Hoje é Dia do Farmacêutico! Momento de celebrar as conquistas e refletir sobre o futuro da profissão, que ganha cada vez mais relevância na área da saúde e na qualidade de vida da população. Mas na era digital, com cada vez mais recursos tecnológicos para apoiar a atividade farmacêutica, não se pode perder de vista o atendimento humanizado.
É sobre este tema e outros assuntos relevantes que rondam o dia a dia de farmacêuticos do País, que o Guia da Farmácia convidou o presidente do Conselho Federal de Farmácia (CFF), Dr. Walter Jorge João para um bate papo.
A seguir, confira a entrevista em que o especialista fala sobre os desafios da formação para estudantes e farmacêuticos experientes, a transformação das farmácias em hubs de saúde, os avanços do setor nos últimos anos e como combinar tecnologia com humanização do atendimento.
Guia da Farmácia – Qual é a importância do Dia do Farmacêutico, celebrado em 20 de janeiro?
Dr. Walter Jorge João – Os farmacêuticos desempenham um papel essencial na saúde pública e no bem-estar da sociedade. Essa data, 20 de janeiro, é comemorada em homenagem à fundação da Associação Brasileira de Farmacêuticos (ABF), em 2016.
É uma oportunidade para refletir e celebrar a contribuição de cada farmacêutico nas mais diversas áreas regulamentadas de atuação, que já passam de 140 especialidades. Esta data também representa a união da categoria, que constitui uma rede vital para a segurança, a saúde e a qualidade de vida da população, nos âmbitos públicos e privados, de forma crescente e expoente.

Guia – As farmácias se tornam cada vez mais estabelecimentos considerados hubs de saúde, oferecendo consultas, vacinas e monitoramento de doenças crônicas. Qual é o papel do farmacêutico neste cenário? O que muda em relação ao passado?
Dr. Walter – Hub de saúde é uma nova forma de conceber a farmácia que apresenta convergência com o modelo que o CFF lutou muito para ver contemplado para o Brasil, na Lei 13.021/2014. O Conselho Federal de Farmácia foi o grande articulador, a liderança principal no movimento pela aprovação dessa lei, que ressignificou a farmácia como unidade de assistência à saúde.
Essa é, sem dúvida, uma grande transformação, mas é preciso estar atento ao nosso objetivo ao estabelecer o conceito de farmácia como estabelecimento de saúde e, não mais, uma simples loja, onde se vende medicamentos. Quando contribuímos na elaboração do texto da lei, nossa pretensão era de que as farmácias se tornassem espaços de cuidado à saúde, respeitando o escopo de atuação de seu responsável técnico, no caso, o farmacêutico.
Suas atribuições dentro dos estabelecimentos vão além do balcão, abrangendo, entre outras atividades, o cuidado direto ao paciente. Os farmacêuticos auxiliam na identificação de sinais e sintomas de doenças e condições (rastreamento em saúde) por meio da realização de exames de triagem (são mais de 60 tipos, incluindo dengue, glicemia, perfil lipídico, beta-HCG e TSH); realizam o encaminhamento desses pacientes para os serviços de saúde; quando necessário realizam o acompanhamento do tratamento de doentes crônicos e prestam serviços de vacinação, com prescrição de vacinas, quando os estabelecimentos estão autorizados para tal.
Importante destacar que a mudança conceitual resultou na alteração da estrutura física das farmácias que, por conta da oferta de serviços de saúde, passaram a contar com o consultório farmacêutico, salas de vacinação e sala de aplicação de injetáveis.
Guia – Como está a formação desse profissional atualmente? O que há de novo na profissão e quais os principais elementos que estudantes e profissionais experientes devem ficar atentos?
Dr. Walter – Grande liderança do movimento que resultou na Lei 13.021/2014, que promoveu a mudança no conceito de farmácia no Brasil, o CFF também foi o grande maestro do processo de construção das novas Diretrizes Curriculares Nacionais (DCNs) do Curso de Graduação em Farmácia.
As DCNs foram publicadas em 2017, pela Resolução CNE/CES nº 6/2017, para estruturar a formação dos farmacêuticos em três eixos: Cuidado em Saúde (50%), Tecnologia e Inovação em Saúde (40%), Gestão em Saúde (10%).
Desta forma, a atuação clínica e a tecnologia e inovação em Saúde são os pontos focais da formação, justamente por serem a tendência do mercado de trabalho. O farmacêutico está cada vez mais requisitado para o cuidado à saúde, seja na esfera pública ou privada, inclusive podendo atuar como profissional autônomo, nas mais diversas especialidades. Também há uma demanda crescente da indústria por profissionais qualificados, especialmente na pesquisa e novas tecnologias.
Mas, por sua obrigação legal de zelar pela saúde pública e promover a difusão da assistência farmacêutica no Brasil, o CFF tem se preocupado com a expansão exacerbada do ensino a distância. A autorização indiscriminada de polos e a falta de fiscalização tem motivado a queda de qualidade na formação, o que também deve ser uma preocupação de quem pretende se graduar em Farmácia.
Guia – Além de capacitação, como o farmacêutico pode lidar com dois aspectos essenciais nos dias de hoje: atendimento humanizado e envolvimento com o universo digital?
Dr. Walter – A evolução tecnológica, aliada às demandas por uma saúde mais personalizada e acessível, promove uma transformação importante no papel social ocupado pelos farmacêuticos. Isso o impulsionou a assumir atitudes mais proativas, que combinam o atendimento humanizado ao domínio de ferramentas digitais.
O atendimento humanizado tem como característica a escuta ativa, a empatia e o cuidado individualizado. Esses continuam sendo os pilares fundamentais na prática farmacêutica. Contudo, sabemos que, paralelamente, o envolvimento com o universo digital tem ampliado as possibilidades de atuação e o alcance de seus serviços. Ferramentas como prontuários eletrônicos, aplicativos de telemedicina e plataformas de e-commerce permitem um acompanhamento mais próximo dos pacientes, mesmo à distância. A digitalização dos processos facilita a comunicação entre os profissionais de saúde, otimiza a gestão de medicamentos e permite o acesso a informações atualizadas sobre fármacos e doenças.
Por isso, a combinação do atendimento humanizado com o uso das tecnologias digitais traz inúmeros benefícios para a prática farmacêutica. Mas, deve-se sempre lembrar que a tecnologia não deve substituir o contato humano. O papel do farmacêutico como educador e conselheiro de saúde continua sendo essencial. O uso das ferramentas digitais deve ser visto como um complemento ao atendimento presencial, visando otimizar os processos e melhorar a qualidade do cuidado.
Guia – O que esperar para o futuro da profissão?
Dr. Walter – Nos últimos anos, a profissão farmacêutica vem se destacando e ganhando cada vez mais reconhecimento por parte da sociedade. Prova disso é que, segundo um levantamento realizado pela farmacêutica Jordana Laisy Souza, que atualmente presta serviços para a Universidade de Barcelona, na Espanha, a farmácia foi a terceira profissão que mais cresceu positivamente na avaliação da sociedade brasileira com relação a sua importância e relevância na área da saúde, ficando atrás apenas da medicina e enfermagem.
A pesquisa, iniciada em 2022 com o intuito de mapear as profissões da saúde e dimensioná-las a partir desses números, revelou um salto significativo para os farmacêuticos no Brasil. Segundo a autora, no primeiro levantamento, em 2022, a Farmácia ocupava a oitava posição.
Esse crescimento é atribuído ao papel fundamental desempenhado pelos farmacêuticos durante a pandemia, além das resoluções aprovadas pelo Conselho Federal de Farmácia (CFF), que contribuíram para a mudança de percepção sobre o papel do profissional na sociedade. Outro fator foi a atuação dos farmacêuticos na linha de frente durante a pandemia, mantendo as farmácias abertas e demonstrando a importância de seu conhecimento.
Por outro lado, temos grandes desafios pela frente, como a aprovação do piso salarial do farmacêutico e o arquivamento do projeto de lei que prevê a venda de medicamentos em supermercados.
O piso é essencial para a valorização da categoria. Inadmissível que um profissional cada vez mais requisitado e importante para a saúde pública receba remuneração vil em muitos municípios e empresas da rede privada.
Já o projeto de lei que prevê a venda de Medicamentos Isentos de Prescrição (MIPs) em supermercados vai na contramão de tudo que defendemos pela melhoria da saúde pública do País, além de incentivar o uso indiscriminado desses produtos. Ao mesmo tempo, vemos com preocupação a venda de outros produtos não relacionados à saúde, que descaracterizam a farmácia como em estabelecimento prestador de serviços voltados à saúde das pessoas. Porém, essa prática é garantida por força de decisão do Supremo Tribunal Federal, em última instância, portanto.
Perfil
Dr. Walter Jorge João, presidente do Conselho Federal de Farmácia (CFF)
É graduado em Farmácia Bioquímica pela Universidade Federal do Pará (UFPA), e tem mestrado em Ciência dos Alimentos e Nutrição pelo Instituto de Nutrición de Centro America y Panamá (INCAP), Guatemala.
Foi professor na UFPA e Chefe de Departamento e Diretor do Centro de Ciências da Saúde, entre outros cargos na área da pesquisa. Também é membro titular da Academia Nacional de Farmácia, presidente da Federação Pan-Americana de Farmácia (Fepafar) e vice-presidente da Associação dos Farmacêuticos de Países de Língua Portuguesa (AFPLP).
Fotos: Shutterstock/CFF