O Brasil chega ao terceiro mês de distanciamento social devido à pandemia que se instalou no mundo todo pelo Coronavírus e alguns cenários começam a ficar mais claros.
De acordo com o presidente da Associação Brasileira de Distribuição e Logística de Produtos Farmacêuticos (Abradilan), Vinicius Andrade, o número de infectados e mortos é significativo. Afinal, até o fechamento desta reportagem, já eram quase 18 mil vidas perdidas e a curva ainda segue em crescimento.
Portanto, espera-se um impacto muito grande para a economia brasileira, mas no setor farmacêutico como um todo, as consequências são bem menores. O executivo comenta que, em março último, as vendas tiveram picos fortes, com grande aumento de demanda, justamente porque as pessoas não sabiam exatamente o que ia acontecer. Assim, acabaram comprando em quantidade para fazer armazenamento. “No fim do mês, vimos uma desaceleração, com certa estabilidade; e em abril último, notamos uma alta, novamente, mas ainda com queda relevante.”
Os produtos de maior demanda são aqueles que estão diretamente relacionados à sazonalidade proporcionada pela pandemia. Entre eles, os Medicamentos Isentos de Prescrição (MIPs) destinados ao controle e prevenção de imunidade e vitaminas; e outros voltados aos sintomas de gripe, resfriado e tosse, como: dipirona, paracetamol, vitaminas C e D e também, a própria azitromicina, que tem sido usada no tratamento do coronavírus, que não é um MIP, mas teve aumento no número de prescrição.
Para os itens de higiene, perfumaria e dermocosméticos não houve aumento em demanda. Algumas alternativas impulsionaram as vendas, como a ampliação para três meses de tratamento pelo Farmácia Popular. Somada a esta ação, o Ministério da Saúde (MS) liberou a validade das receitas de medicamentos controlados em até seis meses.
“Lojas que não têm delivery, que dependem exclusivamente da circulação de pessoas, fecharam neste período, porque o faturamento não paga o custo fixo. Farmácias que não dependem da circulação de pessoas, se mantêm um pouco mais”, analisou Andrade.
O presidente da Abradilan enfatiza, ainda, que o momento de pandemia pelo Coronavírus exige bastante atenção para que se consiga fazer uma análise de como o mercado reage, dia a dia, e a partir daí, definir quais serão as estratégias comerciais. Ele ressalta que não haverá desabastecimento de medicamentos.
“As indústrias farmacêuticas são unânimes ao dizer que não haverá ruptura. A China teve um pequeno atraso no envio de matéria-prima para o Brasil, em média 20 dias, mas já voltou ao normal e tudo está regularizado, não é nada preocupante. Os laboratórios estão bem abastecidos”, diz.
Andrade afirma que pode acontecer ruptura de produtos de alta demanda, por conta do aumento da procura, mas não por falta de matéria-prima ou capacidade produtiva. “A indústria farmacêutica tem feito uma força-tarefa importante para aumentar a produção de itens relacionados à prevenção e ao tratamento do Coronavírus, visando atender ao aumento da demanda da população.”
O executivo da Abradilan pontua, ainda, que todos os itens relacionados à prevenção e ao tratamento do novo coronavírus tiveram um importante aumento de produção. O crescimento de cada item depende da capacidade de produtiva de cada indústria. “Temos itens cuja produção aumentou mais de 300% visando a esta nova demanda que surgiu.”
VISÃO DOS FABRICANTES
O diretor comercial da J&J Consumer Health, Sílvio Silva, comenta que, por ainda não haver uma medicação que combata o novo coronavírus, o seu tratamento é baseado em amenizar os sintomas causados pelo vírus e, entre eles, estão a febre e a dor. Nesse sentido, MIPs são grandes aliados. “No caso da J&J, trabalhamos continuamente para garantir o abastecimento do mercado com Tylenol® e para isso, no Brasil, aumentamos a produção em oito vezes. Desta forma, centramos esforços para que o consumidor seja suprido em suas necessidades”, diz. Para o diretor comercial da Herbarium, Renato Gonçalves, a pandemia pelo coronavírus impactou principalmente o consumo de produtos relacionados à saúde respiratória e de sintomas associados, como febre, além do consumo de produtos ligados ao aumento da imunidade.
“No caso dos fitoterápicos, observamos um aumento na compra de Xarope de Guaco, por exemplo, que tem ação expectorante e broncodilatadora, sendo muito usado para tosse.”
A gerente de marketing da EMS Marcas, Aline Souza Mendonça, destaca que a sociedade está cada vez mais preocupada em não adoecer nos tempos de pandemia, principalmente, evitando a ida ao sistema de saúde. “Estamos falando de um vírus letal à população e relativamente novo e em estudo sobre como combatê-lo. Portanto, o que a população vem fazendo é buscar alternativas para tratar sintomas de doenças leves já diagnosticadas ou conhecidas, e, também, vê os MIPs como uma ferramenta de prevenção e fortalecimento da saúde imunológica, por exemplo, como acompanhamos com a ascensão da categoria de vitaminas e antioxidantes”, conta.
De acordo com a especialista do EMS, o varejo farmacêutico contribui para esse autocuidado, desde o Gerenciamento por Categorias (GC), sinalizando para o fácil entendimento das doenças leves, em que local encontrar tal medicamento, e, principalmente, reforçando o papel do balconista e do farmacêutico nesta jornada. Afinal, ambos os profissionais, além de contribuírem com dúvidas dos pacientes, ainda levam orientação e adesão ao tratamento.
“Desde meados de março último, foram identificados picos de vendas em algumas classes de medicamentos, como antigripais, medicamentos para tosse, alergia, nariz entupido, dor de garganta, vitaminas C, multivitamínicos e analgésicos no geral.
Quanto à queda de algumas categorias, notamos, por exemplo, que ocorreu em produtos cosméticos. Acreditamos que isso vem acontecendo neste momento devido à preocupação com o cenário econômico, fazendo com que as pessoas deixem para segundo plano itens que não são de primeira necessidade”, finaliza Aline.
O diretor VP de marketing e demanda da FQM Consumo, Jorge Luis Duhalde, comenta que a partir da quarta semana de março, começou a se enxergar uma normalização na demanda desse tipo de produtos, que estavam sendo estocados pela população, como atitude preventiva. “Passados esses primeiros dias, isso começou se encaixar em um patamar de demanda mais em linha com a realidade e a necessidade.”
O confinamento e impossibilidade de sair de casa fez com que a população adotasse novos hábitos de consumo e, consequentemente, com que as farmácias se adaptassem à nova realidade. Elas assumiram um papel ainda mais relevante nos serviços prestados no balcão, como a Atenção Farmacêutica, por exemplo.
“Mais um ponto importante foi o crescimento das vendas on-line”, diz o consultor e empreendedor no segmento farmacêutico e fundador da startup Thereus Health em Portugal, Cesar Bentim.
IMPACTOS EM PREÇOS
O aumento do preço do dólar impacta de forma significativa toda a operação. O planejamento para 2020 foi feito com o dólar a 4,20, mas, no dia primeiro de abril, fechou a R$ 5,26, ou seja, cerca de 25% de aumento para os fabricantes. Além disso, muito material que vinha importado por meio marítimo, está vindo por transporte aéreo, por conta da rapidez, o que encarece ainda mais.
“A consequência disso é que está havendo uma redução dos descontos comerciais por parte da indústria, o que gera dificuldade para definir estratégias de compra e venda. Além disso, há um desgaste entre distribuidor e varejo, pois o varejo acredita que foi a distribuição que diminuiu os descontos e não a indústria”, lembra Andrade, da Abradilan.
O executivo recomenda, assim, calma e discernimento do que e o que comprar, para que os distribuidores não fiquem com estoques altos quando os preços começarem a se regularizar. “As negociações exigem uma leitura crítica do que de fato é aumento de custo e o que é oferta e demanda. Não é uma avaliação fácil”, contextualiza.
Uma segunda preocupação envolve a questão da inadimplência. Por isso, a gestão de crédito exige atenção e cuidado.