Estratégias do varejo farmacêutico

Grandes redes, farmácias associadas e independentes criam suas armas para fugir da desaceleração da economia

O Brasil atravessa um momento difícil, de ambiente político hostil, em que governo e oposição disputam no braço de ferro para ver quem toma conta do País. Enquanto isso, a economia entra em declínio e não se vê horizonte de mudanças no curto prazo. 

“No cenário atual, é improvável uma recuperação em 2016. Um sinal de reação somente virá quando ficar evidente que as reformas serão aprovadas e calcadas em sólidas bases que promovam e incentivem os investimentos”, afirma o assessor econômico da Federação do Comércio do Estado de São Paulo (FecomercioSP), Thiago Carvalho. “A crise pela qual o País passa atualmente é, acima de tudo, uma crise de credibilidade. A confiança dos empresários nunca esteve tão baixa”, diz Carvalho. 

Segundo ele, após dez quedas consecutivas, atingindo o menor valor da série histórica em setembro último (72,3 pontos), o Índice de Confiança do Empresário do Comércio (ICEC) na Região Metropolitana de São Paulo, medido mensalmente pela FecomercioSP, mostrou leve recuperação em outubro passado ao atingir 72,8 pontos, alta de 0,7% em relação ao mês anterior. 

“Contudo, levando-se em consideração que o ICEC varia de 0 (pessimismo total) a 200 pontos (otimismo total), fica evidente que o cenário ainda está longe de ser positivo”, avalia o economista da FecomercioSP. A comparação com o resultado obtido em outubro de 2014 reforça essa constatação. À época, o indicador atingiu 102,6 pontos, portanto, ainda no patamar de otimismo. De lá para cá, o ICEC já despencou 29,1%.

Já o Índice de Expansão do Comércio (IEC), também divulgado pela FecomercioSP, que mede a propensão a investir do empresário a partir da contratação de funcionários ou da compra de máquinas e equipamentos, se manteve em patamares muito baixos em outubro último, com 66,8 pontos, o mesmo resultado verificado em setembro e o menor da série histórica, iniciada em 2011. Na comparação com o mesmo mês de 2014, a queda foi de 35,9%. 

“Das 600 empresas entrevistadas, 68,7% afirmaram que pretendem reduzir o quadro profissional nos próximos meses. Com relação à expansão dos negócios, o que inclui a aquisição de máquinas e novas instalações, 75,6% disseram que estão investindo menos do que em 2014”, revela Carvalho. 

Ao longo de 2015, os resultados da Pesquisa Conjuntural do Comércio Varejista (PCCV) no estado de São Paulo, da FecomercioSP, mostraram que apenas os setores que comercializam bens essenciais (alimentos, higiene e limpeza) apresentaram crescimento nas vendas. Aqueles que são dependentes de crédito ou de longos financiamentos ainda sofrem com as incertezas no cenário econômico e político que tornam o consumidor mais cauteloso na hora de comprar.

Realidade varejista

Nesse cenário, varejo farmacêutico continua um ponto fora da curva. O ramo de farmácias cresceu de forma acelerada ao longo dos últimos anos, beneficiado pelo crescimento da renda e baixo desemprego que permitiram a ascensão social das camadas mais pobres dos brasileiros e também pelo envelhecimento e aumento da expectativa de vida da população. 

Com maior poder de consumo, milhões de pessoas passaram a se preocupar mais com a saúde e o bem-estar, e o crescimento do mercado de planos de saúde e de cosméticos confirma esse comportamento. “Além disso, é importante ressaltar que, na atual conjuntura de crise, com previsão para 2015 de queda de 3% do Produto Interno Bruto (PIB), de 8% nas vendas do varejo paulista e baixa confiança de empresários e consumidores, o setor de farmácias e perfumarias é um dos poucos que consegue apresentar resultado positivo, ainda que em desaceleração, e que gera empregos”, sublinha Carvalho. 

De acordo com a PCCV-FecomercioSP, apenas os setores que comercializam bens essenciais ainda conseguem apresentar um desempenho positivo. Em agosto de 2015, o faturamento real das farmácias e perfumarias apresentou alta de 1,8% em relação ao mesmo período de 2014 e de 3,9% no acumulado do ano. 

“O varejo conseguiu colher frutos dos incentivos que o governo proveu, porém também aumentou o nível de endividamento da população brasileira que agora acaba refletindo neste cenário econômico adverso. O varejo farmacêutico ainda prospera. Acredito que pelo bônus demográfico que estamos colhendo, com mais pessoas economicamente ativas, envelhecimento da população com novas opções para prolongamento da vida e maior profissionalização do setor, tudo isso dá fôlego ao setor farmacêutico”, salienta o professor do núcleo de negócios do varejo da ESPM, Gean Martins.

Grandes Redes

De acordo com o presidente executivo da Associação Brasileira de Redes de Farmácias e Drogarias (Abrafarma), Sérgio Mena Barreto, o mercado farmacêutico continuou acumulando vendas recordes no ano, apresentando crescimento sustentado de dois dígitos. As empresas ligadas à Abrafarma mantiveram o ritmo de crescimento muito acima da média geral de 7% obtida pelo varejo farmacêutico nacional. Segundo o executivo, de janeiro a setembro de 2015, foram movimentados R$ 26,37 bilhões em vendas, percentual 12,31% superior ao do mesmo período de 2014. 

“Os não medicamentos foram os grandes impulsionadores do resultado no acumulado do ano, com movimento total de R$ 8,78 bilhões e aumento de 14,99% na comparação com os nove meses de 2014. A comercialização de medicamentos chegou a R$ 17,59 bilhões, 11,02% a mais do que no mesmo período de 2014”, revela Barreto. 

Para 2016, o executivo projeta um avanço tímido no processo de recuperação da macroeconomia. “Será um período para se revisar despesas e margens de lucro. Mas para o setor farmacêutico, a expectativa é a melhor possível, com manutenção da curva de crescimento, mantendo um crescimento de 12% a 13%.” 

Para Barreto, há uma série de fatores que devem continuar a promover um crescimento sustentado do mercado nos próximos nove meses. É o caso do envelhecimento da população, maior incidência e diagnóstico de doenças crônicas e o investimento estrangeiro em hospitais privados, além da manutenção de programas do governo em saúde, apesar do corte de gastos. 

“Na Abrafarma, continuaremos apostando, abrindo novas lojas, ampliando a linha de produtos e a oferta de serviços.” O bom desempenho das redes, frisa Barreto, reforça uma nova tendência de consumidor, que é mais maduro e exigente. “O cliente busca proximidade, conforto e diversidade de itens em um mesmo espaço. Ele sai de casa para comprar um medicamento já com a intenção de levar também uma pasta de dente, um protetor solar ou um creme antienvelhecimento. Cada vez mais, o canal farma também é um local de conveniência”, diz. 

Destaques e oportunidades

Entre as categorias de medicamentos, Barreto revela um crescimento nos genéricos. Eles seguem em contínua expansão, com ganho de market share, como resultado de perda de patentes e aumento da base de pacientes. Entre janeiro e setembro de 2015, essa categoria registrou incremento de 10,97%, superior ao do mesmo período do ano anterior, somando R$ 3,05 bilhões. Ao todo, nesse período, foram vendidas mais de 199,9 milhões de unidades de genéricos na Abrafarma.

Já as farmácias independentes e as associativistas também criam as suas estratégias para não sofrer com a crise. Levantamento do IMS Health revela que as lojas das redes associadas da Federação Brasileira das Redes Associativistas e Independentes de Farmácias (Febrafar), que utilizam o Programa de Estratégias Competitivas (PEC), apresentaram crescimento bastante superior ao do mercado nos últimos dois anos. As lojas que utilizam o programa de desconto tiveram desempenho melhor, inclusive, em comparação com as lojas da Febrafar que não fazem uso da ferramenta. 

“O PEC é muito procurado por lojas que desejam aumentar as vendas de maneira sustentável e estratégica, fidelizando os clientes e democratizando os descontos”, afirma o gerente do Produto PEC na Febrafar, Ney Henrique Santos. Com mais de quatro milhões de cartões emitidos, as 1.885 lojas com PEC oferecem descontos e benefícios exclusivos aos clientes. “Ao utilizá-lo, o consumidor tem a sensação de que naquela farmácia os medicamentos são mais baratos do que em outras da região”, segundo Santos.

“O PEC é o nosso programa de fidelidade. Ele melhora o desempenho das lojas porque profissionaliza o desconto concedido ao cliente e ajuda as lojas a manter seus indicadores numa performance elevada”, afirma o presidente da Febrafar, Edison Tamascia. “Ao inserimos um consumidor nele, garantimos que, em todas as compras que realizar em uma unidade nossa, ele terá descontos atrativos em todos os medicamentos adquiridos. Somos o único programa de acesso que oferece descontos em todos os medicamentos, sejam eles tarjados ou não.” 

Além desse diferencial, é possível, segundo o executivo, a partir do programa, monitorar o cliente em relação ao seu hábito de consumo e de frequência de compra e, a partir destas informações, criar campanhas direcionadas e fazer uma série de interações com os consumidores.

Ferramentas únicas

Segundo a Febrafar, as redes associadas à entidade ganham destaque em performance em relação a outros modelos de negócios. Os números recentes extraídos de relatórios da Close-Up mostram que as grandes redes estão longe de levar as lojas independentes ao fim.

 “Antes se pensava que as grandes iam crescer a ponto de não ter mais mercado disponível, principalmente para a farmácia independente. Mas a situação já se configura de outra forma. A própria dinâmica que o nosso mercado teve com redução de preço e perda de exclusividade da maioria dos produtos criou um conjunto de novas oportunidades em que a farmácia independente e o associativismo souberam aproveitar bem”, afirma o diretor regional Latan da Close-Up, Paulo Paiva. 

“Os que se associam estão tentando uma forma mais rentável de comprar e consequentemente de vender mais. Em tempos de crise, isso favorece a população”, pondera a presidente do Instituto de Estudos em Varejo (IEV), Regina Blessa. “Está havendo a troca de um padrão pelo outro. Talvez esse modelo seja uma tentativa de salvação para quem já vinha sentindo a crise antes dela se instalar. Quem se mexeu antes está preparado para as marolonas.”

“Apesar de serem ainda farmácias de menor porte, o modelo associativista em que atuam, localização e mix com que trabalham têm trazido vantagem competitiva dentro do mercado”, explica Paiva. O crescimento é visível em todas as categorias. “Não há um destaque em uma parte ou em outra, mas para todo o mix”, ressalta o executivo. 

Mais um modelo

“O varejo individual ou que não é grande rede, está numa fase de reorganização e reordenamento, ocupando de forma efetiva a sua real importância no atendimento ao usuário de medicamentos em todos os municípios do País”, acrescenta o diretor executivo da Associação Brasileira do Atacado Farmacêutico (Abafarma), do setor de atacado, Jorge Froes de Aguilar. “Isso é bom para eles, para o mercado e, principalmente, para o consumidor. A farmácia, por menor que seja, é um comércio de importância e segurança ao paciente. O importante é que o setor está antenado com o momento político e econômico em que vive o País. Não há segredo e sim foco no negócio e nas tendências e, principalmente, responsabilidade com a atividade.” 

vantagens observadas

Regina lembra que, apesar de as grandes redes de farmácias investirem em profissionalização e diversificação, não têm obtido os mesmos bons resultados dos anos anteriores. “Elas sofrem mais com a crise porque é muito mais fácil controlar até três lojas do que 1.200, no mesmo padrão em todos os estados do País. Percebemos que algumas redes crescem porque têm dinheiro para investir em alvenaria e outras crescem com posicionamento e profissionalização da equipe. As que só investem rasteiramente abrem umas lojas e fecham outras. Já as que investem com pesquisas antes da abertura dos pontos e reforçam o treinamento de pessoal e o atendimento sobrevivem por anos e crescem mais ainda. O que isola as independentes do avanço das redes é um ponto exclusivo bem distante delas ou uma tradição garantida em bom atendimento.”

Gestão e processos

Outros fatores têm ajudado o crescimento do modelo associativista, segundo a consultora especializada em varejo farmacêutico, Silvia Osso. “Um dos principais está relacionado à insistência dos gestores nos cuidados com os processos, profissionalização, informatização, layoutização e gestão de categorias.” 

A especialista aponta outros elementos que têm sido trabalhados por entidades, como a Febrafar, com efeito positivo nos últimos anos em função da necessidade dos associativistas em fazer frente às grandes redes. Entre eles, estão a união (“Aprender a pensar coletivamente e trocar experiências. Isso traz resultados”, diz Silvia.); compra conjunta (proporciona maior poder de negociação e acesso a grandes fornecedores); fixação da marca (uma marca forte na fachada associa o negócio à rede e ‘marca o território’); e conceito de loja (orientações da rede quanto ao visual e conceito da loja, desde a fachada, o layout interno e externo, passando pela uniformização, aparência dos funcionários até a informatização e modernização de processos). 

Outros aspectos incluem: capacitação de pessoal (a qualificação dos empresários e funcionários melhora a gestão do negócio, a qualidade do trabalho e o atendimento); lucratividade (aplicar margens mais corretas leva a aumentar o faturamento); parcerias (os fornecedores são essenciais para crescer ações nas farmácias. “Mas fortalecê-las é fundamental para o desenvolvimento do associativismo”, frisa Silvia); e competitividade (comprar bem e com lucro, maximizar e diversificar o mix, entender as reais necessidades dos clientes, capacitar-se gerencialmente, viabilizar treinamentos para a equipe de colaboradores e organizar melhor o estabelecimento tornam as farmácias mais competitivas e com boa visibilidade no mercado). 

Autor: Marcelo de Valécio

Aumento de imposto

Edição 280 - 2016-03-01 Aumento de imposto

Essa matéria faz parte da Edição 280 da Revista Guia da Farmácia.

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