Dor sem aviso prévio

Ao menos 30% dos indivíduos serão afetados por algum tipo de dor durante a vida. Com efeitos tanto na rotina pessoal quanto profissional dos acometidos, o problema tem diferentes causas e acontece de forma súbita

A sensação de dor pode variar muito de um indivíduo para o outro em inúmeros aspectos, desde o local até a intensidade e a duração dessa experiência inegavelmente desagradável.

Segundo dados da Sociedade Brasileira para o Estudo da Dor (SBED), a dor afeta ao menos 30% dos indivíduos durante algum momento da vida, sendo que entre 10% e 40% deles, a duração pode ser superior a um dia.

Ainda de acordo com a SBED, a dor é uma das principais causas de incapacitação das pessoas, seja ela pessoal ou profissional, neste caso, 40% do indivíduos afetados por algum tipo de dor podem perder dias de trabalho.

Nos Estados Unidos, a dor acarreta um prejuízo anual de 550 milhões de dias de trabalho perdidos. Em todo o mundo, a incidência de dor crônica, por exemplo, varia entre 7% e 40% da população, sendo que cerca de 50% a 60% dos que sofrem desse mal ficam parcial ou totalmente incapacitados, seja de maneira transitória ou permanente.

Entre as dores mais comuns, estão as de cabeça (cefaleia) e as lombares, que juntas irão acometer um número muito grande de pessoas por todo o mundo.

“Essas são as dores campeãs em toda a população mundial, sendo que 80% das pessoas ou mais poderão senti-las ao longo da vida”, completa o neurocirurgião especialista em dor e presidente da Regional da Sociedade Brasileira para o Estudo da Dor, no Espírito Santo, Dr. Lúcio César Hott Silva.

Segundo ele, para entender o mecanismo da dor, é preciso saber que o impulso doloroso é percebido pelos receptores de dor que transmitem esse impulso para a parte posterior da medula espinhal.

“Ocorre uma modulação desse impulso, que vai seguir pelas vias da medula até alcançar estruturas encefálicas e, daí, ser percebido pelo córtex cerebral como uma sensação dolorosa. A dor constitui-se em importante sintoma que primariamente alerta o indivíduo para a necessidade de assistência médica”, explica.

Ainda não se têm todas as respostas sobre a propensão em desencadear um quadro de dor crônica ou de se ter um menor limiar de sensibilidade à dor.

“A literatura mostra que a experiência da pessoa, como exposição ao estresse, trauma e abuso, tanto físico como emocional, pode aumentar a sensibilidade à dor por meio de mudanças de longo prazo na atividade genética, ativando ou desativando genes de maneira a afetar os caminhos da dor”, diz o Dr. Silva.

Conforme explica o médico, com o aumento da idade, pode-se ter mais risco de dor crônica, não apenas pelo desgaste natural, mas, provavelmente, também porque a capacidade do corpo de reparar lesões, inclusive danos neurais, diminui à medida que se envelhece.

“Os circuitos cerebrais envolvidos em motivação e recompensa também parecem influenciar a vulnerabilidade à dor, em que pessoas pessimistas e que se preocupam excessivamente sejam mais propensas a sofrer”, conta.

A dor de cada um

Dor de cabeça: de acordo com a classificação da Sociedade Internacional de Cefaleia (SBCE) (2013), existem mais 200 tipos de dores de cabeça ou cefaleia, tendo a enxaqueca e a cefaleia tipo tensional figurando como as mais comuns.

A neurologista e membro da SBCE, Dra. Eliana Meire Melhado, explica que a enxaqueca ou migrânea é uma dor de cabeça que pode ser unilateral, latejante, pode dar náuseas ou vômitos ou ambos, além de aversão à luminosidade e ao barulho.

“A enxaqueca dura até 72 horas e pode ter vários fenômenos, como aura (alterações visuais com a visualização de pontos claros ou escuros no campo visual), ou sensações de formigamentos pelo corpo, além de alteração de fala, que podem durar entre cinco e 60 minutos”, explica.

Segundo a médica, a enxaqueca ocorre três vezes mais em mulheres do que em homens. Já a cefaleia ou dor de cabeça tipo tensional é aquela típica do fim da tarde que não lateja, sem` náusea e sem vômito, sem aversão à claridade e barulho simultaneamente.

“Ela pode ser aguda ou crônica e dura entre 30 minutos até sete dias. Ocorre mais em homens”, diz a Dra. Eliana.

Entre as mais comuns, está ainda a cefaleia associada a problemas sinusais, ou seja, dor na região da face associadas à rinorreia ou secreção nasal.

No Brasil, de acordo com a Dra. Eliana, 15% da população sofre com enxaqueca e 13%, de cefaleia tipo tensional. “Já estudos internacionais mostram que 60% da população mundial têm cefaleia tensional e 18%, enxaqueca”, relata a médica.

Uma peculiaridade relativa à enxaqueca é de que essa dor é hereditária. “Familiares de quem têm enxaqueca apresentam dores de cabeça. E estudos científicos mostram pelo menos 13 genes envolvidos nos mecanismos da dor da enxaqueca”, ressalta.

Existem inúmeros fatores que podem deflagrar crises de dor de cabeça, com diferentes impactos entre os indivíduos, ou seja, para alguns, estes fatores podem ser desencadeantes, para outros, não. Entre eles, a ingesta de alimentos gordurosos, jejum prolongado, odores, luminosidade, sons, menstruação, falta de sono ou excesso de sono, estresse.

Para prevenir as dores de cabeça, é preciso investir na mudança de hábitos de vida, o que inclui a prática regular de exercícios físicos, alimentação regrada e equilibrada, dormir bem, entre outros.

O tratamento medicamentoso profilático, conforme explica a Dra. Eliana, é usado nos casos em que o objetivo é diminuir a frequência, intensidade e duração das crises de cefaleia.

“As categorias de drogas profiláticas mais usadas são os betabloqueadores, os antidepressivos, os neuromoduladores e a toxina botulínica tipo A (Botox) para enxaqueca crônica”, comenta.

Cólica:por definição, as cólicas são dores relacionadas a vísceras ocas, como estômago, intestino e útero. Geralmente, são dores intensas em ciclos que vão aumentando progressivamente até atingir um pico, e depois começam a aliviar lentamente.

Para o Dr. Silva, da Regional da Sociedade Brasileira para o Estudo da Dor, hábitos ruins da vida moderna, como a alimentação com baixa quantidade de nutrientes, o aumento do estresse e a vida sedentária, podem contribuir bastante para o desenvolvimento de problemas digestivos.

“Existem muitos problemas digestivos que podem causar a cólica intestinal, por exemplo, e a Síndrome do Intestino Irritável (SII) é um deles. Trata-se de um distúrbio intestinal bastante comum, caracterizado pelo desconforto abdominal que, normalmente, começa após a alimentação e termina após a evacuação”, explica o Dr. Silva.

O cálculo renal é outro motivo de queixa de cólicas intensas e agudas na região lombar em pacientes que sofrem com esse problema. Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), em torno de 15% da população mundial sofre com cálculos renais, sendo duas vezes mais comuns em homens do que mulheres com idade entre 20 e 40 anos.

Mas de todas elas, talvez, a de que mais se ouça falar é a cólica menstrual. “Várias pesquisas demonstram que a cólica menstrual é provocada pela prostaglandina, uma substância que é liberada quando a camada do útero descama na forma de menstruação e faz o órgão contrair para eliminar o sangue. Essa compressão comprime os nervos e os vasos que passam pelo músculo uterino, causando dor”, explica o Dr. Silva.

Segundo ele, 25% das mulheres não sentem cólicas menstruais e 75% as sentem em diferentes graus de intensidade. “Desses 75%, um quarto sente dores muito fortes localizadas no baixo ventre. É uma dor que se irradia para as costas e confunde-se com a das cólicas intestinais, especialmente porque a prostaglandina também age no intestino, que fica mais irritável”, diz.

A intensidade da cólica varia muito entre as mulheres e pode ser incapacitante. Para o ginecologista e obstetra, Dr. Domingos Mantelli, quando a dor é intensa, o mais recomendado é que a mulher faça repouso.

“Nos casos em que a cólica for mais leve, a mulher pode se beneficiar das atividades físicas para aliviar essas dores até mesmo para os próximos ciclos”, diz.

Ainda segundo o Dr. Mantelli, além da menstruação, as cólicas na mulher também podem ter outras causas, como a endometriose, por exemplo, o que as impossibilita de praticar atividades físicas ou até mesmo seguir a rotina diária, uma vez que as dores são muito intensas.

No caso das cólicas menstruais, a má notícia é a de que não há como preveni-las, apenas tratar para amenizar os sintomas. “A mulher que faz atividade física periodicamente tende a ter uma qualidade melhor no período menstrual e ter menos cólica, assim como com uma alimentação balanceada”, diz o Dr. Mantelli.

O tratamento não medicamentoso consiste em desde a ingesta de alimentos ricos em cálcio e potássio, que diminuem a contração uterina, até a prática de atividades, como musculação, corrida e pilates.

“Essas e outras atividades permitem que a pessoa se sinta bem, tenha uma sensação de bem-estar, libere endorfinas e ainda ajude a reduzir o inchaço”, indica o Dr. Mantelli.

Já, segundo o Dr. Silva, o tratamento medicamentoso inclui os anti-inflamatórios e hormônios esteroidais.

Dor muscular: associada à sobrecarga, seja de treinamento ou atividade física rotineira, a dor muscular pode atingir desde os praticantes de atividades físicas diversas, até mesmo pessoas que precisem exigir muito da musculatura em suas atividades profissionais.

Para o fisiologista do esporte do HCor, Diego Leite de Barros, a dor muscular pode indicar uma série de coisas, entre elas, a existência de lesões, como distensão, estiramento, contratura e até a ruptura da fibra muscular.

“A dor muscular é uma reação do músculo para reparar as fibras que foram danificadas, e regiões, como a posterior da coxa, são as que apresentam grande incidência de problema”, conta Barros.

Aos atletas de fim de semana ou àqueles que praticam atividade física sem supervisão, o educador físico e especialista em Fisiologia do Exercício, Gilberto Coelho, relata que existem as dores que são inerentes aos estímulos provocados pelos exercícios físicos, chamadas de microlesões que em algumas horas ou poucos dias passam.

“Porém, as dores decorrentes por lesões maiores e sérias podem ser evitadas, principalmente, quando o treinamento físico é feito sob a orientação de um profissional capacitado”, comenta.

As dores musculares podem ser divididas em localizadas, como, por exemplo, causadas por tensão ou secundárias a doenças degenerativas, como a discoartrose lombar e cervical; e secundárias, como a fibromialgia, infecção viral ou bacteriana, hipotireoidismo, entre outros.

“Por experiência, registramos muitas queixas de dor muscular na coluna cervical, que podem ser causadas por tensão, má postura no trabalho, além do uso inadequado do celular”, conta a reumatologista do Hospital Bandeirantes, Dra. Tatiana Bueno Tardivo Farhat.

Segundo ela, outra queixa comum é a dor na coluna lombar, que está relacionada à obesidade ou às atividades físicas laborativas ou físicas.

A prevenção das dores musculares consiste, explica Barros, em melhorar a flexibilidade dos músculos. “Não apenas alongando antes da prática de exercício, mas tendo isto como uma premissa para melhorar a qualidade de vida. Além disso, realizar um trabalho de fortalecimento dos músculos também é importante para estar preparado para as atividades rotineiras”, diz.

Conforme a Dra. Tatiana, o tratamento da dor muscular depende da causa. “Em causas tensionais ou mecânicas, podem-se usar medicamentos analgésicos, anti-inflamatórios, relaxante muscular e repouso. Além disso, também é possível indicar fisioterapia analgésica e até a massoterapia, mas tudo vai depender do diagnóstico”, diz.

Tipos de dor

Aguda: se manifesta durante um  período relativamente curto, de minutos a algumas semanas, associada a lesões em tecidos ou órgãos, ocasionadas por inflamação, infecção, traumatismo ou outras causas. Exemplos: dor pós-operatória, após um traumatismo; a dor durante o trabalho de parto; dor de dente; as cólicas em geral.

Crônica: tem duração prolongada, que pode se estender de vários meses a vários anos. A dor crônica pode ser consequência de uma lesão já previamente tratada, como dor ocasionada pela artrite reumatoide; dor do paciente com câncer; dor relacionada a esforços repetitivos durante o trabalho; dor nas costas; e outras.

Recorrente: apresenta períodos de curta duração, porém que se repetem com frequência, podendo ocorrer durante toda a vida, mesmo sem estar associada a um processo específico. Um exemplo clássico desse tipo de dor é a enxaqueca.

Nociceptiva: ocasionada por uma lesão tecidual contínua e, neste caso, o Sistema Nervoso Central (SNC) se mantém íntegro. Exemplos: dor inflamatória, traumática, pós-operatória, visceral, entre outras.

Neuropática: ocorre quando nervos no SNC ou periférico não estão funcionando corretamente. Exemplos: dor nos nervos, frequentemente envolvendo a pele da face; neuropatia diabética; dor pós-Acidente Vascular Cerebral (AVC), entre outras.

Mista: quando a dor tem origens nociceptiva e neuropática, como lombociatalgias (dor lombar que se irradia para a nádega e membro inferior), dor oncológica (derivada de um câncer), entre outras.

Fonte: neurocirurgião especialista em dor e presidente da Regional da Sociedade Brasileira para o Estudo da Dor no Espírito Santo, Dr. Lúcio César Hott Silva

 

Dor abdominal: ela pode ser causada por alguma alteração que ocorra em qualquer estrutura dentro do abdome, ou seja, da parte inferior do tórax até a pelve ou também por alteração da parede abdominal.

O Dr. Silva relata que a dor abdominal pode se originar em algum outro local mais distante, como no tórax, na pelve ou na região lombar e ser sentida no abdome, sendo conhecida como dor referida.

“Como exemplo, podemos citar uma pessoa que diga estar com dor de queimação na região do estômago e que evolua com falta de ar, suor frio, dor no peito ou que irradia para os braços, neste caso, o indivíduo pode estar sofrendo um ataque cardíaco ou até mesmo esteja com uma pneumonia severa”, alerta.

Segundo o médico, a incidência anual de dor abdominal crônica é de 15 casos para mil indivíduos. Entre as causas mais frequentes de dor abdominal, estão os processos inflamatórios de origem infecciosa ou química, as doenças isquêmicas, as doenças disfuncionais e as neoplasias (cânceres).

Além da dor de queimação, que surge no estômago e pode ter como causa a gastrite, úlcera e o refluxo, outros tipos de dores abdominais são as cólicas e a pontada ou agulhada. “Nesse caso, causada por excesso de gases ou por inflamações no abdome, como apendicite ou inflamação intestinal. É assim chamada, pois pode aparecer de forma forte e aguda, como se algo estivesse espetando a barriga e, muitas vezes, são muito intensas”, relata o Dr. Silva.

Para o gastroenterologista e membro da Federação Brasileira de Gastroenterologia (FBG), Dr. Eduardo Usuy, as dores abdominais estão entre as principais queixas de pacientes que procuram assistência médica especializada e, em muitos casos, podem ser prevenidas com ações simples e mudanças de hábitos.

“Um dos pontos principais é evitar a automedicação, principalmente, de anti-inflamatórios, uma vez que o uso abusivo destes medicamentos pode resultar em uma gastrite. Além disso, dar preferência a uma alimentação mais natural, incluindo fibras no cardápio, evitando alimentos industrializados, assim como longos períodos sem se alimentar e também comer demais de uma única vez”, orienta.

Para tratar a dor abdominal, os medicamentos são direcionados de acordo com patologias específicas. “Alguns exemplos são analgésicos, anti-inflamatórios, antibióticos, antiácidos, quimioterapia”, diz o Dr. Silva.

 

Foto: Shutterstock

Farmacêutico na mira

Edição 296 - 2017-07-01 Farmacêutico na mira

Essa matéria faz parte da Edição 296 da Revista Guia da Farmácia.

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