Proteção Invisível

Sempre alerta, o sistema imune protege o organismo humano do ataque de bactérias e vírus que podem causar doenças, prejudicando a saúde do indivíduo

Um verdadeiro soldado pronto para a batalha. É assim que o sistema imune se comporta, sem descanso, 24 horas por dia. O termo é usado para definir uma série de mecanismos de defesa do corpo (células e moléculas) contra a invasão de agentes patogênicos, como vírus e bactérias, que podem causar doenças e infecções.

“O sistema imune garante uma linha de defesa contra processos infecciosos, assim como vigia e controla o aparecimento de células tumorais, além de ficar atento e tentar reduzir células e anticorpos que possam agredir o organismo”, explica a imunologista do Hospital Samaritano de São Paulo, Dra. Nathália Coelho Portilho.

Segundo a médica, ocorrências, como inflamações ou formação de pus, são sinais de ação do sistema imunológico do corpo “se defendendo” de agentes patogênicos.

O sistema imune começa a ser formado durante o período fetal e se desenvolve no decorrer dos anos. “As células do sistema imune são formadas na medula óssea, sendo que a maioria delas amadurece para depois entrar na corrente sanguínea”, explica a imunologista e membro do departamento científico de Imunoterapia e Imunobiológicos da Associação Brasileira de Alergia e Imunoterapia (Asbai), Dra. Veridiana Aun Rufino Pereira.

Durante o primeiro ano de vida, o desenvolvimento é mais intenso, porém não é igual para todo mundo, conforme explica a imunologista do Instituto do Coração (Incor) do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP), Dra. Cristina Maria Kokron. 

“Até os quatro anos de idade, ele estará mais completo, mas há pessoas que só tem o sistema mais maduro aos dez, 12 anos de idade. Tudo vai depender de como o indivíduo será exposto a agentes patogênicos para que o organismo passe a criar anticorpos e se defender”, explica.

INIMIGOS DA BOA IMUNIDADE

O estresse, a ansiedade e a insônia são distúrbios que sobrecarregam o organismo, afetando o seu equilíbrio e impactando negativamente no sistema imune.

Quando está sob essas condições, o organismo aumenta o nível de cortisol – hormônio responsável por, entre outros, controlar o estresse, reduzir inflamações e contribuir para o funcionamento do sistema imune –, criando um estado de alerta dentro do corpo.

“Quando se está muito estressado, o corpo fica neste estado permanentemente, gastando energia para combater um inimigo que não vem, inibindo as células do sistema imunológico”, explica a imunologista do Hospital Samaritano de São Paulo, Dra. Nathália Coelho Portilho.

Assim como acontece com o estresse, a insônia também resulta em sobrecarga física e emocional com consequências sobre a imunidade. “Sem o sono reparador que restaura o organismo e suas funções físicas e mentais, o sistema imunológico ficará comprometido e sem capacidade plena de atuar em defesa do corpo”, comenta o médico especialista em Homeopatia e Acupuntura pela Associação Médica Brasileira (AMB), Dr. Roberto Debski.

A imunidade pode ser classificada em duas fases: a primeira delas, logo ao nascer, é chamada de imunidade inata e atua igualmente contra qualquer agente invasor. Ela protege o organismo como se fosse uma barreira e é formada pela pele, pelas mucosas, além de uma defesa celular, composta por leucócitos ou glóbulos brancos do sangue, e também uma defesa chamada de humoral, que são as enzimas presentes nas secreções, nas mucosas e no sangue.

Depois do nascimento e com o decorrer dos anos, passa a ser chamada de imunidade adquirida e diz respeito às adaptações que o organismo faz, uma espécie de aprendizado para combater especificamente os microrganismos invasores patogênicos.

“Entra-se em contato com esses microrganismos e o sistema imune os reconhece e fabrica anticorpos para combatê-los e eliminar as infecções”, explica o médico especialista em Homeopatia e Acupuntura pela Associação Médica Brasileira (AMB), Dr. Roberto Debski.

Outro aspecto relacionado ao amadurecimento da imunidade é que ela também pode ser adquirida por meio de vacinas, uma vez que estas têm papel fundamental ao apresentar ao sistema imune diversos microrganismos atenuados para que o organismo produza os anticorpos necessários à sua defesa.

Além de vírus e bactérias, substâncias consideradas estranhas ao organismo também podem desencadear resposta imune. De acordo com a Dra. Veridiana, a defesa contra os micróbios ocorre de forma precoce pelo sistema imune inato e de maneira tardia pelo sistema imune adaptativo.

“O sistema imune inato consiste na primeira linha de defesa contra os micróbios, sendo representado por células, como neutrófilos e macrófagos, além de barreiras físicas e químicas, como as células epiteliais e seus produtos. O sistema imune adaptativo é representado pelos linfócitos e seus produtos, como os anticorpos. Diferente do sistema inato, as ações do sistema adaptativo são específicas contra o referido micróbio e, ao término da infecção, deixa uma memória, possibilitando uma resposta mais rápida e eficaz frente a uma nova exposição ao mesmo agente infeccioso”, explica a imunologista da Asbai.

Imunodeficiências adquiridas

Quando há uma redução na função do sistema imunológico, o corpo fica mais suscetível a infecções bacterianas e virais e há um desequilíbrio e um descontrole de funções que vigiam células tumorais e anticorpos. A redução dessa vigilância imunológica leva à baixa imunidade.

“Esse quadro pode ocorrer por diversos fatores, desde doenças, crônicas ou passageiras, como a AIDS, distúrbios do sono ou casos de depressão e ansiedade que também podem afetar o sistema imunológico”, diz a Dra. Nathália, do Hospital Samaritano de São Paulo.

Além disso, sintomas, como cansaço, resfriados e infecções frequentes, como herpes, alterações cutâneas, gastrointestinais e baixa vitalidade estão relacionados à baixa imunidade.

“Em algum momento, a imunidade pode se alterar, seja por estresse intenso, por erros alimentares, toxinas ambientais, fumo, radiação, obesidade e doenças crônicas, principalmente se não controladas”, diz o Dr. Debski.

Situações como dietas pobres em nutrientes, treino físico excessivo, desnutrição, falta de vitaminas e micronutrientes também podem interferir na resposta imune.

“O sistema imune tem um ajuste fino e a medicina ainda não conhece o funcionamento do mecanismo de todos os gatilhos que podem derrubar a imunidade, o estresse é um destes casos”, comenta a Dra. Cristina Maria.

A baixa imunidade, também chamada de imunodeficiência, pode ser primária (congênita) ou adquirida e o corpo emite sinais de alerta, mostrando a necessidade em se investigar a fundo o que está acontecendo.

“No caso da imunodeficiência primária, alguns desses sinais são: duas pneumonias ou oito novas otites no último ano, estomatites de repetição por mais de dois meses, um episódio de infecção sistêmica grave, como meningite, osteoartrite, e septicemia, entre outros”, diz a Dra. Veridiana. 

Segundo ela, a imunidade pode ser determinada pela contagem de células de defesa, anticorpos e a avaliação do bom funcionamento destes. “Na grande maioria das vezes, os pacientes encaminhados por baixa imunidade apresentam exames normais”, afirma.

A médica ainda esclarece que as imunodeficiências primárias ocorrem por defeitos genéticos que aumentam a susceptibilidade a infecções. “Já as imunodeficiências adquiridas devem-se a infecções virais, como o HIV, desnutrição, uso de medicamentos, como quimioterápicos, imunossupressores, e doenças malignas, como o câncer, por exemplo”, completa.

No Brasil, a frequência das imunodeficiências primárias varia muito. De acordo com a Dra. Veridiana, acredita-se que um a cada dois mil nascidos vivos apresentem algum tipo de imunodeficiência congênita.

O defeito mais comum e mais leve que é a deficiência seletiva de IgA, que pode ocorrer em um a cada quinhentos indivíduos. Por outro lado, há defeitos que – se estima – aconteçam em uma a cada cem mil pessoas, enquadrando-se no grupo de doenças raras.

“Na verdade, a frequência com que acontecem essas doenças não é conhecida com exatidão, pois, por desconhecimento dos profissionais de saúde e da população em geral, a maioria dos casos não é diagnosticada”, comenta a imunologista da Asbai.

Ela acrescenta ainda que a maioria dos casos de imunodeficiência primária manifesta-se na infância. “Algumas imunodeficiências podem iniciar sintomas na idade adulta, principalmente a Imunodeficiência Comum Variável, que é um defeito de produção de anticorpos”, diz.

Para tratar a imunodeficiência primária, há diferentes recursos terapêuticos aplicáveis, entre eles, a reposição de imunoglobulina humana e outros imunobiológicos, o uso de antibióticos preventivos e o transplante de células hematopoiéticas (medula óssea ou cordão umbilical).

“A melhor forma de evitar as imunodeficiências adquiridas é a prevenção, com alimentação adequada, uso de preservativos, não usar drogas injetáveis, exames periódicos para detecção precoce de câncer, etc.”, afirma a Dra. Veridiana. 

Imunidade em alta

Quando alguém compra um carro zero quilômetro, vai para casa com um veículo em perfeitas condições, com as peças novas, todo regulado. Ao começar a usar o veículo, o dono precisa abastecê-lo com combustível de qualidade, trocar o óleo, calibrar os pneus regularmente e por aí afora. Caso contrário, o carro começará a apresentar problemas, falhas que podem ser sérias ou não.

Com o corpo humano é mais ou menos a mesma coisa. O bom funcionamento vai depender, na grande maioria dos casos, de como esse corpo será tratado no decorrer da vida.

“Vários estudos comprovam que o segredo para evitar as doenças e manter a imunidade e a boa saúde do organismo é viver de maneira saudável, com uma alimentação o mais natural possível, fazer atividade física regular, saber gerenciar o estresse e harmonizar as emoções, ter relacionamentos afetivos harmoniosos”, diz o Dr. Debski.

DEZ SINAIS DE ALERTA PARA IMUNODEFICIÊNCIA PRIMÁRIA

1. Duas ou mais pneumonias no último ano.

2. Quatro ou mais otites no último ano.

3. Estomatites de repetição ou monilíase por mais de dois meses.

4. Abcessos de repetição ou ectima.

5. Um episódio de infecção sistêmica grave (meningite, osteoartrite, septicemia).

6. Infecções intestinais de repetição/diarreia crônica.

7. Asma grave, doença do colágeno ou doença autoimune.

8. Efeito adverso ao Bacillus Calmette-

-Guérin (BCG) ou infecção por microbactéria.

9. Fenótipo clínico sugestivo de síndrome associada à imunodeficiência.

10. História familiar de imunodeficiência.

Fontes: Fundação Jeffrey Modell; e Cruz Vermelha Americana

Além disso, ele destaca que é preciso realizar exames preventivos, de rotina, além de evitar ou, quando não possível, controlar as doenças crônicas.

“Precisamos ter a consciência que quanto mais cedo cuidarmos da nossa saúde, menos iremos sofrer com as doenças crônicas e com problemas imunológicos. Devemos nos cuidar bem, agir de maneira saudável, ativa, positiva, nos conectarmos com os outros, amar muito, e aproveitar a vida em sua plenitude”, recomenda.

GRIPES, RESFRIADOS E O SISTEMA IMUNE

De uma forma geral, as gripes e os resfriados não representam nenhum problema sério para o sistema imune. Na verdade, o quadro viral se instala quando o hospedeiro consegue se instalar no organismo vencendo mesmo que momentaneamente a barreira do sistema imune.

A partir daí, os sintomas sentidos pelo indivíduo, como febre, por exemplo, são respostas do sistema imune àquele vírus. “Um exemplo clássico é o início de crianças pequenas nas creches. Essas crianças não apresentam ainda um sistema imunológico totalmente amadurecido, sendo, por isso, mais suscetíveis a infecções, particularmente a infecções virais do trato respiratório”, comenta a imunologista e membro do departamento científico de Imunoterapia e Imunobiológicos da Associação Brasileira de Alergia e Imunoterapia (Asbai), Dra. Veridiana Aun Rufino Pereira.

A médica ainda diz que as alergias, também ligadas ao sistema imune, ocorrem por um aumento da resposta imunológica frente a um determinado alérgeno. “Indivíduos com rinite e asma descompensada, por exemplo, têm mais infecções respiratórias, como sinusites, otites e pneumonias. Em geral, esses pacientes não apresentam problemas de imunidade”, diz.

 

Para entender como a alimentação influencia o funcionamento do sistema imune, a Dra. Nathália explica que a falta de nutrição prejudica diversas funções no organismo, como função de células e processos primários que o organismo realiza para defesa, além de atrapalhar a produção de anticorpos.

“A ingestão inadequada de nutrientes aumenta o estresse oxidativo do corpo e, com isso, a ocorrência de infecções, além de reduzir a produção de radicais livres que participam da defesa do corpo. Essas defesas são constituídas por ácidos graxos poli-insaturados de cadeias longas, enzimas derivadas da dieta, como vitamina C, D, E, carotenoides e alguns elementos, como zinco, selênio e cobre”, diz. 

 

Imagem: ShutterStock

Pesquisas farmacêuticas

Edição 295 - 2017-06-01 Pesquisas farmacêuticas

Essa matéria faz parte da Edição 295 da Revista Guia da Farmácia.

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