Problema da cefaléia

Estima-se que cerca de 90% da população adulta sofra com episódios de dores de cabeça

Ter qualquer tipo de dor é um problema, mas quando ela é na cabeça, parece que o incômodo é ainda maior. Ela acaba prejudicando o andamento das tarefas do dia a dia e faz com que a pessoa recorra aos medicamentos  para aliviar a tensão. Mas é preciso cuidado, nem toda dor de cabeça é igual e alguns sintomas específicos servem de alerta para distingui-las.

Segundo a médica neurologista, membro titular e vice-coordenadora do departamento científico de cefaleia da Academia Brasileira de Neurologia (ABN), Dra. Celia Roesler, existem mais de 200 tipos de dores de cabeça e, dentro deste universo, elas podem ser classificadas em primárias e secundárias; sendo que as primárias são a própria doença e as secundárias são as dores de cabeça que ocorrem como sintoma de outra doença (por exemplo, sinusite, meningite, tumores cerebrais, aneurismas, etc.). “As dores de cabeça mais comuns são: enxaqueca, cefaleia em salvas e cefaleia do tipo tensional.”

Além disso, o neurologista do Hospital Villa- -Lobos, da Rede D’Or São Luiz, Dr. Flávio Sekeff Sallem, explica que as cefaleias primárias dividem-se em enxaqueca ou migrânea, cefaleia tipo tensional, cefaleias trigêmino-autonômicas, sendo a mais comum a cefaleia em salvas, e outros tipos mais raros, como cefaleia hípnica, cefaleia do esforço, cefaleia por atividade sexual, cefaleia em facada primária, cefaleia em trovoada primária, etc.

Outro ponto destacado pelo neurologista do Hospital Santa Catarina (SP), Dr. Rogério Adas Aires, é que a maioria das dores de cabeça é considerada primária, sem causas definidas. “O mais comum é a cefaleia tipo tensional e a enxaqueca, que atingem cerca de 80% das pessoas.”

Características de cada uma

Cada dor de cabeça, como mencionado, tem uma característica diferente e a Dra. Celia orienta como cada uma se manifesta e qual é o público mais acometido:

• Enxaqueca: essa é a dor de cabeça mais rica em sintomas. Mais comum em mulheres e pode ser hereditária. Geralmente, ela é pulsátil e pode acometer um lado da cabeça, mas quando muito forte, também pode atingir os dois lados da cabeça ou a cabeça toda; pode durar de quatro a 72 horas e vir acompanhada de náuseas ou vômitos, intolerância a luz, cheiro, movimento e barulho. É uma das dores de cabeça mais incapacitantes, pois interrompe os bons momentos da vida.  

Dentro desse cenário, também existe a enxaqueca com aura e sem aura; ambas têm os mesmos sintomas já descritos anteriormente, mas a diferença é que a com aura, antes de se instalar a dor, o paciente tem alterações visuais, como luzes tremulantes, bolas escuras ou cobras luminosas, e pode até perder metade da visão (ver metade de uma pessoa, por exemplo) e alterações sensitivas, dormência só de um lado que começa na mão, vai para o antebraço, braço, a metade do rosto e metade da língua, tudo progressivo, e a fase sensitiva e visual pode durar de dez a 40 minutos.

Importante: as mulheres acometidas pela enxaqueca com aura não podem usar anticoncepcional combinado (ou seja, que contém progesterona e estrogênio). Elas devem usar os que são compostos só de progesterona – além de não poderem fumar porque aumenta o risco de Acidente Vascular Cerebral (AVC) e trombose. 

Cefaleia tensional: é a mais comum de todas. Apresenta dor moderada e acontece de vez em quando porque a pessoa dormiu pouco, trabalhou muito, ou consumiu bebida alcoólica em excesso, e a dor cede com qualquer analgésico (paracetamol, por exemplo). A dor se localiza em peso na nuca ou na cabeça toda e sua intensidade pode ser moderada.

Cefaleia em salvas: é a pior dor de cabeça que existe e é mais comum em homens. É uma dor que acomete, geralmente, pessoas tabagistas. A dor é lancinante, muito forte, insuportável – como se o ferro em brasa perfurasse o cérebro. Ela pega um lado só da cabeça e em cima dos olhos, que lacrimejam; a pálpebra cai e o nariz também entope. Pode durar até três meses, cada crise pode ter de 15 a 180 minutos e o paciente pode ter até oito crises por dia se não estiver sendo tratado. E a dor não melhora com repouso. 

Não existe tratamento preventivo para essa cefaleia, mas há tratamento abortivo para cessar a dor e tirar o paciente da crise, pois se trata de uma dor sazonal, que pode ocorrer de uma a duas vezes por ano. Para se ter uma ideia, essa cefaleia já foi conhecida como cefaleia suicida porque pacientes tentaram se matar com o intuito de dar fim às dores.

Controle da dor

De acordo com o neurologista do Hospital Villa-

-Lobos, da Rede D’Or São Luiz, Dr. Flávio Sekeff Sallem, os analgésicos devem ser usados com parcimônia. Em casos de cefaleias primárias mais frequentes, aconselha-se o uso de medicações profiláticas, de uso diário.

A médica neurologista, membro titular e vice-coordenadora do departamento científico de cefaleia da Academia Brasileira de Neurologia (ABN), Dra. Celia Roesler, destaca que, especificamente para enxaqueca, há medicamentos vasoconstritores, recomendados para abortar crises de dor, pois, numa crise, o paciente tem vaso dilatação e um processo inflamatório (por isso a dor latejante). 

“Os analgésicos comuns associados à cafeína são indicados para cefaleia tensional ou àquela enxaqueca esporádica, que ocorre uma vez por semana. Já para a cefaleia em salvas, não existe um tratamento específico porque não sabemos quando ela irá acontecer. Os tratamentos são totalmente personalizados segundo a crise de cada paciente”, detalha a especialista.

Os tipos de medicamentos mais utilizados, como destaca o Dr. Sallem, são: analgésicos comuns, como dipirona e paracetamol; derivados do ergot, triptanos, como o sumatriptano e o naratriptano; e anti-inflamatórios não hormonais, como o naproxeno e o cetoprofeno. 

“Medicações profiláticas em casos de crises mais do que uma a duas vezes por semana ou em crises intensas, como topiramato, propranolol, antidepressivos tricíclicos, divalproato de sódio e flunarizina; além de acupuntura, biofeedback, terapia nutricional, fisioterapia e Reavaliação Postural Global (RPG) também podem ser combinados com os medicamentos.”

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Mitos e verdades

Existem alguns mitos e verdades muito interessantes em torno desse tema:

Mitos

• Criança não tem enxaqueca: elas também podem sofrer com dor de cabeça devido a muito esforço, falta de sono, má alimentação. Os gatilhos comuns para adultos atuam da mesma forma no organismo das crianças.

• Cefaleia forte é enxaqueca: enxaqueca pode ser de moderada a forte intensidade, mas há muitas condições, muitas delas graves, que podem produzir cefaleia intensa.

Enxaqueca crônica não tem tratamento: embora a doença não tenha cura, sempre é possível tratá-la, espaçando a ocorrência de crises e amenizando a intensidade dos sintomas. Para tanto, é necessário um seguimento profissional com orientações dirigidas para cada caso.

• Os medicamentos analgésicos para dor de cabeça podem ser tomados livremente: o uso indiscriminado de analgésicos em médio e longo prazo gera efeito rebote, requerendo o consumo de mais medicamento, com consequente aumento das crises e de sua intensidade.

• A toxina botulínica cura a enxaqueca crônica: embora se mostre como um tratamento eficaz para a prevenção das crises e da intensidade dos sintomas, assim como os medicamentos orais (betabloqueadores, antidepressivos e neuromoduladores), a toxina botulínica não cura a doença.

• Dor de cabeça crônica pode ser aneurisma cerebral: aneurisma cerebral pode levar a sintomas, quer seja por compressão de estruturas adjacentes e, neste caso, levaria a sinais focais, como perda de visão, fraqueza e alterações de fala, ou quando de sua ruptura, ocasionando cefaleia de intensidade insuportável, de início súbito, caracterizando a hemorragia subaracnoide.

Dor de cabeça crônica significa sinusite: sinusite produz cefaleia em ataques de agudização da infecção, com febre, dor facial e secreção nasal amarelada ou esverdeada. As sinusopatias, ou espessamento de mucosa nasal, raramente produzem cefaleia.

Verdades

• A enxaqueca pode ser hereditária: sim, a enxaqueca pode ser hereditária, ou seja, herdada de pais para filhos. Tal fato faz com que muitas pessoas acreditem que sofrer com o problema é normal. Porém, sentir dor nunca é normal e ela pode ser tratada.

• Mulheres são mais acometidas por enxaqueca crônica: embora muitas das causas da enxaqueca não estejam definidas, é fato que existe um volume maior de mulheres acometidas pela doença, o que leva a indicações de fatores hormonais.

• Hábitos saudáveis amenizam os sintomas da enxaqueca crônica: uma vez que os pontos de gatilho das crises de enxaqueca estão diretamente relacionados aos hábitos de vida, manter uma rotina de alimentação e atividades físicas equilibradas favorece a qualidade de vida de quem sofre com a doença. Além disso, complementar esses hábitos com psicoterapia comportamental direcionada para dor, acupuntura, técnicas de relaxamento, hidroginástica, atividade física de relaxamento (ioga, pilates) e massagem são excelentes alternativas que podem ajudar no alívio da dor e até atuar como preventivos.

• O abuso de analgésicos pode levar a piora da dor: o abuso de analgésicos, especialmente em enxaqueca, pode desestruturar os mecanismos endógenos de compensação de dor, além de causar anormalidades bioquímicas que podem levar à cronificação da cefaleia.

• Alimentos podem desencadear dor de cabeça: alguns alimentos, como chocolate, café, doces, gorduras, embutidos, podem levar, através de mecanismos bioquímicos, por substâncias presentes em suas fórmulas, ao início ou à piora de uma crise de enxaqueca.

Fontes: neurologista do Hospital Villa-Lobos, da Rede D’Or São Luiz, Dr. Flávio Sekeff Sallem; e médica neurologista, membro titular e vice-coordenadora do departamento científico de cefaleia da Academia Brasileira de Neurologia (ABN), Dra. Celia Roesler

Incidência na população

Além da dor de cabeça, o Dr. Sallem, do hospital Villa-Lobos, salienta que o acometido pode ter ainda, durante uma crise, náuseas, vômitos, mal-estar, sintomas disautonômicos, como diarreia ou sudorese em casos mais intensos, fotofobia e fonofobia no caso da enxaqueca, etc. 

“Algumas cefaleias secundárias podem vir acompanhadas de alteração visual (glaucoma), rigidez de nuca (meningite e hemorragia subaracnoide), sinal focal (isquemia ou hemorragia cerebral), edema de papila (hidrocefalia aguda e hipertensão intracraniana).”

Segundo o neurologista, a incidência da doença na população varia conforme o tipo. “No caso da enxaqueca, provavelmente por fatores hormonais sexuais, as mulheres são de duas a três vezes mais afetadas do que os homens. A cefaleia tensional pode acometer ambos os sexos, ligeiramente mais os homens. Já a cefaleia em salvas ocorre quase duas vezes mais em homens.” 

Com relação às cefaleias secundárias, não há distinção de frequência entre sexos. “Em torno de 75% a 90% da população adulta, de acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), sofre com cefaleia. Apesar da tensional responder pela maior parte dos casos totais, a enxaqueca responde pela maior parte dos casos vistos em serviços médicos. A enxaqueca responde por 20% das cefaleia em adultos”, alerta o Dr. Sallem.

Porém, não é porque a dor de cabeça é comum que o paciente não precisa investigar suas causas, como alerta o Dr. Aires, do Hospital Santa Catarina (SP). “Os sinais de alerta começam quando a dor é diferente da usual (nunca teve na vida) ou é uma dor repentina e muito forte. Também é bom procurar um especialista quando a dor acontecer mais de uma vez por semana.” 

Autor: Vivian Lourenço

Substituição Otimista

Edição 289 - 2016-12-01 Substituição Otimista

Essa matéria faz parte da Edição 289 da Revista Guia da Farmácia.

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