Em busca de agilidade

Há anos, a demora para o tempo de aprovação dos registros de medicamentos por parte da Anvisa é motivo de reclamação. Para tentar acertar o compasso, o senador José Serra apresentou um Projeto de Lei que propõe mais rigidez aos novos prazos máximos

O primeiro trimestre de 2016 foi agitado para os parlamentares brasileiros e o cenário tende a continuar assim. Decisões que podem definir os rumos políticos do País são tomadas todos os dias. Mas em meio ao burburinho causado pela crise econômica e denúncias de corrupção, deputados e senadores seguem apresentando Projetos de Lei que visam promover mudanças na legislação brasileira. 

Uma das propostas debatidas mais recentemente foi o Projeto de Lei do Senado (PLS) 727/15, de autoria do senador José Serra (PSDB-SP), que altera os prazos de concessão de registro de medicamentos na Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) e torna mais transparente a tramitação dos processos. Atualmente, a regra em vigor, baseada na Lei 6.360/76, concede o tempo máximo de 90 dias para a conclusão dos registros, mas, na prática, o prazo é desrespeitado com frequência.

Para discutir as mudanças propostas pelo PLS 727/15, parlamentares, representantes de entidades do setor farmacêutico e membros da Anvisa se reuniram em uma audiência pública, no mês de março último. Na ocasião, o próprio presidente do órgão de vigilância, Jarbas Barbosa, assumiu o descumprimento do prazo máximo em alguns processos. 

“Atualmente, a Anvisa leva 632 dias para concluir o registro de um medicamento novo, 1.062 dias no caso de genérico e 1.225 para medicamento similar.” De acordo com Barbosa, trata-se de um tempo menor que o praticado na Índia e na China e maior que o exigido por agências reguladoras de mercados mais desenvolvidos, como Europa e Estados Unidos.

Apesar do descumprimento do prazo máximo definido por lei ser uma realidade, o presidente da Anvisa fez questão de ressaltar que foram adotadas medidas para reduzir o tempo de registro de medicamentos e que as iniciativas já surtiram efeito positivo. “As novas drogas para hepatite C, por exemplo, foram aprovadas na Anvisa em um período inferior a quatro meses, para todo o processo, tempo similar ou inferior ao que levou para registro tanto nos Estados Unidos como na Europa.”

Barbosa ressaltou ainda que a Agência adotou resolução para agilizar o exame de processos de baixo risco para a saúde pública, que foram separados dos mais complexos, ou seja, aqueles que exigem análises mais detalhadas. Para o presidente do órgão, é essa diferença do tempo requerido entre os diversos tipos de medicamentos que impede o cumprimento dos prazos do que determina a legislação em todos os registros. “É um prazo excessivo para alguns processos e impossível de ser cumprido para outros. Não há lugar no mundo em que um medicamento novo seja registrado antes de 90 dias. A lei caducou, era de outra época”, argumenta. 

Do outro lado

Mesmo diante das explicações, o autor do PLS 727/15 segue firme na defesa do encurtamento dos prazos, especialmente para o registro de genéricos. “Os números são assombrosos. Se encurtarmos esses prazos, aumentamos o atendimento e asseguramos a concorrência. Ou seja, preço e acesso. Esse é o propósito essencial do projeto”, declarou Serra, durante audiência pública.

A proposta do senador é de que novos prazos máximos sejam estipulados, a depender da categoria do produto. O Projeto de Lei prevê 90 dias para registro de medicamentos classificados como urgentes; 120 dias para os classificados na categoria de determinados como prioritários; e 365 dias para os demais.

Representantes de entidades do setor farmacêutico concordam com a necessidade de reduzir o tempo de espera pelo registro de medicamentos, mas lembram que é preciso ir além de fixar novas datas no papel. “Não adianta criar novos prazos, sem que exista uma estrutura efetiva para cumpri-los”, alerta o presidente executivo do Sindicato da Indústria de Produtos Farmacêuticos no Estado de São Paulo (Sindusfarma), Nelson Mussolini. 

De acordo com o executivo, a Anvisa se preocupou em estabelecer um trabalho de alto nível, mas o tamanho da estrutura da Agência não acompanhou o elevado padrão de exigências. O descompasso acabou por sobrecarregar algumas áreas e promover atrasos. Por isso, o executivo julga o PLS 727/15 interessante, mas não a solução definitiva para o descumprimento dos prazos. 

“Enquanto não houver vontade política e uma gestão efetiva para resolver, o projeto irá criar mais uma lei que não será cumprida”, reforça. “É preciso conjugar alguns fatores. Criar uma estrutura necessária, com pessoas bem remuneradas, dispostas a cumprir suas tarefas, e estabelecer processos claros e bem definidos. Não adianta existirem pessoas e colocar mais gente para trabalhar, sem haver processos. As pessoas vão ficar batendo cabeça”, opina Mussolini.

A estrutura insuficiente gera, além de atrasos nos registros dos medicamentos, problemas de relacionamento com as indústrias. Durante a audiência pública, o presidente da Anvisa afirmou que parte do atraso nos registros é de responsabilidade dos fabricantes, que, muitas vezes, não apresentam a documentação completa ao dar entrada no pedido de registro, exigindo que a Anvisa solicite a complementação de informações.

Mussolini rebate, citando, mais uma vez, a necessidade de se estabelecer processos bem definidos, que não deem margem para dúvidas e desentendimentos: “Como não existe uma clareza na legislação vigente, às vezes determinado pedido de registro exige uma complementação que não está na lei. O técnico demanda um teste de bioequivalência que não está previsto na legislação, por exemplo. Cada técnico faz a sua interpretação e exige uma informação a mais que não estava predeterminada. Por isso, digo que se não tivermos um processo claro para todos, dificilmente vamos resolver os problemas.”

O que muda

Lei 6.360/76: prazo máximo de 90 dias para o registro de qualquer categoria de medicamento.

O que a Anvisa consegue cumprir: 632 dias para concluir o registro de um medicamento novo,
1.062 dias no caso de genérico e 1.225 para medicamento similar.

O que o PLS 727/15 propõe: 90 dias para registro de medicamentos classificados como urgentes, 120 dias para os classificados na categoria de prioritários e 365 dias para os demais.

 

Iniciativas em curso 

Ciente da necessidade de aprimorar a estrutura atual, a Anvisa assinou um acordo de cooperação técnica junto ao Movimento Brasil Competitivo (MBC). O objetivo da parceria é realizar ações voltadas para a capacitação profissional dos colaboradores da Agência. O Programa de Formação Aplicada dos Servidores da Anvisa visa desenvolver a capacidade de analisar os impactos das ações regulatórias da Agência nos setores industriais, desenvolve o pensamento crítico sobre os processos de trabalho, assim como as habilidades necessárias para cumprir efetivas ações de melhoria.

Diante de iniciativas como essa, o presidente executivo da Associação da Indústria Farmacêutica de Pesquisa (Interfarma), Antônio Brito, reconhece que, nos últimos dois anos, a Anvisa tem se esforçado para revisar os processos, reforçar a equipe e, com isso, reduzir os prazos para registro de produtos. “As estatísticas mostram que essa redução já começou a ocorrer. No entanto, o passivo era – e ainda é – tão grande que os prazos continuam sendo absolutamente insuportáveis.”

As consequências dos atrasos são graves, tanto para pacientes quanto para a economia da saúde. De um lado, priva os brasileiros de melhores ofertas terapêuticas e, do outro, prejudica o mercado farmacêutico. “Quando você atrasa o registro de um produto novo, impede acesso da população a novas tecnologias que poderiam sanar uma série de problemas. Com relação a produtos antigos, como é o caso de genéricos, está se impedindo a concorrência. No fim do dia, as empresas perdem, pois deixam de participar do mercado, mas quem mais se prejudica é a população”, pontua Mussolini. 

A necessidade de ajustes é clara e, segundo acredita a Interfarma, a Anvisa está no caminho certo. “Hoje, a Agência tem um espírito muito voltado para a revisão dos processos, para a tentativa de combater a burocracia desnecessária e fazer agora o que deveria ter sido feito desde o início: concentrar a atenção naquilo que realmente envolva risco sanitário”, acredita Brito.

Como exemplo dos sinais de mudança, o executivo cita a aprovação das novas regras de pós-registro, ocorrida no fim de março último. “Era um tema que ocupava grande parte do tempo e das pessoas da Agência. Esperamos que tudo isso contribua para que a Anvisa, em pouco tempo, possa ter prazos razoáveis.” 


Autor: Flávia Corbó

Prazos encurtados

Edição 282 - 2016-05-01 Prazos encurtados

Essa matéria faz parte da Edição 282 da Revista Guia da Farmácia.

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