Embora as doenças cardiovasculares sejam a principal causa de morte entre as mulheres globalmente, responsáveis por 35% dos óbitos femininos em 2019, elas ainda são frequentemente negligenciadas nos cuidados de saúde1.
Essa negligência se manifesta de forma concreta: as mulheres, muitas vezes, chegam aos hospitais em estágios mais graves da problemas cardiovasculares, após ignorarem sintomas ou enfrentarem diagnósticos equivocados2. Isso acontece porque os sinais de infarto nelas costumam ser diferentes dos observados nos homens. Em vez da dor clássica no peito, as pacientes podem apresentar cansaço extremo, náusea, dor nas costas, no pescoço ou falta de ar.
Esses sintomas, por serem considerados atípicos para doenças do coração, são frequentemente atribuídos a causas como estresse ou ansiedade, o que atrasa o diagnóstico e o tratamento adequado3. A consequência é uma jornada de cuidado marcada por falhas desde o início.
Algumas condições cardiovasculares são particularmente prevalentes entre as mulheres, como o infarto sem obstrução significativa das artérias coronárias (Minoca), a dissecção espontânea da artéria coronária e a síndrome de Takotsubo (conhecida como “síndrome do coração partido”). Mesmo assim, essas condições ainda são pouco reconhecidas nos protocolos médicos tradicionais, contribuindo para o subdiagnóstico e o subtratamento das mulheres3.
Cenário
O problema, no entanto, vai além da porta de entrada dos serviços de saúde. As desigualdades também estão presentes na ciência. Apenas 27% dos participantes de ensaios clínicos cardiovasculares financiados pelo National Heart, Lung, and Blood Institute (NHLBI) entre 1997 e 2006 eram mulheres4, e esse é o órgão norte-americano responsável por fomentar pesquisas sobre doenças cardíacas, pulmonares e do sangue. Essa sub-representação limita o conhecimento sobre a eficácia e segurança dos tratamentos nesse público, impactando diretamente nas escolhas terapêuticas e nos resultados clínicos4.
Essas lacunas estão bem documentadas por estudos recentes, como o relatório da The Lancet Commission e o posicionamento da European Society of Cardiology (ESC).
As evidências mostram que muitas condições presentes nas vidas das mulheres podem ser fator de risco para o coração: menopausa precoce, diabetes gestacional, hipertensão na gravidez, parto prematuro, síndrome dos ovários policísticos e até fatores psicossociais como violência doméstica e pobreza1,3.
Diante desse cenário, a ESC defende uma abordagem coordenada: ações como a coleta de dados em tempo real, a inclusão de mulheres nos estudos clínicos, a capacitação dos profissionais de saúde para reconhecer os sintomas específicos e o desenvolvimento de campanhas educativas voltadas ao público feminino são urgentes3.
Prevenção de problemas cardiovasculares
No Brasil, esse entendimento já começa a se refletir em iniciativas locais. Segundo um documento publicado pela Sociedade Brasileira de Cardiologia (SBC), é essencial adaptar os protocolos de atendimento à realidade feminina5. Quando avaliadas por ferramentas construídas a partir de padrões masculinos, muitas mulheres acabam não recebendo o diagnóstico ou o tratamento adequado5.
O cuidado contínuo com a saúde deve começar desde a prevenção. O colesterol ruim (LDL) é um tipo de gordura que se acumula silenciosamente nas artérias, contribuindo para o desenvolvimento da aterosclerose, uma condição que progride de forma lenta e assintomática ao longo dos anos, até que se manifestem eventos graves, como o infarto agudo do miocárdio6. Em indivíduos com alto risco cardiovascular, ou seja, aqueles em prevenção secundária, o objetivo é manter a meta de colesterol ruim (LDL) abaixo de 50 mg/dL, tanto em homens quanto em mulheres7.
“Precisamos acabar com a ideia de que doença cardíaca é coisa de homem. As mulheres têm riscos específicos, sintomas diferentes e, muitas vezes, são diagnosticadas tardiamente. É hora de ouvir o coração feminino com mais atenção, da prevenção ao tratamento. A ciência já mostrou o caminho, agora precisamos garantir que ele seja seguido por todos os profissionais de saúde e por políticas públicas eficazes”, afirma a Dra. Maria Cristina de Oliveira Izar, presidente da SOCESP e diretora científica do Departamento de Cardiologia da Mulher da SBC8.
Referências
[1] VASAN, Ramachandran S. et al. The Lancet women and cardiovascular disease Commission: reducing the global burden by 2030. The Lancet, v. 397, n. 10292, p. 2385–2438, 2021. Disponível em: https://www.thelancet.com/article/S0140-6736(21)00684-X/fulltext. Acesso em: 8 maio 2025.
[2] MARTINEZ-NADAL, G. Heart attack diagnosis missed in women more often than in men. Apresentação no ESC Acute CardioVascular Care Congress, março 2021.
[3] EUROPEAN SOCIETY OF CARDIOLOGY. Closing the gaps in the cardiovascular care of women: ESC Statement on The Lancet Commission. 2021. Disponível em: https://www.escardio.org. Acesso em: 8 maio 2025.
[4] STRAMBA-BADIALE, M. Women and research on cardiovascular diseases in Europe: a report from the European Heart Health Strategy (EuroHeart) project. European Heart Journal, v. 31, n. 14, p. 1677–1680, 2010.
[5] SOCIEDADE BRASILEIRA DE CARDIOLOGIA. Doença isquêmica do coração: a mulher no centro do cuidado. Departamento de Cardiopatias da Mulher, 2023. Disponível em: https://www.portal.cardiol.br. Acesso em: 8 maio 2025.
[6] FERENCE, B. A. et al. Low-density lipoproteins cause atherosclerotic cardiovascular disease. Eur Heart J. 2017;38(32):2459–2472.
[7] PRÉCOMA, D. B. et al. Diretriz de prevenção cardiovascular da Sociedade Brasileira de Cardiologia – 2019. Arq Bras Cardiol. 2019;113(4):787-891.
[8] Dra. Maria Cristina de Oliveira Izar, MD, PhD. CRM 43024-SP. Professora Adjunta Livre Docente, Setor de Lípides, Aterosclerose e Biologia Vascular, Disciplina de Cardiologia, Universidade Federal de São Paulo. Diretora Científica do Departamento de Cardiologia da Mulher biênio 2024-2025. Presidente da Sociedade de Cardiologia do Estado de São Paulo biênio 2024-2025. Member at Large of the International Atherosclerosis Society Board of Directors 2025-2027.
Fontes: Novartis e SOCESP
Foto: Shutterstock
Leia também
7 maneiras de melhorar a saúde do coração