Sexo nada frágil

Elas vivem mais, comandam lares, são estudiosas e ocupam cargos de chefia em empresas 

Após anos de opressões, com a chegada do século 20, as mulheres ganharam voz no Brasil. Apesar da Proclamação da República ter acontecido em 1889, apenas em 1932 as brasileiras puderam votar efetivamente. Essa restrição ao voto e à participação feminina foi consequência do predomínio de uma organização social que trazia a mulher em segundo plano. 

Mesmo com os avanços, ainda no início da segunda metade do século 20, as mulheres sofriam com preconceitos e inferioridade, sendo representadas pela imagem da mulher de avental na cozinha, em meio aos trabalhos domésticos. Foi a partir da década de 1950 que ocorreram mudanças fundamentais em seu papel na sociedade, conquistando o mercado de trabalho, além de mudar suas relações familiares, já que passou a participar de forma decisiva no orçamento doméstico, trazendo independência financeira. 

Com o advento da Constituição de 1988, que deu forma ao regime político atual, percebeu-se que houve um aumento considerável de mulheres ocupando cargos importantes em diversas áreas de atuação. “O papel da mulher já foi bem diverso ao longo da história da humanidade. É sabido que já vivenciou uma era matriarcal, mas que o patriarcado tem dominado há muito tempo a organização de praticamente todo o mundo. Hoje, escolhe se quer ou não casar, com quem quer casar, pode estudar e ter a profissão que deseja e ter filhos quando e como quiser”, destaca a psicóloga especialista em Psicologia Clínica Junguiana e coach pela Sociedade Brasileira de Coach, Juliana Pereira dos Santos. 

Dados da última Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio (PNAD), divulgada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), em 2013, revelaram que vivem no Brasil 103,5 milhões de mulheres, o equivalente a 51,4% da população. O estudo Estatísticas de Gênero, divulgado em outubro de 2014 pelo IBGE, que analisa os resultados do Censo Demográfico 2010, mostrou que as mulheres eram as principais responsáveis por 37,3% dos lares brasileiros em 2010, sendo que a proporção cresce para 39,3% quando considerados os domicílios das áreas urbanas diante de 24,8% dos domicílios rurais. 

Segundo a pesquisa, quando os conjugues vivem juntos com os filhos, as mulheres são consideradas responsáveis em 22,7% das residências. Quando o ganho per capita é de até meio salário mínimo, a proporção de mulheres chefiando sobe para 40,8%, chegando a 46,4% nas áreas urbanas. Já quando a renda é de mais de dois salários por pessoa da família, a taxa cai para 32,7%.

O número de mulheres consideradas analfabetas teve redução. De acordo com o IBGE, adolescentes homens e mulheres com 15 anos ou mais de idade apresentavam taxas de analfabetismo próximas, mas a maior porcentagem era dos homens, com 9,8%, frente aos 9,1% entre as mulheres. Em 2010, as mulheres representavam 57,1% do total de estudantes universitários de 18 a 24 anos de idade. Já com relação ao nível superior completo, 12,5% das mulheres possuíam a graduação completa contra 9,9% dos homens.

Resultados da PNAD de 2013 também indicam maior escolarização das mulheres, sendo que de um total de 173,1 milhões de pessoas com mais de 10 anos de idade, nove milhões de mulheres possuem mais de 15 anos de instrução, contra 6,5 milhões de homens. As áreas de formação que mais atraem mulheres acima de 25 anos de idade são Educação, com 83% e Humanidades e Artes, com 74,2%.

Dados importantes

O número de mulheres que atingem o topo das carreiras de destaque e conquistam cargos de comando ainda é bem inferior aos dos homens nas mesmas condições. Em uma década, as mulheres aumentaram sua participação no mercado de trabalho, mas passaram a ter ainda menos carteira assinada do que os homens. Com base nos dados do Censo, os pesquisadores da amostra Estatísticas de Gênero constataram que a diferença de carteira assinada entre os sexos aumentou de 3,8%, em 2000, para 6,7%, em 2010, sendo que a proporção de mulheres com carteira assinada subiu de 32,7% em 2000 para 39,8% em 2010. 

A pesquisa do IBGE também relata um aumento real do rendimento médio das mulheres, sendo que, em uma década, elas registraram aumento relativo de salário maior do que o dos homens, 12% para elas e 7,9% para eles. O Anuário das Mulheres Empreendedoras e Trabalhadoras em Micro e Pequenas Empresas, editado pelo Serviço Brasileiro de Apoio à Micro e Pequenas Empresas (Sebrae), ainda registrou um crescimento no número de mulheres empreendedoras entre 2002 e 2012, em todo o País. A região Norte lidera com expansão de 78% do número de empreendedoras; o Centro-Oeste registrou 36%; o Sul, 21%; o Nordeste, 12%; e o Sudeste, 10%. O estudo também divulgou que 34% das mulheres que têm empresa trabalham em casa.

Segundo o relatório Mulheres em Gestão e Negócios: ganhando impulso, da Organização Internacional do Trabalho (OIT), divulgado em janeiro de 2015, a participação das mulheres em cargos de chefia de empresas no mundo está aumentando, apesar dos números revelarem que apenas 5% dos postos de chefia de empresas e de CEO são ocupados por mulheres. 

A pesquisa realizada pela OIT em 108 países mostra que em 80 deles houve crescimento significativo da liderança feminina nas empresas. Em 34 países, o crescimento foi superior a 7%, porém, este crescimento ocorreu principalmente nas posições intermediárias de chefia. No Brasil, o índice de ocupação feminina em posições de alto comando gira entre 5% e 10%. 

Os melhores resultados foram registrados na Finlândia, na Noruega, no Reino Unido e na Suécia com mais de 20%. O documento mostra que, no Brasil, a mão de obra feminina em cargos médios e sêniores chegou a 37,3% em 2012, último ano com dados disponíveis. Segundo a Corporate Women Directors International (CWDI), grupo de pesquisa com sede em Washington, EUA, as mulheres representam apenas 6,4% da diretoria das 100 maiores empresas da América Latina. 

Para a psicóloga Juliana, apesar de todas essas mudanças, existe um desejo da mulher de reencontrar seu lado mais feminino. “No consultório, recebo muitas mulheres desejando, mais do que um emprego de executivas, reencontrarem-se com a sua própria alma feminina. E então percebo dois caminhos psicológicos feitos nestes anos todos: primeiro, lá no passado, o de uma revolta justa pela falta de reconhecimento social e uma busca de mudança pela imposição do poder e uma má compreensão de igualdade, e depois, hoje, uma percepção psicológica de que se igualar aos homens não as põe no lugar que lhes cabe, e então vem uma busca interna de maior realização do seu ser.” 

Juliana acredita que a sociedade que dará à mulher o seu lugar é a da alteridade, onde homens e mulheres terão oportunidade de expressarem as suas individualidades, sem dominância, hierarquia ou submissão, quando se tratar de relações humanas. “Tomar consciência de seu papel sagrado como geradora da vida, detentora de sua sensibilidade intuitiva e de seu poder de cura é o que de fato pode favorecer a construção de uma sociedade mais acolhedora e menos hostil, porque conscientizar-se a faz tomar conhecimento daquilo que de fato é, e só consciente é que tem condições de criar melhor os filhos e assim fazer crescer novas mentalidades.” 

A hora delas

A última PNAD também indica que a expectativa de vida delas aumentou. Em 1980, a mulher vivia, em média, até os 65 anos de idade, em 2010, a estimativa subiu para 77 anos de idade. Com relação ao número de filhos, em 1980, a média era de quatro por mulher e agora é de um a dois. Elas também estão esperando mais tempo para ter filhos. Entre as jovens de 25 a 29 anos de idade, em 2000, 69,2% delas tinham filhos e, em 2010, esta proporção caiu para 60,1%. A gravidez na adolescência também diminuiu nos últimos dez anos, de 14,8% em 2000 para 11,8% em 2010.

Existe uma tendência de queda da taxa de natalidade. Conforme o exercício demográfico realizado pelo Centro de Desenvolvimento e Planejamento Regional da Universidade Federal de Minas Gerais, o número de filhos por mulher vem reduzindo desde a década de 1960. Em 1970, as brasileiras tinham, em média, 5,8 filhos, hoje, esse número não chega a dois. O número de nascimentos caiu 13,3% entre 2000 e 2012, quando a taxa de fecundidade foi de 1,77 filho por mulher e são diversos os motivos que levaram a esse quadro, como a busca por melhores posições no mercado de trabalho e uso de contraceptivos.

De acordo com o estudo Saúde Brasil, do Ministério da Saúde (MS), o número de mães com mais de 30 anos de idade cresceu na última década, já que quanto maior o grau de escolaridade, mais tarde as mulheres decidem pelo primeiro parto. O percentual de mães com primeiro filho na faixa de 30 anos de idade passou de 22,5%, em 2000, para 30,2%, em 2012. 

Já o número de mulheres que tiveram filhos com menos de 19 anos de idade, caiu de 23,5% para 19,3% no mesmo período, apesar de, nas últimas décadas, a idade escolhida para a primeira relação sexual ter diminuído. A pesquisa Durex Global Sex Survey, realizada em 2012, por uma marca de preservativos em 37 países, revelou que, no Brasil, os jovens perdem a virgindade aos 13 anos, em média. 

Saúde feminina

Que as brasileiras vão mais ao médico dos que os homens, já era de se esperar, mas isso foi comprovado pela Pesquisa Nacional de Saúde, divulgada em junho de 2015, realizada em conjunto pelo Ministério da Saúde e pelo IBGE, que coletou dados em 64 mil residências em 1.600 municípios entre agosto de 2013 e fevereiro de 2014. No resultado, 71,2% dos entrevistados haviam se consultado pelo menos uma vez nos últimos 12 meses, sendo que entre as mulheres o índice chegou a 78%, contra 63,9% dos homens. 

Elas também se preocupam mais com os dentes, sendo que 47,3% disseram ter ido ao dentista uma vez nos últimos 12 meses, já os homens representaram 41,3%. Com relação à higiene bucal, 91,5% das entrevistadas disseram escovar os dentes duas vezes ao dia, em contrapartida, entre os homens, 86,5% afirmaram realizar o mesmo procedimento. 

“As mulheres se cuidam muito bem quando têm acesso à saúde. Com a mudança de hábito observada há tempos, com a evolução da mulher e de suas responsabilidades, acabaram existindo mais casos de doenças que antes eram apenas masculinas, como tabagismo, colesterol, sedentarismo, entre outras. Mesmo assim, elas ainda se cuidam melhor do que eles”, explica a médica ginecologista do Hospital Israelita Albert Einstein, Dra. Alessandra Bedin. 

Apesar de estarem sempre atentas, existem algumas doenças que as preocupam, como é o caso do câncer de mama, que, segundo o Instituto Nacional de Câncer José Alencar Gomes da Silva (Inca), é o mais incidente em mulheres, sem contar os casos de pele não melanoma, representando 25% do total de casos de câncer no mundo em 2012, com cerca de 1,7 milhão de casos novos naquele ano. É a quinta causa de morte por câncer em geral, representando 522 mil óbitos, e a causa mais frequente de morte por câncer em mulheres. 

No Brasil, sem contar os tumores de pele não melanoma, o câncer de mama também é o mais incidente em mulheres de todas as regiões, exceto na região Norte, onde o câncer do colo do útero ocupa a primeira posição. Para o ano de 2016, foram estimados 57.960 casos novos, que representam uma taxa de incidência de 56,2 casos por 100 mil mulheres. A taxa de mortalidade das mulheres por câncer de mama no Brasil representou, em 2013, a primeira causa de morte entre todos os tipos de câncer, com 12,66 óbitos em cada 100 mil mulheres. 

“A principal preocupação das mulheres é o aumento dos casos de câncer graças aos hábitos que estão tendo. O câncer de mama é o que mais chama a atenção. Doenças cardiovasculares também preocupam muito e têm aumentado bastante devido à má qualidade de vida, além da depressão, da Tensão Pré-Menstrual (TPM) e da cólica, que também atrapalham a vida das mulheres”, diz a Dra. Alessandra.

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Autor: Renata Martorelli

Especial Mulher

Edição 279 - 2016-02-01 Especial Mulher

Essa matéria faz parte da Edição 279 da Revista Guia da Farmácia.

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