Debate sobre novas regras para pesquisas clínicas é retomado na Câmara

Associações de pacientes reforçam a defesa da mudança na regulação, que enfrenta resistências no Ministério da Saúde

Há um movimento em curso na Câmara dos Deputados para retomar o debate em torno de mudanças nas regras para pesquisas clínicas. O argumento, agora reforçado por parte das associações de pacientes, é o de que regras mais modernas são indispensáveis para favorecer a realização de estudos no país. Mais: que a medida poderia trazer benefícios não apenas para pacientes, mas para o setor de saúde como um todo.

“Precisamos mudar as condições regulatórias que temos hoje para sermos mais atrativos às empresas”, disse Marina Domenech, vice-presidente da Associação Brasileira das Organizações Representativas da Pesquisa Clínica da (ABRACRO) em audiência pública realizada na Câmara dos Deputados.

Domenech defende as propostas apresentadas pelo Projeto de Lei 7.082/2017, que busca regulamentar a pesquisa clínica com seres humanos e estabelecer um Sistema Nacional de Ética em Pesquisa Clínica. “A ausência desse marco regulatório dificulta muito a nossa luta. Precisamos de uma estrutura que permita a ideia de trazer e reter essas tecnologias no nosso país”, ressaltou.

A ideia é defendida também por grupos de pacientes. “Medicamentos feitos no Brasil podem chegar mais rápido aos pacientes. Hoje a demora pode chegar a cinco anos, e esse tempo conta para quem sofre com essas enfermidades”, disse  ao JOTA Amira Awada, vice-presidente do Instituto Vidas Raras.

O presidente-executivo da Interfarma, Renato Porto, argumenta que o Brasil perde a oportunidade de estar na rota mundial dos estudos clínicos. Uma legislação que reduza as barreiras e amplie as condições de pesquisa, afirma, pode trazer como reflexo o aumento de investimentos em laboratórios e, ainda, maior oportunidade de gerar conhecimento para pesquisadores e profissionais de saúde brasileiros.

Pelos cálculos da Interfarma, o Brasil poderia atrair investimentos na ordem de US$ 6 bilhões. “Somos um país heterogêneo, o que contribui muito para os estudos clínicos”, disse Porto ao JOTA.

Resistência do governo

O governo está disposto a negociar o texto que está no Congresso. Mas há dois pontos do projeto que encontram resistência no Ministério da Saúde — e justamente em dois pontos considerados essenciais por quem defende a proposta.

O primeiro deles seria a criação do Sistema Nacional de Ética em Pesquisa Clínica com Seres Humanos. A avaliação é de que essa instância pode esvaziar as atribuições da Comissão Nacional de Ética em Pesquisa Clínica, ligada ao Conselho Nacional de Saúde.

O segundo ponto seria a mudança nas regras de oferta de medicamentos para voluntários de pesquisa, uma vez encerrados os estudos clínicos. A proposta desobriga as empresas patrocinadoras do estudo de fornecer remédio para voluntários.

Pesquisas reduzidas

A Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (Conep) registrou em 2023 apenas quatro estudos sobre medicamentos e dispositivos médicos até o mês passado, como mostrou o JOTA recentemente em levantamento. Para especialistas, esse número pode aumentar caso mudanças regulamentares sejam adotadas. Para outra corrente, contudo, é preciso analisar os números com reservas. Estatísticas de aprovação podem envolver inúmeras variáveis, como a quantidade de estudos submetidos à análise ou, ainda, a consistência dos dados apresentados para avaliação.

“A demora para autorização deixa o Brasil fora da rota mundial de estudos clínicos, além do custo alto de pacientes de pesquisa em comparação com outros países e a ausência de isenção de impostos”, reforçou Marcela Pontes, gerente de acesso e precificação do Sindusfarma.

Dados de vida real

A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) já faz a análise de medicamentos para doenças raras com rito diferenciado. Há agora um esforço para desenvolver medidas que agilizem a análise dos estudos clínicos feitos na área, sem abrir mão da segurança. “Estamos aplicando aos poucos o reliance, que é a utilização de análises feitas por outras agências internacionais, e que pode impulsionar esse setor. Também planejamos para os próximos meses o lançamento de um guia para incorporação de dados de vida real nas análises clínicas”, adiantou Fabrício Carneiro de Oliveira, gerente-geral de Produtos Biológicos, Radiofármacos, Sangue, Tecidos, Células, Órgãos e produtos de Terapias Avançadas da agência.

CRF-SP lança cartilha com regulamentações e procedimentos atualizados em pesquisa clínica

Fonte: JOTA

Foto: Shutterstock

Deixe um comentário