Farmacêuticos ganham novas responsabilidades na saúde

A publicação das recentes leis e resoluções tem mudado o cenário de atuação e está exigindo mais preparo destes profissionais

Apesar de haver 78 possibilidades de atuação para o farmacêutico no Brasil, segundo relação do Conselho Federal de Farmácia (CFF), a maior concentração de profissionais está mesmo no varejo, onde o contato com o consumidor de medicamentos é mais próximo e onde o farmacêutico pode exercer sua plena capacidade de controle da eficácia da farmacoterapia. Essa atividade vai além da dispensação de medicamentos. Ela envolve um conjunto de ações, desenvolvidas pelo farmacêutico, voltadas à promoção, proteção e recuperação da saúde individual ou coletiva, tendo o medicamento como insumo central e visando ao acesso e seu uso racional.

Importante ressaltar que todo o ciclo de vida do medicamento é de responsabilidade do farmacêutico, desde a extração do insumo, à industrialização ou manipulação e, por fim, a dispensação, lembrando que este profissional é a última fonte de informação antes que o consumidor faça uso do medicamento.

A população brasileira já tem a consciência da importância das orientações desse profissional nas farmácias para o maior sucesso possível em seu tratamento. A saúde pública tem cada vez mais exigido o farmacêutico nas ações básicas de saúde, para que sua atuação possa diminuir os gastos públicos, desafogar as unidades de atendimento e efetuar uma gestão econômica do medicamento com competência e conhecimento técnico.

No dia 20 de janeiro, é celebrado o Dia do Farmacêutico e ele tem fatores diferenciados para comemorar. Um deles, talvez o mais importante, é a Lei 13.201/14, que transforma a farmácia em estabelecimento de saúde e coloca o farmacêutico como protagonista na promoção da saúde da população.

Vale lembrar que as atribuições passam pelo oferecimento do serviço de Atenção Farmacêutica, que pode ser definido como a dispensação, incluindo a execução da intercambiabilidade, substituindo os medicamentos prescritos por seus respectivos genéricos e agora, similares, procurando uma melhor relação de custo para o paciente. Outras atribuições são a educação em saúde, levando à sociedade instruções quanto ao uso racional de medicamentos, na forma de palestras ou orientações individuais, o acompanhamento e seguimento farmacoterapêutico e o atendimento farmacêutico, em que se incluem a prescrição farmacêutica e a aferição dos parâmetros fisiológicos e bioquímico permitidos, como pressão arterial e glicemia capilar.

De acordo com o mesmo estudo, a população tem ideia clara sobre as atribuições do farmacêutico. Nessa pesquisa, foi perguntado aos entrevistados por que o farmacêutico é importante na farmácia. E para 83,1% da população, esse profissional é fundamental para orientar sobre o consumo do medicamentos.

“O que vemos no dia a dia do farmacêutico, que atua no varejo brasileiro, são as rotinas de profissional de saúde serem acrescidas de rotinas administrativas, em que os farmacêuticos, cada vez mais, assumem o papel de gerente de lojas, cabendo a eles o desafio de aumentar a receita do negócio, satisfazer os clientes e manter a equipe motivada”, critica o professor do Instituto de Pesquisa e Pós-Graduação para o Mercado Farmacêutico (ICTQ), Leonardo Doro Pires. Ele afirma que é importante que o farmacêutico brasileiro transforme esse novo cenário, de atribuições gerenciais, em uma oportunidade para liderar uma mudança capaz de capitalizar a Atenção Farmacêutica e transformar a farmácia numa unidade fornecedora de serviços, e não apenas de produtos, deslocando, também, a política de comissionamento de balconistas, por venda de medicamentos, para gratificações voltadas para comercialização de não medicamentos.

Atribuições do farmacêutico

Considerando o segmento de farmácias e drogarias, cabe ao farmacêutico responsável técnico, devidamente cadastrado junto à Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), Vigilância Sanitária Municipal e ao Conselho Regional de Farmácia (CRF), representar o estabelecimento em todos os aspectos técnico-científicos e responder por todos os atos técnicos praticados, executados por ele ou não. Portanto, deve conhecer, interpretar e estabelecer condições para o cumprimento da legislação pertinente.

As atribuições do farmacêutico, sendo responsável técnico pelo estabelecimento ou não, em farmácias e drogarias podem ser divididas em clínicas (voltadas ao paciente) e não clínicas (voltadas ao produto).

Em relação às Atividades Não Clínicas, podem-se citar:
a) Fazer a aquisição e monitorar estoque.
b) Receber, armazenar e conservar.
c) Fracionar medicamentos.
d) Manipular fórmulas magistrais e oficinais.
e) Realizar a intercambialidade de medicamentos.
f) Realizar exame físico do medicamento.
g) Elaborar e implantar o Manual de Boas Práticas de Dispensação.
h) Elaborar e implantar os Procedimentos Operacionais-Padrão (POP) referentes ao Plano de Gerenciamento de Resíduos de Serviços de Saúde (PGRSS).
i) Treinamento e capacitação de funcionários.
j) Providenciar toda a documentação legal exigida, bem como sua atualização.
k) Uso de ferramentas administrativas e financeiras: algumas atividades administrativas e financeiras são de responsabilidade do farmacêutico responsável técnico e não devem ser delegadas a outros funcionários, mesmo que supervisionados, como a escrituração de medicamentos no Sistema Nacional de Gerenciamento de Produtos Controlados (SNGPC), sistema de controle do estoque de medicamentos, cadastro de fornecedores, entre outras atividades.

Em relação às Atividades Clínicas, podem-se citar:
a) Avaliação da prescrição: toda prescrição deve ser avaliada pelo farmacêutico antes de ser aviada.
b) Dispensação: o farmacêutico orienta o paciente sobre o uso correto, seguro e racional de medicamentos.
c) Indicação farmacêutica: ato farmacêutico pelo qual o profissional responsabiliza-se pela Dispensação de Medicamentos, pela seleção de um medicamento que não necessita de receita, pelo encaminhamento ao médico ou outro profissional, pela realização de educação em saúde ou de outros serviços farmacêuticos, com o objetivo de aliviar ou resolver um problema de saúde a pedido do paciente. O farmacêutico pode indicar Medicamentos Isentos de Prescrição (MIPs), alimentos e produtos relacionados à saúde, respeitando a legislação vigente, aos pacientes que chegam à farmácia sofrendo de algum transtorno menor e solicitam informação. A indicação farmacêutica deve ser registrada na Declaração de Serviços Farmacêuticos e obedecer alguns requisitos estabelecidos.
d) Acompanhamento farmacoterapêutico: que objetiva a prevenção, a detecção e a resolução de problemas relacionados a medicamentos e o acompanhamento de sua utilização, de forma sistemática, contínua e documentada, no intuito da melhoria da saúde e qualidade de vida do paciente.
e) Farmacovigilância de forma a assegurar o uso racional de medicamentos e detectar eventos adversos relacionados a eles.
f) Administração de medicamentos (aplicação de injetáveis e inaloterapia): é permitido ao farmacêutico prestar os serviços de inaloterapia e aplicação de injetáveis em farmácias e drogarias devidamente autorizadas.
g) Aferição de parâmetros fisiológicos e bioquímicos: é permitido que os estabelecimentos licenciados pela Vigilância Sanitária ofereçam os seguintes serviços: aferição de pressão arterial, aferição de temperatura corporal e aferição de glicemia capilar. O estabelecimento deve dispor de ambiente específico para os serviços farmacêuticos, que deve ser diverso daquele destinado à dispensação e circulação de pessoas em geral.
h) Participação e difusão de campanhas de educação em saúde: o farmacêutico, profissional de saúde mais próximo da população, tem o importante papel de orientar o cidadão sobre questões relacionadas à saúde, incluindo os sintomas, fatores de risco e prevenção de doenças, como um conjunto de ações voltadas à promoção, proteção e recuperação da saúde.
i) Prescrição farmacêutica: ato pelo qual o farmacêutico seleciona e documenta terapias farmacológicas e não farmacológicas, e outras intervenções relativas ao cuidado à saúde do paciente, visando à promoção, proteção e recuperação da saúde, e à prevenção de doenças e de outros problemas de saúde.

De acordo com a farmacêutica responsável pela Farmácia-Escola do Departamento de Farmácia da Faculdade de Ciências Farmacêuticas da Universidade de São Paulo (FCF-USP) e professora titular do curso de Farmácia da Universidade de Guarulhos (UnG), Maria Aparecida Nicoletti, a atuação do farmacêutico deve ser direcionada para o paciente, ou seja, um modelo denominado biopsicossocial. Não é possível desvencilhar o usuário do medicamento do meio em que vive e de suas caraterísticas. Esse modelo está sendo universalmente assumido, considerando que o farmacêutico deve ter o foco humanístico no paciente e não mais no medicamento, como estabelecia o modelo biomédico. “São inúmeras as publicações que evidenciam os resultados decorrentes da atuação do farmacêutico junto à sociedade e em equipes multiprofissionais da saúde. As evidências mostram como é possível o farmacêutico melhorar a qualidade de vida individual do paciente ou coletiva, além da segurança em relação ao perfil farmacoterapêutico proposto”, explica ela.

A professora defende que sua atuação não deve se restringir somente aos indivíduos que ele atende, mas também envolver ações relacionadas ao perfil epidemiológico da região, estabelecer parcerias com hospitais e unidades de saúdes mais próximas, promover educação em saúde e estar junto à população em suas necessidades. Deve ainda estabelecer parcerias com as prefeituras, particularmente em cidades pequenas, onde a atuação do profissional farmacêutico poderá impactar no saneamento básico, estimular programas de saúde, melhorias de condições de vida da população, entre muitas outras frentes.

“A atuação clínica do farmacêutico está cada vez mais sendo necessária para o uso racional de medicamentos e na identificação dos problemas de saúde e proposição de ações que resultem em melhorias de infraestrutura de saneamento básico da população” ressalta. 

O que muda com a lei 13.021/14

A principal modificação ocorrida com a aprovação da Lei 13.021/14 é o fato de as farmácias e drogarias legalmente deixarem de atuar meramente como estabelecimentos comerciais para se transformarem em unidades de prestação de assistência farmacêutica, assistência à saúde e orientação sanitária individual e coletiva. Oficialmente, as farmácias passam a ser consideradas estabelecimentos de saúde, possibilitando ao farmacêutico desenvolver dentro do varejo farmacêutico, de forma plena, ações voltadas para a promoção da saúde e bem-estar, como o uso racional de medicamentos, a prescrição farmacêutica e o acompanhamento farmacoterapêutico.

No caso específico da prescrição farmacêutica, regulamentada pela resolução 586/13, do CFF, Pires, do ICTQ, acredita que esta é uma fase de transição: “A entrada em vigor dessa prática ainda é muito recente e, talvez, nossos profissionais não estejam totalmente preparados para absorver seus impactos”. Ele diz que os farmacêuticos brasileiros foram formados numa base curricular em que não existia a prescrição farmacêutica como é conhecida atualmente. Essa mudança de foco profissional deve, obrigatoriamente, forçar uma modificação na base curricular dos cursos de Farmácia no Brasil.

É preciso também que essa nova atividade seja absorvida e compreendida pela sociedade brasileira que, no final das contas, é quem contrata o serviço de prescrição farmacêutica. “Além da maior aceitação da população, outro sinal sobre o futuro promissor da prescrição farmacêutica é o aumento da procura por cursos de pós-graduação nessa área, mostrando que os farmacêuticos estão procurando, cada vez mais, se especializar no intuito de oferecer um serviço de qualidade, lembra Pires.

Lei 13.021/14

Alguns Artigos merecem ser destacados na Lei 13.021 de 08/08/2014.

Art. 5º – No âmbito da assistência farmacêutica, as farmácias de qualquer natureza requerem, obrigatoriamente, para seu funcionamento, a responsabilidade e a assistência técnica de farmacêutico habilitado na forma da lei.

Art. 13º – Obriga-se o farmacêutico, no exercício de suas atividades, a:

I – notificar os profissionais de saúde e os órgãos sanitários competentes, bem como o laboratório industrial dos efeitos colaterais, das reações adversas, das intoxicações, voluntárias ou não, e da farmacodependência observados e registrados na prática da farmacovigilância;

II – organizar e manter cadastro atualizado com dados técnico-científicos das drogas, fármacos e medicamentos disponíveis na farmácia;

III – proceder ao acompanhamento farmacoterapêutico de pacientes, internados ou não, em estabelecimentos hospitalares ou ambulatoriais, de natureza pública ou privada;

IV – estabelecer protocolos de vigilância farmacológica de medicamentos, produtos farmacêuticos e correlatos, visando a assegurar o seu uso racionalizado, a sua segurança e a sua eficácia terapêutica;

V – estabelecer o perfil farmacoterapêutico no acompanhamento sistemático do paciente, mediante elaboração, preenchimento e interpretação de fichas farmacoterapêuticas;

VI – prestar orientação farmacêutica, com vistas a esclarecer ao paciente a relação benefício e risco, a conservação e a utilização de fármacos e medicamentos inerentes à terapia, bem como as suas interações medicamentosas e a importância do seu correto manuseio.

Art. 14. Cabe ao farmacêutico, na dispensação de medicamentos, visando a garantir a eficácia e a segurança da terapêutica prescrita, observar os aspectos técnicos e legais do receituário.

 

A prescrição farmacêutica na prática

Segundo definição do próprio CFF, a prescrição farmacêutica é o ato pelo qual o farmacêutico seleciona e documenta terapias farmacológicas e não farmacológicas, e outras intervenções relativas ao cuidado com a saúde do paciente, visando à promoção, proteção e recuperação da saúde e à prevenção de doenças e de outros problemas de saúde.

É uma atribuição clínica do farmacêutico, reconhecidamente especializado, e deverá ser realizada com base nas necessidades de saúde do paciente, podendo abranger medicamentos e outros produtos com finalidade terapêutica, cuja dispensação não exija prescrição médica, incluindo medicamentos industrializados e preparações magistrais – alopáticos ou dinamizados, plantas medicinais e drogas vegetais.

Na prática, o tema prescrição, segundo informa a professora Maria Aparecida, demanda um aprofundamento em sua análise sobre o que está acontecendo, atualmente, em farmácias e drogarias em todo o Brasil. “No estado de São Paulo, acredito que sejam poucos os farmacêuticos que prescrevem. A prescrição é um documento legal que delega responsabilidade ao prescritor e, a meu ver, o farmacêutico ainda tem receio de assumir esta responsabilidade por ser uma atribuição recente, o que poderá gerar insegurança”, fala ela. Outro aspecto que deve pesar é a sua formação que, em algumas situações, não atendeu a uma grade curricular plena, com prejuízo de conhecimento. Assim, a necessidade de atualização de conhecimento constante, muitas vezes, não é realizada satisfatoriamente.

Especial farmacêutico

Edição 266 - 2015-01-01 Especial farmacêutico

Essa matéria faz parte da Edição 266 da Revista Guia da Farmácia.

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