Com o envelhecimento da população, novas necessidades e possibilidades surgem em todos os segmentos da economia. Mais ativos e ainda no mercado de trabalho, muitos procuram produtos e serviços em busca da melhor qualidade de vida, satisfação pessoal e bem-estar.
A dinâmica de lançamentos de linhas de produtos voltados à terceira idade cresce, mas ainda não na mesma proporção que o aumento deste público. Na área de cuidados pessoais e de beleza, muitos cosméticos atendem a necessidades específicas com formulações adequadas para retardar o envelhecimento da pele e do cabelo, as embalagens são de fácil identificação e manuseio. Com os medicamentos, muitos já possuem formulações que diminuem efeitos colaterais (já que a prática da polifarmácia é comum entre idosos), as bulas são maiores para facilitar a leitura, as embalagens menores e mais fáceis de abrir, etc.
Por outro lado, a baixa taxa de morbidade e o aumento da longevidade acarretam alterações também na estrutura das políticas sociais e públicas, que demandam por novas formulações de programas que visem à melhoria dos serviços essenciais e ao pleno acesso à saúde.
De acordo com a especialista no Mercado da Longevidade e diretora da Mercado Sênior, Juliana Acquarone, a revolução da longevidade está transformando profundamente os mercados de atuação das empresas.
“Indústria, varejo e serviços voltados ao consumidor precisam definir e implementar estratégias específicas voltadas ao público sênior que, apesar de compor a faixa demográfica de maior crescimento e poder de compra na atualidade, ainda ocupa espaço marginal nas estratégias de marketing. É um desafio para empresas tradicionais no mercado de consumo que se veem induzidas a repensarem seus modelos de negócios e a construção de suas propostas de valor”, diz.
Há, ainda, um preconceito contra a velhice, pois o Brasil é considerado um país de cultura jovem forte, onde a juventude é vista como fator de valorização social. “Diferentemente, por exemplo, de algumas culturas orientais, pouco associamos o envelhecimento a um processo de ganho de status; ao contrário, à idade avançada associa-se inadequação, incapacidade de aprendizado, inabilidade tecnológica e tantos outros estereótipos tão arraigados culturalmente que não nos damos conta em nosso cotidiano”, explica a executiva.
De acordo com Juliana, esse fator se torna ainda mais complexo porque, se tudo correr bem, todos serão velhos um dia. “Sendo assim, encarar o próprio preconceito é ainda mais difícil, já que não se trata somente do preconceito contra o outro, o diferente, mas de um processo universal e inevitável, ainda que o sonho da vida eterna venha, desde sempre, inspirando a mente humana e, atualmente, constituindo a razão de ser de empresas na área da biotecnologia”, pondera.
Como explica o médico geriatra Dr. Renato Bandeira de Melo, há um processo de transição social muito claro em que muitos do público sênior, mesmo aqueles em idade mais avançada, depois dos 80 anos, trabalham, têm vida social ativa, saem com grupos de amigos. E mais: uma pesquisa realizada pelo Serviço de Proteção ao Crédito (SPC) Brasil aponta que o poder de consumo da população de 50 anos de idade ou mais no Brasil equivale a R$ 1,6 trilhão por ano.
“Isso é mais que o Produto Interno Bruto (PIB) de muitos países. Se fôssemos formar um país independente apenas com os brasileiros acima dos 50 anos de idade, seria o 16º maior país do mundo”, compara o diretor presidente da Mind Comunicação e Mind Pesquisas, Alexandre Correa Lima.
Possibilidades claras
Ativos e consumistas. Sim, o público sênior nunca consumiu tanto produtos de Higiene Pessoal, Perfumaria e Cosméticos (HPC), suplementos vitamínicos e correlatos em prol de seu bem-estar. Em contrapartida, ainda carece de produtos específicos para suas necessidades e pouco se vê representado em propagandas, anúncios ou campanhas de vendas. Ou seja, mesmo com tantos nichos a serem explorados, as empresas seguem perdendo oportunidades de cativar esse público relevante economicamente.
E o que é pior: muitas delas, quando tentam se comunicar com esses consumidores, comentem graves equívocos, na maioria das vezes, pela falta de empatia. “Muitas criam estratégias como se fossem um bloco monolítico, encaixotando-os como se fosse tudo ‘idoso’ ou ‘terceira idade’. Na realidade, estamos falando de um público bastante heterogêneo, refletindo não apenas as discrepâncias sociais típicas de um país desigual como o Brasil, mas também aquelas próprias da trajetória de cada indivíduo”, ressalta Correa Lima.
“Mais uma vez, é preciso que as empresas se permitam adotar uma perspectiva mais ampla e desafiar a percepção equivocada de que a relação dos mais velhos com produtos de consumo está restrita a fraldas geriátricas, fixador de dentaduras, planos de saúde e pacotes de viagens”, lembra Juliana.
Segundo informa a executiva, no setor de bens de consumo não duráveis, por exemplo, os chamados ninhos vazios, ou lares compostos apenas por indivíduos acima de 55 anos de idade apresentam comportamento bastante distinto dos demais arranjos familiares: gastam até 42% mais com produtos, como alimentos, bebidas e higiene. Vão ao supermercado e às farmácias com mais frequência, em alguns casos, diariamente, o que implica em uma demanda maior por serviços e por atendimento especializado, já que a sociabilização passa muitas vezes a ser um dos mobilizadores da frequência de visitas ao varejo.
A partir dessas perspectivas, torna-se possível entender que a formação e o amadurecimento do mercado da longevidade no Brasil não ocorrem de forma orgânica. Apesar do irreversível crescimento da demanda por produtos e serviços orientados ao público sênior, seu atendimento por parte das empresas requer planejamento e visão estratégica. O fenômeno ocorre de forma acelerada – somos o país que envelhece mais rapidamente no mundo – e, portanto, exige uma mudança de abordagem e a adoção de mudanças significativas nas práticas de marketing das empresas, como detalha Juliana a seguir.
A construção dos pilares estratégicos de marketing
a) Muitos tons de cinza:
O primeiro processo a ser redesenhado é o de segmentação ou targetting. Como visto anteriormente, a idade cronológica perde importância na determinação de estilos de vida, preferências e atitudes no cenário contemporâneo. Quando se trata do público sênior, esse fator se intensifica, e a idade passa a ser um fator muito pouco relevante para a formação das escolhas de consumo e tomada de decisão de compra. Isso porque o curso da vida e as experiências vividas são um longo processo de individuação. Assim, quanto mais velhos, mais únicos. Talvez em alguns casos, seja possível encontrar um denominador comum nas influências e nos hábitos de consumo de jovens pertencentes ao mesmo grupo coetário, classe social e gênero, por exemplo. Entre os mais velhos, a granularidade de necessidades, estilos e preferências é muito maior.
Apesar disso, é bastante comum observar denominações como “50+” ou “60+” para os consumidores sêniores. Ao considerar que a definição do público-alvo é a primeira etapa de um planejamento de marketing bem-sucedido, a criticidade deste processo fica evidente. Para definir um ou mais segmentos de mercado como target entre os consumidores sêniores, as empresas devem lançar mão de métodos mais sofisticados de segmentação.
Há um conjunto importante de variáveis já validadas como mais assertivas que a idade cronológica na busca por grupos homogêneos entre si e distintos dos demais em seus motivadores e hábitos de consumo, quando se tratam dos mais velhos. Algumas delas são individuais, como a condição fisiológica e cognitiva (independentes, dependentes ou frágeis), a familiaridade com serviços de informação digital (migrantes, entusiastas ou avessos), e idade não cronológica (idades psicológica e social).
Outras variáveis refletem a relação dos indivíduos com núcleos sociais, como família e amigos, por exemplo. O papel econômico exercido na família (provedor, independente ou dependente) e a atitude social (introspecção ou maior sociabilidade), por exemplo, são fatores determinantes nas influências e no comportamento de consumo. Sendo assim, as empresas que pretendem orientar-se ao atendimento do mercado sênior devem, inicialmente, definir um modelo de segmentação baseado em estilos de vida e não em idade cronológica.
b) Inovação inclusiva:
O conceito de design universal surgiu após a Segunda Guerra Mundial, quando um grande número de veteranos retornou ao seu cotidiano apresentando necessidades especiais. Em países como a Alemanha e os Estados Unidos, ficou evidente que as cidades, seus espaços públicos, transportes, lojas e residências não eram acessíveis a todos. Nesse contexto, o design universal foi criado como um conjunto de princípios que permitem que produtos, serviços e ambientes sejam acessíveis ao maior número de pessoas possível, independente das suas habilidades individuais.
Quando se trata do processo de inovação e desenvolvimento de novos produtos em marketing para o público sênior, esses princípios são totalmente aplicáveis.
A primeira decisão estratégica no processo de inovação é se a empresa terá linhas de produtos ou serviços desenvolvidos exclusivamente ao público sênior, se fará adaptações no portfólio para incluir este público em seus mercados-alvo ou se fará apenas adaptações em seu posicionamento e tática de comunicação.
A partir daí, uma série de processos pode ser adotada, como, por exemplo, a cocriação de soluções a partir do olhar dos próprios consumidores – o chamado design empático. Adotar esse conceito no processo de desenvolvimento de novos produtos e inovação não implica em criar processos e custos novos, mas, sim, em adaptar a perspectiva de mapeamento de necessidades frente às mudanças no padrão demográfico e de consumo da população de usuários potenciais.
c) (Un)branded content:
A comunicação com o público sênior constitui uma das práticas mais desafiadoras do marketing diante do cenário da longevidade. Isso porque, para uma comunicação bem-sucedida e mobilizadora, entender a linguagem, os valores, o repertório cultural, as referências estéticas e as aspirações subjetivas é tão importante para os mais velhos como para qualquer outro público. Porém, esse entendimento parece bastante distante do dia a dia das equipes de planejamento e criação das agências.
Modelos estereotipados, com uso inadequado de humor e infantilização – práticas comuns na publicidade brasileira quando retrata os mais velhos –, afastam os consumidores da proposta das marcas e provocam sensação de invisibilidade, relatada pelos mesmos de forma recorrente quando avaliam sua presença na mídia.
Outro erro comum ao planejar comunicação para os mais velhos está relacionado ao consumo de mídia. O uso da internet e o acesso às redes sociais digitais já são bastante frequentes entre os consumidores mais velhos, principalmente os de maior poder aquisitivo; 60% dos brasileiros entre 45 e 59 anos de idade têm acesso à rede, e 1/3 dos indivíduos acima de 60 anos de idade também.
Essa taxa quadruplicou nos últimos cinco anos e continuará crescendo exponencialmente, à medida que a população envelhece e carrega consigo os novos hábitos de consumo de mídia adquiridos com a revolução digital. Nesse contexto, uma grande quantidade de conteúdo é não só consumida, mas também produzida por sêniores pela rede.
No universo on-line, surgem blogs, páginas e grupos temáticos nas redes sociais e influenciadores digitais que arrebanham milhares de seguidores, mas estão totalmente invisíveis às marcas.
d) Ativação age-friendly:
Tanto quanto nas demais, na prática de ativação, é indispensável adaptar-se à nova realidade: seja no varejo físico ou digital, a ambientação das lojas precisa ser mais amigável ao comprador sênior.
Mudanças simples como a altura das prateleiras de um supermercado ou o nível de contraste e tamanho da fonte em uma loja virtual fazem enorme diferença na experiência de compra e, por consequência, nos resultados alcançados pelas empresas que pretendem incluir entre seus clientes o grupo populacional de maior crescimento e poder de compra da atualidade.
Nas indústrias, o desenho das embalagens e a gestão de portfólio de produtos constituem áreas-chave na oferta de uma experiência de consumo inclusiva. Embalagens que podem ser abertas sem grande esforço físico, com conteúdos legíveis e quantidades de produto adequadas ao transporte e armazenamento fáceis determinam a escolha desses consumidores, tão valiosos quanto negligenciados.
Adaptações, como a inclusão de pequenas lupas nas gôndolas para facilitar a leitura das embalagens e etiquetas de preço, também estão se tornando comuns em lojas físicas nos países em que o mercado sênior já está mais desenvolvido.
e) Oportunidade de ouro disfarçada de prata:
O atendimento às novas demandas da longevidade e o desenvolvimento do mercado sênior no Brasil requerem a sensibilização de empresários e gestores para um tema de grande relevância social, e constituem uma oportunidade iminente de geração de novos negócios, provavelmente uma das poucas de tal amplitude em um momento tão crítico para o mercado de consumo no Brasil.
É preciso, entretanto, coragem para desafiar as próprias percepções sobre o envelhecimento, capacidade analítica para lidar com o tema com a devida complexidade, decisão e disciplina para adaptar os processos de planejamento estratégico e marketing.
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