farelo de aveia rico em betaglucanas (tipo de fibra), que é uma substância que ajuda no controle dos níveis de glicemia. O ideal é que se fracione a alimentação em um número maior de refeições com redução das quantidades das porções”, recomenda. 

Se existem alimentos que fazem bem, também há aqueles que devem ser riscados da dieta – ou consumidos com moderação de acordo com a individualidade e tratamento de cada paciente – e são eles: frituras, produtos industrializados ricos em gorduras trans, álcool, farinhas refinadas, carnes gordurosas e açúcar simples. Frutas, como o abacate, e tubérculos, como a beterraba, já foram condenados na alimentação do diabético em função de seus níveis naturais de açúcar, porém, segundo Maiara, este é um mito que já “caiu por terra”. “O paciente pode, sim, comer esses alimentos em quantidades moderadas e dentro de um contexto de alimentação/refeição equilibrada”, diz

Em relação aos adoçantes, a nutricionista diz que o ideal é avaliar qual é o tipo de diabetes do paciente, como está sendo realizado o tratamento e qual o histórico clínico. “A sucralose pode ser utilizada como alternativa (se o paciente possuir alteração da tireoide, o indicado é evitar, pois o cloro da sucralose interfere no iodo). Mas o melhor é o adoçante à base de stévia, que é um dos melhores por ser de base natural. A dificuldade é que ele é mais caro e mais amargo”, comenta. 

O diabético tem mesmo muito que se cuidar. Por exemplo, da alimentação para a pele; os portadores da doença estão mais propensos a ter pele seca, coceira e infecções por fungos ou bactérias. “Além disso, o diabetes causa mudanças e danos em pequenos vasos sanguíneos (microcirculação) da pele. Isso faz com que ela fique mais frágil e mais difícil de cicatrizar. Os diabéticos também estão sujeitos a alguns problemas, como: aspecto escuro e aveludado no pescoço e nas axilas (acantose nigricante), ferimentos em placas na parte da frente das pernas (necrobiose lipoidica) e o surgimento de bolhas grandes sem inflamação ou vermelhidão (bulose diabeticorum)”, conta a dermatologista e membro efetivo da Sociedade Brasileira de Dermatologia (SBD), Dra. Carla Albuquerque. 

Segundo ela, cada uma dessas afecções tem tratamento específico. “O melhor é ter um diagnóstico precoce. Muitas vezes, essas lesões são os primeiros indícios do diabetes”, indica. Os índices elevados de açúcar no sangue são os responsáveis pelo ressecamento da pele, isso porque quando os níveis de glicose ficam elevados demais, o corpo tenta se livrar do excesso de açúcar, aumentando a diurese. “Quanto mais o paciente urinar, mais líquido o corpo perderá. Se não houver recuperacão tomando muita água, o indivíduo ficará desidratado, o que causa (entre outros sintomas) ressecamento na pele”, alerta a Dra. Carla. 

Para manter a saúde da pele, o diabético precisa hidratá-la diariamente com produtos capazes de restaurar a barreira cutânea por meio do uso de ativos, como ureia, glicerina, NMF (Natural Moisturizing Factor), aquaporinas, óleos, como os de semente de uva, framboesa e amêndoas e manteiga de karité. 

“A pele atua como uma barreira contra agentes externos, sendo capaz de exercer uma importante proteção imunológica. Manter a pele bem hidratada pode auxiliar na formação de uma barreira para evitar a perda hídrica e a entrada de agentes químicos e microrganismos. Além de usar hidratantes específicos, é importante lavar e secar bem os pés, para evitar a proliferação de bactérias, examiná-los com cuidado e procurar o médico se observar qualquer machucado ou alteração e sempre usar sapatos confortáveis”, orienta a dermatologista. 

A atividade física é outro fator que contribui para a melhoria na qualidade de vida do diabético. De acordo com a Dra. Vanessa, o exercício físico atua de forma específica sobre a resistência insulínica, determinando níveis mais baixos de insulina circulante, melhor ação de receptores e pós-receptores, melhora de transportadores de glicose e maior capilarização das células musculares esqueléticas, além da redução do peso corporal, com consequente redução do risco de DM2. Atua ainda no controle da glicemia, hipertensão, dislipidemia e risco cardiovascular. 

“Toda prescrição de exercício físico deve levar em consideração as particularidades das doenças de base, limitações e comprometimento sistêmico do DM. É importante que o paciente seja sempre avaliado pelo seu médico antes de iniciar qualquer tipo de atividade física”, orienta a Dra. Vanessa. Para ela, exercícios aeróbicos, de resistência/fortalecimento e de flexibilidade são indicados. “A recomendação mais atual para diabéticos é de 150 minutos (exercício de moderada intensidade) por semana ou 75 minutos (exercícios de alta intensidade) por semana, ou uma combinação”, diz. A médica ainda alerta que a hipoglicemia sempre deve ser lembrada ao prescrever exercícios para um paciente diabético, principalmente se ele for usuário de insulina ou secretagogo de insulina. “Nesse caso, dar preferência para atividade física durante a manhã para evitar hipoglicemia noturna”, finaliza. 

Orientações no ponto de venda 

Para atender a um grupo de pacientes tão complexos, a farmácia e seus farmacêuticos devem estar preparados, principalmente para atuarem como agentes no estímulo à adesão ao tratamento e controle da doença. O estabelecimento pode, segundo a médica coordenadora do Núcleo de Obesidade e Transtornos Alimentares do Hospital Sírio-Libanês, Dra. Cláudia Cozer, realizar o controle glicêmico por meio dos dextros e orientar o paciente na correta utilização do glicosímetro. “O farmacêutico também pode orientar o paciente a seguir a prescrição e orientação médica, falar sobre a importância do controle glicêmico domiciliar e ainda ensinar a manipular o glicosímetro”, comenta a médica. 

Autor: Adriana Bruno

Alta do dólar

Edição 276 - 2015-11-01 Alta do dólar

Essa matéria faz parte da Edição 276 da Revista Guia da Farmácia.

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