Produtividade no vermelho

Índices globais mostram que o trabalhador brasileiro rende muito menos que a média mundial; o problema leva à falta de competitividade e ao desperdício de recursos

Quando se trata de varejo, o Brasil é referência em muitos aspectos, principalmente no atendimento. A simpatia e a cordialidade características da população fazem com que o cliente seja tratado com atenção especial quando comparado a outros países, inclusive mercados consumidores mais maduros, como Estados Unidos e Europa. No entanto, essa mesma personalidade amistosa é apontada como um dos causadores de um grave problema, que não atinge só o varejo, mas todos os setores da economia no País: a baixa produtividade do trabalhador.

Pesquisas realizadas globalmente apontam que o brasileiro produz, em média, 1/9 do que um sul-coreano. Um americano rende quatro vezes mais, enquanto brasileiros produzem apenas 74% que um argentino. Esses números são medidos a partir da divisão do Produto Interno Bruto (PIB) pelo número de pessoas no mercado de trabalho, mas existem outras pesquisas mais específicas que chegam ao mesmo resultado.

“Somos mais comunicativos, mais emotivos, mas é possível tirar proveito dessa situação. As características culturais brasileiras têm seu lado positivo, quando o líder sabe direcionar e não deixa a equipe sair do foco”

“Em uma experiência, um grupo de americanos, um de indianos e outro de brasileiros receberam a tarefa de criar um código de programação. Os brasileiros levaram exatamente quatro vezes mais que os americanos para fazer a mesma tarefa. Nossa baixa produtividade é real. Trabalhamos mal e produzimos muito pouco”, avalia o sócio fundador da Alliance Coaching, Silvio Celestino.

As consequências desse baixo rendimento têm impacto direto na competitividade do País. “Com a produtividade ruim, é necessário um número maior de funcionários e mais etapas ao longo da cadeia, que frequentemente necessitam passar por uma refação. Com isso, nosso produto fica mais caro, não conseguimos exportar ou damos brecha para que outros vendam seus produtos aqui por terem preços mais competitivos. Isso afeta toda a cadeia, enfraquece a indústria local e desencoraja investimentos estrangeiros”, descreve o executivo da Rearch Consultoria, Marcelo Braga.

Raiz do problema

Para entender o porquê de o Brasil apresentar baixa produtividade, é preciso começar a análise pelos aspectos culturais. A famosa simpatia do povo brasileiro, que tanto ajuda no atendimento ao cliente, é prejudicial em outros momentos e, inclusive, vista como falta de objetividade em outros países. 

“O brasileiro quer sempre ser amigo, criar vínculos. Na Europa e nos Estados Unidos, eles são mais objetivos, mais pragmáticos. Não entram em assunto pessoal e respeitam o tempo do outro”, observa Braga.

Já no Brasil, é comum que antes de iniciar uma reunião, sejam discutidos assuntos triviais, como o trânsito, o resultado do jogo de futebol ou a principal notícia do dia. 

“Os funcionários começam a ‘viajar’ e acabam não resolvendo nada. Até tratam de assuntos relacionados ao trabalho, mas desfocam do objetivo da reunião. Se o líder não redireciona as pessoas, elas se perdem”, afirma a consultora do Serviço Brasileiro de Apoio às Micros e Pequenas Empresas (Sebrae), Maria Terezinha Peres. Com isso, a reunião agendada para as 9h, se inicia, de fato, às 10h e, sem que alguém se dê conta, uma hora de trabalho é desperdiçada. 

Muito dessa postura descompromissada que o brasileiro mantém dentro da empresa é devido a uma questão moral, segundo Celestino. “O brasileiro médio acha que trabalho é algo essencialmente ruim. Em qualquer país do mundo, uma pessoa sabe que tem o dever moral de se sustentar. Aqui, achamos que alguém tem de fazer isso por nós. Falta apreço pelo trabalho. Com essa visão negativa, ninguém se prepara.”

Além dos aspectos culturais, problemas socioeconômicos também acabam por refletir em falta de rendimento. Com uma base educacional ruim, é comum que os brasileiros entrem nas empresas com defasagem em conhecimento. Em geral, o brasileiro sabe pouco de muitos assuntos, mas tem dificuldade de se aprofundar nas tarefas por falta de conhecimentos específicos. 

“Ainda assim, se posiciona como se soubesse, se vende, assume responsabilidade e depois pena porque faltou conhecimento em um detalhe necessário”, afirma Braga.

Essa postura acaba por demandar mais tempo na execução da tarefa e resulta em erros. “Quando essa falha não é percebida, é preciso que alguém refaça a tarefa em algum outro momento da cadeia, gerando retrabalho por não ter sido benfeito em um primeiro momento.”

Como reverter? 

As raízes da questão da baixa produtividade são profundas, mas segundo os especialistas, é possível trabalhar para sanar ou, pelo menos, minimizar o problema. Em primeiro lugar, é preciso investir na gestão da empresa para que se compreendam o grau da falta de rendimento e os prejuízos causados por isso. Já nessa etapa inicial, surge um obstáculo, pois o empreendedor brasileiro não está acostumado a ter na ponta do lápis todos os números que envolvem seu negócio.

“Não gostamos de processo. Aplaudimos o improviso”, destaca o presidente da Sociedade Brasileira de Varejo e Consumo (SBVC), Eduardo Terra, alertando que a falta de informações costuma ser ainda mais grave dentro do varejo. “Culturalmente, o varejo tende a acreditar no esforço, na dedicação, na famosa ‘barriga no balcão’. Isso é importante, mas não é mais suficiente. É preciso trabalhar com dados.”

Somente com conhecimento do negócio é possível avaliar o nível de produtividade, que consiste em conseguir melhores resultados a partir dos mesmos recursos, trabalhando bem a equipe, controlando as finanças e investindo em tecnologia.

“Ouvimos falar que as pirâmides e o Coliseu foram grandes obras de engenharia, mas na verdade foram grandes obras de administração. Para que essas estruturas fossem erguidas, foram geridos milhares de trabalhadores. Não adianta contar com os melhores técnicos, se eles não forem bem administrados. Quando a gestão é ruim, a produtividade vai ser baixa”, ressalta Celestino.

“Nós precisamos de autores brasileiros que falem sobre isso para que as pessoas tenham referências. Não é uma coisa que vamos mudar de uma hora para outra, precisamos trabalhar isso, mostrar que o trabalho é um valor intrínseco ao ser humano”

Uma boa gestão, capaz de estimular a produtividade, deve, necessariamente, envolver uma liderança forte, capaz de reverter fraquezas características do trabalhador brasileiro em pontos fortes.

“Somos mais comunicativos, mais emotivos, mas é possível tirar proveito dessa situação. As características culturais brasileiras têm seu lado positivo, quando o líder sabe direcionar e não deixa a equipe sair do foco”, orienta Maria Terezinha.

Também é importante que a liderança se autoavalie. Antes de cobrar maior produtividade dos funcionários, a empresa precisa estar certa de que está oferecendo todas as condições para que um bom trabalho seja desenvolvido, afinal, há uma correlação direta entre produtividade e engajamento da equipe. 

“As pessoas têm de se sentir incluídas. Você conhece os funcionários pelo nome? Eles te conhecem? O respeito se conquista com um tratamento próximo”, questiona Terra.

Essa análise deve ser feita com sinceridade e cabeça aberta, pois não é fácil reconhecer que existem problemas de gestão no primeiro escalão. “O que chama a atenção é que quando propomos uma mudança de comportamento ao dono da empresa, ele acredita que não há razão para mudar, que está certo. É complicado rever a forma como se tratam os funcionários”, avalia Maria Terezinha.

Além de rever alguns comportamentos, o líder pode ajudar a equipe a entender a importância da empresa e o valor que ela entrega para as pessoas. “Uma farmácia que fica aberta 24 horas por dia, por exemplo, oferece a possibilidade de solucionar emergências. É um negócio que resolve problemas. Ter consciência do propósito da empresa e de que cada departamento existe para cumprir este propósito deixa claro qual a importância de cada indivíduo”, destaca Celestino.

“É estar presente no trabalho, fazendo o que você foi pago para fazer. Se uma empresa anunciar que vai pagar 90% do salário, haverá uma greve, um rebuliço, mas existe muita gente que trabalha 60% do que ganha e nada acontece”

O consultor ainda aconselha que o líder apresente à equipe exemplos que mostrem o valor do trabalho, por meio de artigos, livros ou romances que contem histórias de pessoas que obtiveram sucesso devido ao trabalho. “Nós precisamos de autores brasileiros que falem sobre isso para que as pessoas tenham referências. Não é uma coisa que vamos mudar de uma hora para outra, precisamos trabalhar isso, mostrar que o trabalho é um valor intrínseco ao ser humano”, critica Celestino.

Vale lembrar que essas atitudes não terão valor ou resultado se a postura e o desempenho do líder não forem um exemplo de produtividade. E isso nada tem a ver com o volume de horas trabalhadas. “É estar presente no trabalho, fazendo o que você foi pago para fazer. Se uma empresa anunciar que vai pagar 90% do salário, haverá uma greve, um rebuliço, mas existe muita gente que trabalha 60% do que ganha e nada acontece”, diz Celestino. 

Foto: Shutterstock

Brasileiro deixa a desejar

Edição 297 - 2017-08-01 Brasileiro deixa a desejar

Essa matéria faz parte da Edição 297 da Revista Guia da Farmácia.

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