As regras da publicidade para medicamentos isentos de prescrição

O setor farmacêutico é um dos que mais investem em publicidade no País; entidades de classe defendem que a ampla divulgação é o melhor caminho para incentivar o uso responsável de MIPs

De acordo com a Resolução de Diretoria Colegiada (RDC) 102/00 da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), os medicamentos não são bens de consumo comuns e, sim, bens de saúde, por isso a propaganda do setor está sujeita a regras específicas.

A principal delas é que a publicidade para o consumidor final só é permitida para Medicamentos Isentos de Prescrição (MIPs). Produtos de tarja vermelha ou preta só podem ser anunciados aos profissionais de saúde.

Diante dessas exigências regulatórias, os MIPs são os protagonistas da publicidade dentro do setor farmacêutico. Tanto que a categoria de medicamentos para gripes e resfriados registrou alta de 106% em valores publicitários brutos somente no ano de 2017, segundo os dados da Kantar Worldpanel.

Esse alto volume de publicidade entre as indústrias farmacêuticas volta e meia gera questionamentos, já que o setor vende saúde e não meros produtos comerciais. No entanto, diferentes entidades de classe defendem a necessidade e até os benefícios desse tipo de propaganda.

“De modo geral, os medicamentos são exemplos clássicos de bens ‘inelásticos’, para os quais a relação entre oferta e consumo quase não se altera diante de mudanças de preço e volume de oferta. Em outras palavras, ninguém vai tomar mais medicamento só porque os preços foram reduzidos, porque a oferta foi ampliada ou porque tem esse ou aquele artista referendando-o”, acredita a vice-presidente  executiva da Associação Brasileira de Medicamentos Isentos de Prescrição (Abimip), Marli Sileci.

A executiva também defende que o uso dos MIPs é diferenciado e mais simples que o dos medicamentos que só podem ser vendidos sob indicação de profissional de saúde, logo, a permissão para publicidade é segura.

“São indicados apenas para alívio imediato de alguns sintomas, nunca para substituir um atendimento médico. Para que seu uso seja seguro e consciente, sempre que o consumidor optar por usar MIPs, ele deve seguir as orientações da bula e rotulagem e ter em mente que, se os sintomas persistirem, a suspensão do medicamento deve ser imediata e um médico deve ser consultado”, lembra a executiva.

Garantir que o consumidor siga as orientações de consumo responsável de MIPs é, inclusive, um dos principais papéis da propaganda,de acordo com a visão do presidente executivo do Sindicato da Indústria de Produtos Farmacêuticos no Estado de São Paulo (Sindusfarma), Nelson Mussolini.

“Acho que informação é fundamental. Não educamos um povo com proibição de informação. Educamos com a informação correta”, afirma. “Claro que a propaganda tem de ser ética, não pode induzir o consumidor a erro, mesmo aquele paciente mais despreparado. Há de se tomar alguns cuidados, mas são cuidados naturais como em qualquer tipo de propaganda.”

Mussolini vai além e defende, inclusive, a publicidade para todos os produtos farmacêuticos, mesmo aqueles que necessitam de prescrição. “As regras que a Anvisa mantém deveriam ser estendidas. São muito pertinentes do ponto de vista ético. É assim que deveria ser mesmo”, afirma.

A única ressalva em relação aos argumentos que defendem o papel educativo das propagandas de medicamentos é a falta de abrangência dos anúncios. Entre os mercados monitorados pela pesquisa da Kantar Worldpanel, a cidade de São Paulo (SP) absorve um quarto de toda a verba destinada para compra de espaço publicitário. Ao lado de Rio de Janeiro (RJ) e Belo Horizonte (MG), os três maiores mercados são responsáveis por receber 38% de toda a verba de mídia do País.

Regras no ponto de venda

Conforme autorização da Anvisa, os MIPs podem ser expostos e comercializados na área de autosserviço das farmácias. No entanto, isso não significa que a categoria não possa causar danos à saúde do usuário quando usada de maneira inadequada ou irresponsável. Por consequência, os MIPs não são, também, isentos de orientação farmacêutica.

“Os medicamentos dessa categoria, quando não usados adequadamente, podem causar eventuais danos à saúde e mesmo mascarar doenças graves ou que podem agravar-se, devido a não realização oportuna do diagnóstico. São situações que podem resultar em hospitalizações evitáveis e gastos desnecessários, tanto para o paciente como para os sistemas público e privado de saúde. Por tudo isso, o uso de MIPs deve ser criterioso, seguindo a orientação e o acompanhamento do farmacêutico”, lembra o presidente do Conselho Federal de Farmácia (CFF), Dr. Walter Jorge João.

Assim, o ideal é que o consumidor tenha fácil acesso à compra desses produtos, com uma exposição prática e funcional e sem interferências dos atendentes quanto à escolha entre as opções disponíveis. No entanto, o farmacêutico precisa estar de prontidão para oferecer qualquer esclarecimento, se assim solicitado.

“Caso tenha qualquer tipo de dúvida, o consumidor deve recorrer à ajuda do farmacêutico, que é o profissional mais indicado para aconselhá-lo a ler a rotulagem e a bula dos medicamentos e orientá-lo quanto à forma de administração (posologia), duração do tratamento, modo de ação, possíveis reações adversas, contraindicações e interações com outros medicamentos e/ou alimentos”, orienta Marli.

Por amparo da legislação, o farmacêutico é autorizado a realizar uma anamnese, prescrever um MIP, sempre que acionado, e pedir que o paciente retorne à farmácia para monitorar a evolução do tratamento indicado.

“O farmacêutico pode ainda prescrever o encaminhamento do paciente a outro profissional, caso ele entenda que o problema foge do seu âmbito de atuação. Também é permitido que atue como educador em saúde, estimulando o paciente a mudar hábitos de vida”, complementa o Dr. Jorge João.

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