Se você acorda com sintomas de gripe, quem procura? Nos Estados Unidos, pode ser a Amazon. Depois da consulta com um médico online, o remédio receitado é entregue na sequência na sua casa. E se você tiver dúvidas, pode trocar mensagens de acompanhamento médico ilimitadas por até 14 dias após receber seu tratamento, sem custo.
O serviço Amazon One Medical é apenas um exemplo de como a tecnologia aliada à necessidade de preços mais baixos e praticidade vem revolucionando o mercado de saúde e impactando o setor de farmácias.
Os novos hábitos de consumo, que já dominavam outras áreas do varejo, atingiram em cheio a saúde norte-americana. O consumidor quer ser atendido rápido, se possível a partir da comodidade do seu lar e gastando pouco. O mercado todo está se adaptando, uns com mais, outros com menos dor. Amazon e Walmart correram por fora e resolveram investir para abocanhar uma boa fatia desse segmento. As duas gigantes do mundo tech querem se consolidar como marketplaces da saúde.
Nova proposta
A proposta é redefinir o que conhecemos como rede de cuidado de fim a fim. Nos últimos anos, a empresa fundada pelo bilionário Jeff Bezos vem fazendo uma série de parcerias com redes de clínicas, hospitais e provedores de saúde física e mental espalhados pelos Estados Unidos. Também apostou no desenvolvimento de soluções baseadas em inteligência artificial para atendimento personalizado, diagnósticos e melhoria dos resultados dos pacientes, buscando tornar o atendimento mais acessível.
O One Medical pode ser contratado como um plano contínuo ou individualmente por consulta, e prevê o atendimento online (que pode ser agendado com até 30 minutos de antecedência) com um médico. Caso o problema seja simples e diagnosticado com segurança, já é emitida a receita e os medicamentos são entregues em casa por um outro serviço da empresa, o Amazon Pharmacy. Atualmente o delivery no mesmo dia está disponível apenas para cerca de 40 cidades, mas, de acordo com a empresa, a rede está sendo expandida e, até o final de 2025, cobrirá 45% de todos os clientes nos EUA.
Caso o médico veja a necessidade de exames ou atendimento presencial, encaminha o paciente diretamente para a unidade física mais próxima. Atualmente, elas são cerca de 150 espalhadas pelo território norte-americano.
Assinatura de serviços
Para quem possui doenças crônicas e precisa de remédios de uso contínuo, a assinatura dos serviços também propicia o reabastecimento dos medicamentos em casa periodicamente. Entre os tratamentos oferecidos estão ainda cuidados com a beleza, como medicamentos para a perda de cabelo masculino, crescimento de cílios e produtos antienvelhecimento.
“Estamos integrando tecnologia para modernizar a farmácia, mantendo o atendimento clínico de alto nível”, afirma John Love, vice-presidente do Amazon Pharmacy. “Os clientes agora podem obter uma ampla variedade de medicamentos prescritos entregues rapidamente em sua porta com apenas alguns cliques, além de acesso 24 horas por dia, 7 dias por semana a um farmacêutico. Estamos reinventando a entrega de cuidados de saúde para atender os clientes onde eles estão — online, em trânsito e em casa”, completa.
O Amazon One Medical pode ser contratado como um plano para consulta online com médicos. Com a receita emitida, os medicamentos são entregues em casa pelo serviço Amazon Pharmacy
Compras de supermercado e farmácia juntas
Já o Walmart, que tem brigado duramente com a Amazon pelo cliente digital, aposta na conveniência para o cliente de, em uma única compra, ter produtos de supermercado, farmácia e mercadorias em geral. Além, é claro, da rapidez na entrega, já que seu delivery no mesmo dia alcança 49 estados dos EUA. O grupo também saiu na frente no atendimento a clientes, com o lançamento em 2019 dos Walmart Health Centers, mas desistiu da ideia algum tempo depois, devido aos custos operacionais altos.
Ainda assim, mantém o Walmart Healthcare Research Institute (WHRI), centro dedicado a melhorar o acesso à pesquisa em assistência médica, que se concentra em tratamentos e intervenções para comunidades sub-representadas, como idosos, populações rurais, mulheres e minorias, com ênfase em condições crônicas e ensaios clínicos inclusivos.
Ferramenta digital
E, para quem quer ter todos os seus registros médicos em um único lugar, o Walmart oferece o MyHealthJourney, uma ferramenta digital que armazena e dá acesso aos históricos médicos, informações de seguro saúde e lembretes para serviços de assistência.
“Sete em cada oito americanos escolhem sua farmácia com base na conveniência para eles (…). Nossa plataforma usa uma nova tecnologia geoespacial para definir áreas de entrega com maior precisão. Essas áreas são personalizadas para cada loja usando insights do cliente e dados externos — uma abordagem que supera em muito as métricas tradicionais, como código postal ou distância da loja”, informou o Walmart em nota.
Crise na rede tradicional
Se, de um lado, os marketplaces gigantes ganham mercado, de outro, os antigos players do setor farmacêutico sofrem para se manter de pé. A tradicional rede CVS está tentando resistir, fechou acordos com seguradoras de saúde e apostou em inovações, como o seu novo aplicativo, enquanto corre para cortar custos com o fechamento de centenas de lojas em todo o país. Só em 2024, foram 586 lojas fechadas. Considerando as já encerradas anteriormente e as que ainda serão, o total deve bater em 1 mil unidades físicas.
Em contrapartida, a rede está abrindo cerca de outras 100, em formato diferente. Elas são menores e concentradas no negócio central – medicamentos. Pode parecer óbvio que uma farmácia venda remédios, mas, nos Estados Unidos, ao longo de décadas, as redes foram diversificando sua oferta e se transformaram em pontos de conveniência. Passaram a vender doces, snacks e comidas congeladas, bebidas, presentes, artigos de papelaria, artigos de praia, roupas e até malas de viagem.
Redes fechando unidades
Redes tradicionais do setor farmacêutico dos EUA, como a CVS, fecharam milhares de unidades nos últimos anos e tentam sobreviver apostando em formatos menores, dedicados à venda de medicamentos.
“A CVS tem lutado há muito tempo com seu negócio no varejo físico e tem feito relativamente pouco para defender a receita no digital. Não surpreende, portanto, que eles abram algumas lojas novas com foco em farmácia. Certamente será mais barato operar pontos menores com foco em produtos essenciais de farmácia, e se isso mantiver as farmácias nas comunidades locais, é uma coisa boa”, explica o analista de varejo e diretor da consultoria GlobalData, Neil Saunders. “No entanto, não é uma solução completa, pois muitos outros players digitais estão entrando no espaço de prescrição, e há uma concorrência crescente de redes como o Walmart.”
Já a centenária Walgreens, que já foi um gigante de US$ 106 bilhões, acabou se tornando um projeto de recuperação de capital privado. A rede foi vendida no início de março para a empresa de private equity Sycamore por US$ 10 bilhões, cifra 91% menor do que valia em 2015. Isso, depois de vir amargando uma longa crise e de ter anunciado, no final do ano passado, o fechamento de 1,2 mil lojas. Entre as farmácias menores, a situação é ainda mais crítica.
Ao contrário do que pode parecer, a entrada dos gigantes digitais no mercado, com seu novo modelo de negócio, não foi a causa única da crise do setor. Ela se arrasta já há um bom tempo, com falta de competitividade e custos operacionais altos, que levaram ao fechamento de muitas unidades. Essa quebra foi tão grande que gerou o fenômeno dos “desertos de farmácia” nos Estados Unidos, regiões em que a população simplesmente não tem mais esse tipo de varejo na vizinhança. É justamente aí que o delivery da compra online começou a se encaixar perfeitamente.
Fonte: Diário do Comércio
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