Biodiversidade brasileira ainda inexplorada

País dispõe do maior ecossistema do planeta. Apesar disso, mais de 80% dos medicamentos vendidos aqui são de origem importada. Nova legislação não animou muitos pesquisadores, que a consideram restritiva e burocrática 

Levantamentos realizados por instituições internacionais e brasileiras revelam que aproximadamente 20% da biodiversidade global esteja no Brasil. São 103.870 espécies de animais e 43.020 de vegetais catalogadas. Somente em plantas superiores, há cerca de 60 mil espécies, o que corresponde a algo em torno de 22% do total aproximado de 250 mil existentes no globo terrestre. Além disso, mais que 7% delas são endêmicas, isto é, existem apenas em território brasileiro, detentor de seis biomas terrestres, sendo o Pantanal, a Caatinga, o Cerrado e a Amazônia verdadeiros bancos naturais de recursos genéticos a serem descobertos, sem contar Mata Atlântica e Pampa, ainda pouco explorados. “Não há estímulo para a pesquisa. Tudo é muito fechado, restrito, burocrático. Os pesquisadores brasileiros se ressentem, pois não conseguem avançar em seus estudos. Já as empresas não investem por insegurança jurídica, uma vez que não têm certeza se poderão explorar no que investirem”, afirma o professor do Centro de Inovação e Ensaios Pré-Clínicos (CIEnP), João Batista Calixto. 

Um patrimônio genético gigantesco disponível, que poderia ser aproveitado de maneira importante para produção de medicamentos inovadores, suplementos alimentares e outros produtos, restrito por todo tipo de entraves, burocráticos principalmente, que impedem que ele seja explorado de forma sustentável e traga divisas ao Brasil. Existem milhares de sais medicamentosos, dos quais em torno de 60% são de origem natural; moléculas naturais modificadas (semissintéticos); e compostos inspirados em moléculas naturais. Se a biodiversidade brasileira abrange 20% do total mundial, ao menos 12% dos medicamentos produzidos no planeta têm origem ou são inspirados em moléculas encontradas na flora brasileira. Contudo, o País não participa desse jogo. Mais de 80% dos medicamentos vendidos no Brasil são de origem importada, segundo a Associação Brasileira das Empresas do Setor Fitoterápico, Suplemento Alimentar e de Promoção da Saúde (Abifisa). A maioria dos extratos vegetais que originam os fitoterápicos brasileiros são provenientes principalmente da Europa e da Ásia.

Possibilidade observada

A nova lei da biodiversidade (13.123/15), sancionada em maio do ano passado pela presidente da República Dilma Rousseff, é encarada por alguns pesquisadores e pelo governo como um passo à frente para facilitar a pesquisa, pois tende a diminuir a burocracia na pesquisa da biodiversidade ao substituir o pedido de autorização por um cadastro de pesquisa, o que evita que cientistas sejam acusados de biopirataria. Estabeleceram-se critérios para os materiais coletados. No entanto, o acesso ao patrimônio genético e aos conhecimentos associados devem passar pelas comunidades indígenas, quilombolas ou tradicionais, que precisam autorizar seu uso e deverão receber royalties pelo uso deles. A lei determina também que as empresas deverão depositar em um fundo 1% da renda líquida obtida com a venda do produto acabado ou material reprodutivo oriundo de patrimônio genético. Até a instituição da nova lei, regulava o setor uma medida provisória decretada em 2001, alvo constante de reclamações da comunidade científica por ser muito restritiva.

“A maior mudança nos últimos anos certamente é a edição da Lei nº 13.123, que revogou a famigerada Medida Provisória (MP) nº 2.186 que tanto mal fez à pesquisa brasileira. A nova lei encontra-se agora em fase de regulamentação e os efeitos estimuladores que dela se espera devem demorar a ocorrer, estimando-se um atraso de pelo menos 20 anos nessa área”, avalia o farmacêutico e coordenador da Comissão de Plantas Medicinais e Fitoterápicos do Conselho Regional de Farmácia de São Paulo (CRF-SP), Luis Carlos Marques. No entanto, segundo Marques, faltam outros passos para a cadeia de desenvolvimento de medicamentos, os quais precisariam ser focados em termos de políticas governamentais e estimulados de alguma maneira. Essas áreas se referem a cultivos de espécies nativas (e respectivos estudos de domesticação), empresas produtoras de extratos e derivados, produtoras de ativos e marcadores e prestadoras de serviços de controle de qualidade, enfim, “uma série de outros passos relevantes para que seja possível o desenvolvimento de produtos fitoterápicos nacionais e o adequado aproveitamento da biodiversidade local”, ressalta Marques.

A Abifisa concorda que o avanço das pesquisas precise ir além da lei. “A indústria carece de mais incentivos ao desenvolvimento e às pesquisas, que causam grande impacto financeiro e que muitas vezes podem inviabilizar projetos”, diz a instituição. “Basicamente, o que é necessário definir são os formatos e as possibilidades de repartição de benefício, que é a contrapartida da empresa ao acesso às espécies vegetais nativas do Brasil”, completa. Para o professor Calixto, os avanços da lei são muito tímidos. “A lei ainda engessa muito o setor. É evidente a importância de proteger e ter regras para evitar a biopirataria. Contudo, quando a restrição é muito acentuada e esbarra em um processo burocrático não muito claro, acaba gerando o efeito contrário. Protege para não estudar. A pesquisa não avança e ainda corremos o risco de perder a patente de muitas plantas, pois nada impede que nossos países vizinhos descubram novos compostos a partir de plantas existentes não apenas no Brasil.” Outro aspecto diz respeito às patentes. “Demora-se muito para aprová-las. As empresas se ressentem em avançar nas pesquisas por não saber quando poderão atuar. Ainda há muito que avançar para o setor deslanchar”, sustenta Calixto. “Pesquisadores concordam que estamos perdendo ao não avaliarmos a nossa biodiversidade. Os entraves são desabonadores, o financiamento é ínfimo e a burocracia das universidades e dos órgãos controladores é enorme”, faz coro o professor de Medicina e Nefrologia da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), Dr. Nestor Schor. 

Nicho a ser explorado

O Ministério da Saúde (MS) revela que têm ocorrido investimentos em pesquisa no País, mas concorda que dados clínicos para diversas plantas medicinais nativas ainda são insuficientes ou inexistentes. “Para resolver esse problema, o MS investiu cerca de R$ 2 milhões na elaboração de monografias para as espécies medicinais de interesse ao Sistema Único de Saúde (SUS), com o objetivo de sistematizar as informações científicas disponíveis na literatura e subsidiar tomadas de decisão, como o fomento a pesquisas clínicas”, afirma o diretor do Departamento de Assistência Farmacêutica e Insumos Estratégicos do Ministério da Saúde, José Miguel do Nascimento Júnior. O executivo lembra que, desde 2012, a Secretaria de Ciência, Tecnologia e Insumos Estratégicos (SCTIE) tem apoiado projetos relacionados à cadeia produtiva de plantas medicinais e fitoterápicos. Em alguns projetos de Arranjos Produtivos Locais de Plantas Medicinais e Fitoterápicos, verifica-se a presença de parcerias que estão se estabelecendo entre instituições de ensino e pesquisa, indústrias produtoras de medicamentos fitoterápicos (privadas e laboratórios públicos) e secretarias municipais e estaduais de saúde. “Além disso, em 2014, uma nova modalidade de apoio foi lançada – desenvolvimento e registro sanitário de medicamentos fitoterápicos da Relação Nacional de Medicamentos Essenciais (Rename) por laboratórios oficiais públicos. Assim, foi repassado um total de R$ 1,9 milhão para as secretarias estaduais de Saúde de Alagoas e Minas Gerais. Será, também, repassado R$ 1,1 milhão para a Secretaria de Saúde do Rio de Janeiro para apoio, respectivamente, aos laboratórios oficiais públicos Lifal, Funed e IVB”, revela Nascimento Júnior. 

Fito 2016

Especial Fito 2016

Essa matéria faz parte do Especial Fito 2016.

Deixe um comentário