Comportamento do consumidor brasileiro diante da crise

Estudo revela que nesse contexto o consumidor passa a ter novas preferências, pedindo mais atenção ao varejista

São muitos os estudos que têm sido realizados recentemente para tentar entender o comportamento do consumidor diante da crise e como o varejo pode reagir para não perder vendas. 

Entre as pesquisas, uma análise inédita da Kantar Worldpanel observou o comportamento de consumo dos brasileiros nos últimos anos. E o levantamento revela que, após o período de bonança experimentado entre 2009 e 2014, a população não está mais tão otimista quanto costumava ser. 

Questionados sobre a situação econômica do País em relação ao ano anterior, 80% dos domicílios estavam entusiasmados com o momento em 2011. Hoje, são apenas 32%. 

Em relação à sua situação pessoal, 86% dos lares faziam uma avaliação positiva há cinco anos. O índice atual é de 67%. Além disso, a queda real de 5,36% na renda, na comparação de 2015 com o ano anterior, o aumento da inflação e da taxa de desemprego contribuíram para gerar um cenário de incertezas. Assim, pouco animado, o consumidor está menos propenso a comprar. E também mais consciente, engajado e exigente na hora de eleger suas despesas, o que atinge as atividades varejistas. 

“Mais inseguro, o consumidor evita parcelar porque ‘não sabe o dia de amanhã’ e isto impacta alguns setores do varejo com mais intensidade, em especial, o de eletroeletrônicos. Mas insisto que há pessoas que estão tendo dificuldades para a compra de medicamentos. Esse medo do consumo também impacta, enormemente, a população em questões básicas, como cuidar da saúde”, lamenta o diretor da Consultoria Inteligência em Varejo, Olegário Araújo.

Provisório que virou tendência

Passado o período de instabilidade e recuperando a renda e a insegurança, muitos esperam que o consumidor volte a comprar como fazia antes do cenário de crise. No entanto, esse comportamento de compras mais consciente, considerado provisório para o momento, pode, sim, se perpetuar com uma nova tendência entre alguns lares. 

“Com o prolongamento da crise econômica, vemos que o consumidor tem incorporado smart choices no seu dia a dia (marcas mais baratas, tamanho diferenciados e busca de promoção). O que vemos em países, como Espanha economia(que vive um período de recuperação econômica), é que alguns aprendizados da crise se perduram”, mostra a executiva de Contas Sênior da Kantar Worldpanel, Ana Cristina Simões.

Para este ano, as expectativas sinalizam para um ambiente um pouco mais promissor, mas ainda haverá cautela e a consciência com as compras deve continuar. 

“Há uma leve melhora no Índice de Confiança do Consumidor (ICC – FGV) e isso tem impactado, positivamente, o consumo domiciliar. No entanto, os lares ainda procuram soluções econômicas e categorias mais básicas”, pondera a executiva de Contas Sênior da Kantar Worldpanel, Ana Cristina Simões. 

E mesmo com crescimento do consumo domiciliar, alguns indicadores ainda se retraem, como frequência de compra, tíquete médio e outros. “Em muitos casos, os brasileiros adiam as compras, viagens, alteraram seu orçamento e evitam assumir novas dívidas, justamente pelo medo do futuro – sobretudo de perder emprego”, observa a diretora da Connect Shopper e consultora de varejo e shopper marketing, Fátima Merlin.

Constata-se, então, que esse comportamento mais consciente do consumidor é gerado por um motivo muito palpável: a redução do faturamento. 

“A renda real do consumidor ficou mais comprometida com despesas permanentes, como, por exemplo, serviços públicos, transporte e habitação. Nesse sentido, tem-se menos dinheiro para gastar e prioriza-se o consumo de alimentos, enquanto as outras categorias perdem importância no carrinho de compras”, analisa a especialista da Kantar Worldpanel, complementando que o consumidor também busca opções de pagamento diferenciadas, com crescimento de cartão de crédito ou misto (dinheiro + cartão) e canais com mais promoções. 

Há, ainda, um movimento de racionalização das compras. “O consumidor passa por preservar a marca preferencial e procurar ofertas; busca comprar produtos em canais alternativos, onde isto seja possível; compra em quantidade menor; muda de marcas; e, por fim, faz cortes”, mostra Araújo.

Praticidade para aliviar o estresse

O cenário de instabilidades política e econômica, combinado ao caos urbano, excesso de trabalho e de informação, levaram o Brasil ao posto de um dos mais estressados do mundo, segundo dados da Kantar Futures. Enquanto 46% da população mundial se considera vítima do cansaço, no País, a taxa vai a 49%, com as mulheres sofrendo mais intensamente com o problema – 54% versus 44% dos homens. 

Esses dados explicam a razão de o Brasil ser líder global na busca pela vida mais simples. De acordo com o levantamento, 83% dos brasileiros estão em sintonia com esse pensamento, enquanto o mundo registra 70%. 

Não por acaso, a Kantar Worldpanel constatou que a busca por produtos práticos, prontos e semiprontos ganharam importância. Esse movimento de procura pela praticidade, facilmente observado no setor da alimentação, também já pode ser verificado em outras categorias, como as de Higiene Pessoal, Perfumaria e Cosméticos (HPC), conforme mostra Fátima. “Uma tendência nessa linha são os produtos de beleza antes restritos aos salões, que agora são disponibilizados em farmácias e supermercados para ser usados em casa. A promessa é ter resultados similares ao de salão mesmo sem ter tempo para ir a um deles”, diz.

“As embalagens maiores – conhecidas como econômicas – se destacam porque o consumidor desembolsa mais num primeiro momento, mas o produto sai por um valor unitário inferior. Na embalagem menor, o consumidor gasta menos na hora da compra, levando para casa uma quantidade reduzida de produtos, muitas vezes para não ter de abandonar a categoria”, explica Fátima. 

Os esforços em suprir as necessidades do consumidor na busca pela praticidade não precisam vir apenas da indústria. O varejo também pode participar desse movimento. Afinal, segundo explica Araújo, a funcionalidade pode passar pela rapidez com que o shopper compra o que precisa, contemplando informação, sinalização da loja, agilidade do caixa e ausência de ruptura; ao encontrar uma solução no ponto de venda para cuidar do cabelo ou das unhas; no caso dos Medicamentos Isentos de Prescrição (MIPs), ao proporcionar linguagem do dia a dia do shopper para sinalizar as gôndolas, facilitando a localização dos produtos; entre outras ações. 

“Simplificar é expor os produtos de forma que este processo seja mais intuitivo. O desafio do executivo do varejo é se colocar no lugar de seu público-alvo e organizar a loja desta forma”, conclui o diretor da Consultoria Inteligência em Varejo.

Oportunidades diante da crise

Análises da Kantar Worldpanel afirmam que, de todas as marcas que tiveram ascensão no Brasil, 81% ganharam penetração (atraíram mais consumidores) no ano móvel outubro 2015 versus outubro 2014. 

Das que se retraíram, 76% perderam penetração no mesmo período. Outra conclusão do estudo foi a de que mesmo as marcas líderes, que já atingem boa parte dos lares, têm oportunidades de crescimento – 11% da população não compra o creme dental líder, por exemplo, o que equivale a seis milhões de lares. 

Nesse sentido, a inovação é fundamental para estar presente entre as preferências do consumidor. “As principais inovações são aquelas capazes de atrair novos adeptos para uma marca ou categoria (penetração). Assim, lançamentos fortemente positivos são capazes de aumentar penetração e frequência, gerando vendas incrementais e mais duradouras, contribuindo para o desenvolvimento da marca”, afirma Ana Cristina. E a indústria de higiene pessoal no País está atenta a esse movimento. Segundo a pesquisa, essa categoria se destaca em lançamentos quando comparada a outros países, como Reino Unido ou China.

Seguindo na análise das oportunidades, o estudo apurou que 2,7% de toda a cesta de 2014 era composta de lançamentos. No ano seguinte, o número quase dobrou, chegando a 5,3%. Os dados referentes a 2015 são do NPD, novidade da Kantar Worldpanel que avalia o nível de inovação no Brasil. 

“EU MEREÇO”

Além da busca pela vida simples, outra forma encontrada para enfrentar o estresse é a procura por diversão e indulgência. E, segundo a pesquisa da Kantar Worldpanel, o Brasil é líder nesse quesito, o que favoreceu o avanço de gastos com lazer desde 2006, por exemplo. 

Nesse mesmo conceito, algumas categorias de produtos também presente 1foram favorecidas, como as de Higiene & Beleza (H&B). “Em épocas de crises financeira, normalmente, há um forte apelo para a indústria de beleza. Com o bolso apertado e inúmeras restrições, a compra de um produto dessa categoria passa a ser uma forma de autogratificação. O pensamento da consumidora é o seguinte: ‘abro mão de tanta coisa que, ao menos, meu creme para o cabelo e o batom continuam’”, exemplifica a diretora da Connect Shopper e consultora de varejo e shopper marketing, Fátima Merlin. 

Nesse sentido, o diretor da Consultoria Inteligência em Varejo, Olegário Araújo, afirma que as farmácias, por exemplo, além de terem os produtos básicos, se favorecem por ter produtos premium. “Esses itens mais sofisticados e também as novidades são produtos que podem cumprir o papel da indulgência”, conclui. 

As primeiras conclusões do produto apontam que a maior parte dos lançamentos no País são elementos novos para a categoria, aqueles diferentes dos existentes (47,5%); seguidos de nova combinação, que compreendem os que já existem na categoria e surgem sob outra marca (43,9%); e não novo, que trazem alguma alteração, como mudança de tamanho de embalagem (8,7%). 

Aliás, diante da crise, o consumidor também ficou mais criterioso para decidir por qual embalagem irá optar na hora da compra. Assim, aquelas que unem conveniência e que trazem maior acessibilidade, seja por menor desembolso ou por tamanho econômico, ganham importância. 

“As embalagens maiores – conhecidas como econômicas – se destacam porque o consumidor desembolsa mais num primeiro momento, mas o produto sai por um valor unitário inferior. Na embalagem menor, o consumidor gasta menos na hora da compra, levando para casa uma quantidade reduzida de produtos, muitas vezes para não ter de abandonar a categoria”, explica Fátima. 

Ana Cristina cita que, entre algumas das embalagens que tiveram destaque, estão a do tipo refil em sabonete líquido (+500 mil novos lares); e promopacks para xampu e condicionador (+1,5 milhões de novos lares), comparando o ano móvel junho 2016 versus 2015. 

Foto: Shutterstock

Brasileiro deixa a desejar

Edição 297 - 2017-08-01 Brasileiro deixa a desejar

Essa matéria faz parte da Edição 297 da Revista Guia da Farmácia.

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