Quando o assunto é adesão ao tratamento – envolvendo medicamentos ou hábitos de vida recomendados por especialistas em saúde –, não é incomum ouvir relatos de quem diz parar no meio porque “já sentiu que melhorou” e tantas outras desculpas para algo tão sério. Só para ilustrar esse quadro, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), menos de 60% dos pacientes com diabetes e menos de 40% dos pacientes hipertensos seguem as prescrições corretamente. Dados alarmantes especialmente por se tratarem de doenças crônicas que podem levar a quadros severamente graves.
E como mudar isso? A resposta pode estar atrás do balcão da farmácia. Sim, o farmacêutico tem papel fundamental no estímulo à adesão ao tratamento, especialmente por ser capaz de fornecer informações detalhadas sobre os medicamentos prescritos e a importância de seguir todas as indicações médicas.
Além disso, a relação de confiança entre o farmacêutico com o cliente da região também pode facilitar essa comunicação e, consequente, o acompanhamento do quadro.
Para a farmacêutica, fundadora e diretora executiva da Germinar Consultoria e também professora/consultora de varejo do Instituto de Desenvolvimento do Varejo Farmacêutico (IDVF), Carla Bovo Bartolo, a adesão ao tratamento se dá quando o comportamento do paciente coincide com as orientações para controlar ou curar uma doença, ou seja, seguindo todas as recomendações médicas.
Uso correto
Seguir a prescrição é um respaldo legal à profissão farmacêutica, além de respeito ao paciente. “Em caso de dúvidas relacionadas à prescrição médica, o farmacêutico deve entrar em contato com o prescritor para saná-las e realizar uma dispensação racional, diminuindo, assim, o risco de reações adversas. A orientação farmacêutica deve ser realizada no ato da dispensação, a fim de prever possíveis reações indesejadas e orientar o paciente sobre a terapia medicamentosa”, orienta a professora de Farmácia da Anhanguera de Campinas – Ouro Verde, Cinthia Madeira.
Outro aspecto importante a ser destacado é que a avaliação e interpretação das prescrições quanto aos aspectos técnicos e legais são uma atribuição conferida ao farmacêutico no momento da dispensação, conforme determina a Lei 13.021/14 e Resolução do Conselho Federal de Farmácia (CFF) 357/01 e normas sanitárias que tratam da dispensação de medicamentos.
“A avaliação farmacêutica das prescrições quanto aos aspectos legais compreende, entre outras, as seguintes informações: dados obrigatórios da prescrição, ausência de rasuras, assinatura e identificação do profissional prescritor com o número de registro no respectivo conselho profissional. No que tange à questão técnica, a interpretação farmacêutica das prescrições deve ser realizada com fundamento nos seguintes aspectos: terapêuticos (farmacêuticos e farmacológicos), adequação ao indivíduo, contraindicações e interações medicamentosas”, explica o presidente do Conselho Regional de Farmácia do Estado de São Paulo (CRF-SP), Dr. Marcos Machado.
Quando a dosagem ou posologia dos medicamentos prescritos ultrapassar os limites farmacológicos ou a prescrição apresentar incompatibilidade/interação potencialmente perigosa com demais medicamentos prescritos ou de uso do paciente, o farmacêutico deve exigir confirmação expressa ao profissional que prescreveu, podendo, na ausência ou negativa de confirmação, proceder com o não atendimento da prescrição.
“Segundo determina o Código de Ética Farmacêutica, é direito do farmacêutico, desde que devidamente justificado, realizar ou não o atendimento de qualquer prescrição”, finaliza o Dr. Machado.
“Para que haja maior aderência, é necessário fazer um pós-atendimento, ou seja, entrar em contato com o cliente, seja via telefone ou WhatsApp, por exemplo, perguntando se houve alguma dúvida e como ele está se sentindo. Se houver algum problema, o farmacêutico pode insistir na explicação e mostrar a importância para controle da patologia”, orienta a Profa. Carla.
Afinal, o farmacêutico reúne os conhecimentos necessários para explicar a importância de utilizar os medicamentos prescritos, os riscos de não fazer o tratamento ou fazê-lo de forma incorreta, as reações adversas, entre outras orientações fundamentais para que o paciente compreenda o tratamento prescrito.
E essa melhor compreensão facilita a adesão terapêutica. “Uma das finalidades das atribuições clínicas do farmacêutico é otimizar a farmacoterapia, com o propósito de alcançar resultados definidos que melhorem a qualidade de vida do paciente, conforme parágrafo único do artigo 2º da Resolução 585/13, do Conselho Federal de Farmácia (CFF)”, esclarece o presidente do Conselho Regional de Farmácia do Estado de São Paulo (CRF-SP), Dr. Marcos Machado.
Boas práticas
Primordialmente, o farmacêutico deve garantir o uso racional dos medicamentos, isto é, assegurar que seja dispensado o produto prescrito, na quantidade estabelecida para o tratamento e com qualidade. E caso ocorra a intercambialidade de medicamentos – substituindo um de referência por um genérico – esse ato só pode ser feito por um farmacêutico quando não há contraposição do médico na receita; e com o aval do paciente.
“Muitos dos fatores associados a não adesão estão relacionados ao paciente, podendo ser relacionados a suas crenças, entendimento, reações indesejáveis ou regressão dos sintomas. Assim, cabe ao farmacêutico realizar práticas educativas com foco em aprimorar o processo de utilização do medicamento, garantindo, assim, o uso racional e melhorando a adesão terapêutica”, explica a professora de Farmácia da Anhanguera de Campinas Ouro Verde, Cinthia Madeira.
De acordo com a OMS, a não adesão ao tratamento em longo prazo na população em geral está em torno de 50%. “O cenário do País aponta que cerca de 80% dos brasileiros com idade acima de 60 anos utilizam, no mínimo, um medicamento por dia, o que mostra a importância da adesão.
O paciente que não segue as recomendações tende a ter menos benefícios e irá visitar mais frequentemente consultórios médicos e hospitais”, diz o gerente de materiais e medicamentos do HCor, Marcelo Fornitano Murad.
Foto: Shutterstok