Envelhecimento no Brasil

Aumento da população de idosos implica desafios ao País, sobretudo nas áreas de saúde e previdência social. Contudo, se bem planejada, nova realidade cria oportunidades à economia, pois consumidor sênior demandará produtos e serviços específicos

De acordo com a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) de 2013, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o grupo de brasileiros com 60 anos de idade ou mais soma 13% do total de habitantes do País, calculado em 201 milhões de pessoas. É um contingente de aproximadamente 26,2 milhões, que supera a população do Chile (18 milhões de habitantes) e cresceu muito nos últimos anos. Em 2000, a população idosa era de aproximadamente 15 milhões de indivíduos e representava 8,6% do total.

A maior parte dos idosos brasileiros, cerca de 73,8%, é composta por pessoas entre 60 e 75 anos. Também a expectativa de vida cresceu significativamente nas últimas décadas. Entre 1980 e 2013, saltou de 62,7 para 73,9 anos, um crescimento real de 11,2 anos. O avanço foi apontado no Relatório de Desenvolvimento Humano de 2014 e divulgado pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD). Neste ano, a expectativa de vida subiu para 75 anos, novo acréscimo de pouco mais de um ano. Para se ter ideia, em 1900 a expectativa de vida ao nascer do brasileiro era de 33 anos. “Longevidade pode ser apontada com uma das maiores conquistas dos últimos cem anos no País”, afirma o presidente do Centro Internacional de Longevidade (ILC, na sigla em inglês) e diretor do programa de envelhecimento da Organização Mundial de Saúde (OMS), Alexandre Kalache.

Se em 1940 o total de idosos representava 4% da população brasileira, em 2025 ele corresponderá a 16% ou 35,4 milhões de habitantes. Desse grupo seis milhões serão de pessoas “muito idosas”, aquelas com mais de 80 anos. O IBGE estima em 77,8 anos a expectativa de vida do brasileiro nos próximos dez anos. Para 2060, ela sobe para 81,2 anos, quando a população mais velha representará pouco mais de um quarto (26%) do total de habitantes do País. É a mesma proporção que faz a OMS para a participação do total de idosos no mundo para 2050. Segundo a entidade, uma pessoa em cada quatro será idosa nos próximos 35 anos. Hoje, perto de 800 milhões de pessoas têm mais de 60 anos. Vale dizer que nesse período haverá mais pessoas idosas do que menores de 15 anos.


Realidade nacional

No Brasil, a mudança de perfil acontecerá antes, já em meados da década de 2030. A população mais jovem vem caindo seguidamente nas últimas décadas, enquanto a de idosos sobe, tendência que deve se manter nos próximos anos. Em 2000, 52 milhões de pessoas (30% da população) tinham menos de 14 anos, passando para 47 milhões (23%) neste ano, atingindo 41 milhões (19%) em 2025 e chegando a 28 milhões (13%) em 2060. Poucos países registrarão uma inflexão no perfil populacional tão rápida quanto o nosso. Se as projeções estiverem certas, em 2050, o País, que hoje ocupa a 15ª posição em número de idosos no mundo, será o nono. Ou seja, em pouco mais de três décadas, o Brasil passará por uma mudança que a França levou um tempo quatro vezes maior para chegar e terá um contingente de idosos semelhante ao que Japão, Itália e Alemanha, países com mais idosos no mundo, têm hoje.

Entre os motivos para o crescimento do número de idosos no Brasil, estão melhores condições de vida da população em geral, relacionado principalmente ao aumento da renda registrado na última década, que proporciona maior acesso aos serviços de saúde e a medicamentos, e às campanhas oficiais de vacinação e distribuição de medicamentos. “O aumento se deve às medidas de combate à desnutrição, à redução da mortalidade materna e infantil, à ampliação do acesso a vacinas e medicamentos gratuitos, à melhoria do atendimento às mães e bebês, ao enfrentamento das doenças crônico-degenerativas, entre outras ações promovidas pelo governo federal em parceria com estados e municípios”, revela a coordenadora de Saúde da Pessoa Idosa do Ministério da Saúde (MS), Cristina Hoffman. De acordo com o IBGE, a mortalidade infantil caiu de 20 por mil nascidos, em 2000, para 14 por mil neste ano, devendo chegar a 11 por mil em 2025.

Em que pese os dados positivos, a rápida longevidade cobra desafios importantes ao País. “A transição demográfica e epidemiológica no Brasil implica novas formas de cuidado à população idosa e reorganização dos modelos assistenciais existentes”, salienta Cristina. “Exige respostas das políticas sociais, envolvendo estado, sociedade e articulação intersetorial, especialmente no que se refere às políticas de saúde, da assistência social e da previdência social.” Para orientar as ações setoriais e intersetoriais no campo de envelhecimento e saúde da pessoa idosa, lembra a executiva, foram elaborados e publicados marcos legais e normativos importantes, como a Política Nacional do Idoso, promulgada em 1994, que prevê a garantia dos direitos sociais à pessoa idosa. Em 2003, o Estatuto do Idoso reafirmou os direitos desses indivíduos, cabendo ao estado garantir atenção integral a essa população, por intermédio do Sistema Único de Saúde (SUS). No campo específico da saúde, a Política Nacional de Saúde da Pessoa Idosa, atualizada em 2006, possui como finalidade primordial a recuperação, a manutenção e a promoção da autonomia e da independência das pessoas idosas.


Aumento da longevidade

O País, de fato, avançou em alguns pontos, como na distribuição de medicamentos para doenças crônicas (hipertensão e diabetes), o que contribuiu para o aumento da longevidade. Contudo, o envelhecimento está ocorrendo em meio a grandes dificuldades socioeconômicas. “O Brasil vive de altos e baixos. Ao longo dos anos, vivemos períodos de grande impulso econômico e outros de quedas acentuadas. Enquanto isso a população passou a viver mais, o que é positivo de um lado e preocupante por outro. Os países desenvolvidos enriqueceram antes de envelhecer. Por exemplo, o Canadá tem o dobro de idosos que o Brasil, mas lá os grandes problemas de infraestrutura, educação e saúde foram resolvidos, enquanto aqui, não”, diz Kalache. Além disso, o executivo destaca que o envelhecimento acontece de forma muito rápida. Se hoje o Canadá tem 24% de idosos, em 2050, terá 30%. Já o Brasil parte de 13% para 30%, no mesmo período. “Os canadenses envelheceram mais devagar e com mais recursos do que os brasileiros estão tendo. Os políticos devem se dar conta do que está acontecendo e não deixar para amanhã para resolver, pois, se a longevidade não for adequadamente planejada, teremos problemas sociais imensos nos próximos 50 anos.”

Longevidade em paralelo com desigualdade social elevada representa, sobretudo, um problema para a saúde pública. “Envelhecimento em condições sociais desfavoráveis, em que as pessoas têm menos recursos e informação, contribui para o aumento dos casos de doenças crônicas, demências e outras moléstias. A longevidade não vem acompanhada de qualidade de vida. Hoje uma pessoa de 70 anos no Brasil equivale a uma de mais de 80 anos no Canadá”, afirma Kalache. Para reverter esse quadro, no entender do especialista, as autoridades governamentais devem formular uma política voltada aos idosos, considerando as características do seu perfil socioeconômico. “Mas isso ainda está longe de ser atingido. O idoso não está na lista de prioridades do governo. 

Adoece-se mais porque não se faz tratamento preventivo, a alimentação é desbalanceada, com excesso de açúcar e de sal. Tudo isso contribui para que o idoso e os brasileiros de forma geral tenham menos saúde.” Segundo dados da Pesquisa Nacional de Saúde (PNS), realizada pelo Ministério da Saúde, cerca de 40% da população brasileira (57,4 milhões de pessoas) têm uma doença crônica, atingindo principalmente o sexo feminino – 34,4 milhões de mulheres (44,5%) para 23 milhões de homens (33,4%). Os pacientes crônicos respondem por 70% dos custos assistenciais.


Consultas médicas

Também a medicina precisa estar em sintonia com os novos tempos. “Os médicos hoje não têm tempo de atender o idoso como deveria. Mesmo porque as faculdades formam médicos hoje como faziam há 40 anos, com o aprendizado voltado para o cuidado dos jovens adultos ou para saúde infantil. Não se acompanhou a mudança de perfil da sociedade, com idosos vivendo mais e demandando novos cuidados”, revela Kalache. Outro aspecto apontado por ele diz respeito à retaguarda nos atendimentos. “Os pacientes devem ser monitorados, ter um histórico de consultas e tratamentos atualizados. É preciso uma visão de conjunto”, diz o especialista, e vai além. “Adotamos cada vez mais o modelo americano, de fracionamento do corpo humano. Na Europa o modelo é mais inteligente, existe o médico de família que passa a ser o guardião da saúde. Ele acompanha todo o histórico do paciente e, quando necessário, encaminha a um especialista. Aqui, como nos EUA, o paciente vai a vários médicos especialistas, cada um adotando um procedimento. Além de ter um resultado menos eficiente, o custo para o paciente e para o sistema de saúde é muito maior.”

Campanhas específicas

Com a finalidade de confrontar os desafios do envelhecimento, o Ministério da Saúde afirma que tem promovido ações importantes em prol do idoso. Entre elas, o lançamento e distribuição do documento “Diretrizes para o cuidado das pessoas idosas no SUS: proposta de modelo de atenção integral”. A Caderneta de Saúde da Pessoa Idosa é outro instrumento estratégico com o propósito de qualificar o cuidado à pessoa idosa, para ser usado tanto pelas equipes de saúde em todos os níveis de atenção, quanto pelos idosos, por seus familiares e cuidadores. A caderneta permite o registro e o acompanhamento, pelo período de cinco anos, de informações sobre dados pessoais, sociais e familiares, sobre as condições de saúde do idoso e seus hábitos de vida, identificando suas vulnerabilidades, além de ofertar orientações para o autocuidado. “Ações como o Caderno de Atenção Básica Sobre o Envelhecimento e Saúde da Pessoa Idosa oferece subsídios técnicos específicos em relação à saúde da pessoa idosa a fim de facilitar a prática diária dos profissionais que atuam na atenção básica”, explica Cristina Hoffman.

O Programa Farmácia Popular garante à população o acesso gratuito a medicamentos que compõem a Relação Nacional de Medicamentos Essenciais. “É um programa muito importante, pois beneficia principalmente os idosos, no caso das doenças crônicas como hipertensão e diabetes”, observa ela. Outra ação do MS é o Programa Nacional de Imunização, por meio do qual a vacina contra a influenza é oferecida anualmente durante a Campanha Nacional de Imunização do Idoso, visando contribuir para a redução da morbimortalidade por influenza e suas complicações. Já a Atenção Domiciliar, por meio do Programa Melhor em Casa, compreende uma modalidade complementar à atenção básica e substitutiva e complementar às intervenções hospitalares de baixa e média complexidade e aos serviços de urgência e emergência. Segundo a coordenadora do MS, a Atenção Domiciliar tem sido adotada para racionalizar a utilização dos leitos hospitalares, reduzir os custos da assistência e estabelecer uma lógica de cuidado pautada na humanização. Mais uma ação desenvolvida é o Programa Academia da Saúde, que evidencia a importância de assumir modos de vida saudáveis pela população idosa a partir da implantação de polos com infraestrutura e profissionais qualificados.

Cristina destaca também as oficinas com a meta de educação permanente e capacitação de profissionais de saúde e outras áreas sobre o processo de envelhecimento, como forma de aprimorar o tratamento do idoso. O fomento a estudos e pesquisas é outra ação estratégica para orientar políticas intersetoriais de cuidados às pessoas mais velhas em situação de vulnerabilidade clínica ou social, considerando inclusive os desafios do envelhecimento populacional para a formulação de políticas sociais. “Podemos destacar, entre os trabalhos apoiados, o Estudo Longitudinal da Saúde e Bem-Estar dos Idosos Brasileiros (ELSI BRASIL) e o Levantamento Censitário nas Instituições de Longa Permanência para Idosos (ILPIS)”, informa.


Anseios e necessidades

Um aspecto a ser considerado, segundo os especialistas, é que nem todo idoso é convalescente ou dependente. Boa parte daqueles com 60 anos ou mais continua ativa, muitos trabalham e não raro sustentam suas famílias, muito comum nas periferias das grandes metrópoles e em cidades menores do interior do País. “Diferentemente do que ocorria em décadas passadas, cada vez mais há idosos que são o principal provedor da família, influenciando, inclusive, nas decisões de compra”, afirma o professor de estratégia da Fundação Getulio Vargas (FGV), Ricardo Franco Teixeira. Outros trabalham não por necessidade, mas por acreditarem que têm o que oferecer em termos profissionais. Fazem parte desse grupo profissionais liberais, executivos, especialistas e consultores. Pesquisa realizada pelo Instituto Data Popular revela que 25% dos idosos não vivem somente de aposentadoria e continuam trabalhando. Nos dados compilados em 2013 pelo IBGE, 7,3 milhões de idosos foram classificados como economicamente ativos (30% do total), pertencendo a um grupo de consumidores exigentes. Mesmo na faixa com 70 anos, o percentual é significativo: 18,4% têm atividade remunerada.

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Prioridade do público

Assim como outras faixas etárias da população, os idosos têm necessidades específicas. Isso pode ser observado no estudo realizado pela Nielsen em 2013, que teve uma etapa significativa no Brasil, com 500 idosos entrevistados. Os principais resultados revelaram as prioridades após a aposentadoria (veja gráfico). “Com base no estudo, é possível inferir que as preocupações da terceira idade no Brasil estão ligadas à saúde física e mental, bem como a uma velhice ativa e sociável”, revela a professora do curso de Trade Marketing da Pós-Graduação da ESPM-SP, Tania Zahar Mine.

Ficar em forma física e mental 71%

Ter uma alimentação saudável 47%

Ser tratado com respeito/dignidade 45%

Manter uma vida social ativa 42%

Passar tempo com a família 33%

Se manter atualizado com a tecnologia mais recente 30%

Usar o tempo com voluntariado 16%

Continuar empregado após a idade de aposentadoria 13%

Outra 2%

Fonte: Nielsen

“É fato que as pessoas estão envelhecendo com mais saúde, mais acesso à tecnologia e mais renda, especialmente nas camadas abastadas da população”, afirma a professora do curso de Trade Marketing da Pós-Graduação da ESPM-SP, Tania Zahar Mine. Ao analisar a representatividade da renda dos mais velhos, constatou-se que, segundo o Data Popular, os rendimentos da população acima de 60 anos somaram R$ 446 bilhões em 2013, representando 21% do total da massa dos rendimentos. “Isso quer dizer que os idosos contribuem mais com os rendimentos do que com sua fatia na população, que é de 13%”, pondera Tania. O total de pessoas com mais de 60 anos responde atualmente por 20% do consumo nacional, ou seja, um quinto da renda do País passa pelas mãos desse grupo. De acordo com a FGV, esse percentual praticamente dobrou em relação à pesquisa realizada em 1992, quando o consumo dos idosos representava 10,8% da renda nacional.

Consumo representativo

Os idosos demandarão cada vez mais produtos e serviços diferenciados, como saúde, compras, moradia, turismo ou lazer. “Além disso, eles costumam ser mais exigentes com relação à qualidade daquilo que consomem e buscam informações sobre os benefícios oferecidos por bens e serviços”, revela Tania. Cada vez mais, o mercado se defronta com o cliente sênior, sobretudo o de faixa de renda mais elevada, e começa a perceber sua capacidade de consumo. Estudos de mercado globais, como os realizados pela A.T. Kearney (2013), Nielsen (2013), e Euromonitor (2015), sinalizam a mobilização em torno do tema do envelhecimento sob a ótica do mercado. “Os resultados dos estudos internacionais, contudo, demonstram que a grande maioria das empresas ainda necessita se adaptar à onda de consumidores mais velhos”, observa a professora da ESPM-SP.

A analista de mercado da Nielsen, Mariana Morais, revela que a maioria dos idosos se sentem frustrados com a falta de conveniências de produtos e das lojas para facilitar sua experiência de compra. “Em termos de produtos, as falhas estão nas embalagens difíceis de manusear e com letras pequenas ou falta de informações, alimentos difíceis de mastigar, produtos pesados ou difíceis de carregar, porções muito grandes. No caso do varejo, as reclamações se referem a lojas escuras, de difícil acesso e mobilidade, prateleiras de acesso dificultado, atendentes mal treinados, falta de serviços de entrega e ausência de locais para descanso nas lojas”, resume Tania, da ESPM-SP.

Quem perceber antes o que representa o público idoso do ponto de vista mercadológico poderá obter resultados expressivos. A A.T. Kearney projeta em US$ 15 trilhões o gasto global de consumidores com mais de 60 anos até o fim desta década. No Brasil os números também são expressivos. De acordo com o IBGE, os idosos possuem potencial de consumo de R$ 7,5 bilhões, o dobro da média nacional. “O varejo precisa colocar o consumidor sênior em suas prioridades de negócio, pesquisar mais sobre as insatisfações com relação aos serviços oferecidos e conquistar sua fidelidade, por meio de serviços de qualidade adequados, desde o e-commerce amigável, passando por um Serviço de Atendimento ao Consumidor (SAC) especializado, chegando a espaços de descanso nas lojas e serviços de entrega ágeis”, sugere a professora. 

Autor: Marcelo de Valécio

 

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