Na ponta do lápis

Em momentos de crise, muitas empresas optam pela redução do quadro de colaboradores com o temor de grandes prejuízos financeiros ou para manter o equilíbrio econômico da organização

Neste momento difícil pelo qual o País passa, tanto economicamente, quanto politicamente, os reflexos caem diretamente sobre as empresas e respigam na população brasileira. Já são mais de 11 milhões de brasileiros desempregados.

Em situações de restrição contínua da demanda, é inevitável se avaliar a possibilidade de demissões, como ocorre atualmente em quase todos os mercados por conta da perda da capacidade de compra dos consumidores. É uma decisão difícil e complexa que deve ser analisada com bastante critério e racionalidade para se evitarem problemas futuros, principalmente quando houver uma estabilização do cenário.

O aumento das demissões se dá pelo fato de as empresas recearem que as despesas sejam superiores aos seus ganhos neste período, já que a capacidade de lucratividade está reduzida, e também por acreditarem que essa solução é a mais eficaz para o corte de custos.

Para o diretor acadêmico de pós-graduação da ESPM-Rio, professor Luiz Romero, a questão central não significa uma ideia de preferência, mas, sim, de adequação da demanda à oferta de serviços/produtos. “Uma das questões centrais da boa administração é o equilíbrio entre demanda e oferta. Se a demanda é superior à oferta, a empresa deixa de ganhar (e crescer) e ainda corre o risco de fortalecer o concorrente.”

Para manter o equilíbrio, o professor Romero destaca que existem diversos recursos, tais como hora extra, férias, contratação temporária, etc. “Pressupondo, evidentemente, uma boa previsão de demanda. Porém, se esgotados todos estes recursos ainda persistir o desequilíbrio, torna-se inevitável o ajuste da capacidade de trabalho por meio de demissões ou contratações, conforme a direção do desequilíbrio.”

No entanto, para a assessora de carreiras da Catho, Carla Carvalho, é preciso avaliar os prós e os contras dessa decisão, já que a demissão de funcionários também requer saída de dinheiro e, dependendo da situação de cada empresa, este talvez não seja o caminho mais adequado.

“O pensamento em longo prazo também deve ser considerado, pois o tempo de crise tende a passar com a melhora da economia, trazendo aumento de demanda e poder de compra, ou seja, novamente a necessidade de se recobrar o quadro de funcionários, o que é sinônimo de gastos e ações de contratação trabalhosas que, com um pouco mais de planejamento, poderiam ser evitados”, alerta Carla.

O mesmo pensamento é compartilhado pelo coordenador de Ciências Econômicas e Gestão de Recursos Humanos da Newton Paiva, de Belo Horizonte (MG), Leonardo Bastos, que destaca que toda crise passa e, após a turbulência, as mesmas empresas demandantes passam a ter dificuldades de recrutamento. “Defendo que, neste contexto, a redução da jornada de trabalho seria a solução.”

Custos de uma demissão

Se a empresa optar por demitir colaboradores nesta época, Bastos explica que deverá desembolsar gastos com férias, salários e 13° proporcionais acrescidos da multa de 50% do saldo de Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS) acumulado no período em que o empregado esteve na empresa.

Além disso, os dias trabalhados no mês e o cumprimento ou não de aviso prévio, já são logo de início fatores para se avaliar, já que os dois juntos apresentam uma despesa em torno de dois salários.

O professor da ESPM-Rio destaca ainda que o gestor deve levar em conta o custo funcional, que deve ser avaliado em relação à função exercida pelo demitido, sua facilidade de substituição se necessária, bem como o risco da sua absorção pela concorrência.

“O processo demissional de um colaborador é alto, por isso, antes de tomar essa atitude, é importante colocar na ponta do lápis as despesas que isto implicará, sendo importante realizar um orçamento prévio desse ‘investimento’”, alerta Carla.

Em algumas situações, as empresas ficarão com despesas correspondentes ao tempo que levariam para se recuperar da crise, o que torna, em muitos casos, a redução do quadro corporativo uma estratégia não tão favorável. “Por isso, a equipe de gestores tem o grande papel de estudar todas as possibilidades antes de estabelecer a decisão final”, sinaliza a assessora de carreiras da Catho.

Custos da estabilidade

Por terem características que compõem custos e tributações próprias, muitas empresas têm variações na hora de estruturar a folha de pagamento, no entanto, a manutenção mensal inclui despesas básicas, como: encargos de contribuições sociais [Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) e FGTS] e trabalhistas [provisões de férias, 13º salário e Descanso Semanal Remunerado (DSR)] e Vale Transporte, além, é claro, do salário do colaborador.

No caso do INSS, Carla explica que a contribuição por parte da empresa é de 20% (para não optantes pelo Simples Nacional) e do FGTS, de 8%, mas ocorre também a tributação de 1% a 3% referente a Riscos de Acidente no Trabalho (RAT), com possível adicional conforme o grau de risco da atividade e Fator Acidentário de Prevenção (FAP) e de 5,8% de contribuição variável de entidades terceiras [Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (Senai), Serviço Social do Comércio (Sesc), Serviço Social da Indústria (Sesi), etc.].

Existe economia nesses casos?

O segmento varejista é um dos primeiros ramos a demonstrar o enfraquecimento e a desaceleração do mercado, em consequência disto, ocorrem as demissões de alta escala com o intuito de controlar os gastos e evitar desperdícios.

Isso ocorre, pois com o cenário menos propício, a escassez de clientela é nítida, os números de vendas caem e não faz sentido manter um grande quadro de colaboradores sem uma demanda que o justifique, sendo este o aspecto de real economia para os empreendedores.

A economia efetiva, para Bastos, seria a de ajustar o quadro de funcionários à sua demanda de vendas e/ou produção. Do contrário, haverá mão de obra ociosa e perda de produtividade com consequente prejuízo.

“É importante lembrar que, além disso, ocorrem os acordos sindicais e convenções coletivas, que implicam no aumento de benefícios e, com eles, mais despesas para a empresa calcular na hora de estruturar a folha de pagamento de seu colaborador”, destaca.

Importância de planejar

A redução do quadro de colaboradores deve ser muito bem planejada, principalmente em momento de crise, em que as demissões ocorrem em grande quantidade.

“É preciso pensar que o planejamento vai além do contexto financeiro, onde é investido um alto valor de capital, mas também no planejamento de tarefas, no cuidado com a qualidade dos processos internos e no clima organizacional que se deixa após esse episódio”, orienta a assessora de carreiras da Catho.

Complicações financeiras são, sem dúvida, o receio que toda empresa tem ao fazer um programa interno de demissões sem muito planejamento, mas não é somente essa a preocupação que acomete os gestores.

“Os impactos que demissões em massa provocam internamente podem tomar proporções gigantescas, a começar do clima organizacional que costuma ficar muito tenso, comprometendo o desempenho dos funcionários”, enfatiza Carla.

A insegurança dos empregados e até casos mais específicos, como agitações sindicais, elevação de turnover, entre outros, também já foram evidenciados em empresas que não tomaram a devida cautela na hora de conduzir esse processo.

Para os especialistas, a imagem organizacional como um todo deve ser zelada, de modo a não obter prejuízo tanto ao desempenho de funcionários remanescentes, como na visão social da empresa frente à sociedade, por isso, toda e qualquer decisão a ser tomada deve ser bem avaliada pelo corpo de gestores, a fim de que seja possível prevenir aspectos negativos que comprometam a identidade e o desempenho corporativo como um todo.

No caso de uma demissão, por exemplo, Bastos recomenda que o desempenho do funcionário, habilidades, competências, custo de reposição futura e, principalmente, se ele possui flexibilidade para ocupar outros cargos ou realizar outras tarefas, sejam observados.

“Deve-se estimar o impacto nos custos e na produtividade (incluindo o nível de qualidade), a necessidade efetiva da demissão, a previsão do comportamento da demanda (ciclo de recessão/crescimento) e o reflexo no ambiente organizacional (influência nos demais empregados). Uma vez decidido pela demissão, deve-se avaliar com bastante cuidado a forma de fazê-la. Ética, transparência, respeito, empatia e compaixão devem estar presentes na maneira de conduzir o processo de demissão”, finaliza o professor Romero, da ESPM-Rio.

 

Autor: Vivian Lourenço

Novos Postos

Edição 284 - 2016-07-01 Novos Postos

Essa matéria faz parte da Edição 284 da Revista Guia da Farmácia.