Corrida de obstáculos

Enquanto em alguns países da Europa os fitoterápicos representam um terço de todos os medicamentos vendidos, no Brasil, a categoria ainda precisa driblar algumas barreiras para alcançar o devido potencial 

Com mais de 50 mil espécies de plantas espalhadas pelas florestas brasileiras, o País conta com a maior biodiversidade do planeta. O conjunto da utilização dessa abundância natural poderia render R$ 2 trilhões ao ano aos cofres brasileiros, valor que corresponde ao Produto Interno Bruto (PIB) atual do Brasil. No entanto, somente 10% dessa biodiversidade é conhecida e não há nenhuma iniciativa do governo voltada para a criação e coordenação de pesquisas direcionadas.

Não bastasse a falta de incentivo à exploração da biodiversidade nacional, o mercado de fitoterápicos ainda precisa lidar com diversas outras barreiras. A principal delas é a resistência de boa parte da classe médica, que se mantém fiel aos medicamentos convencionais e hesita em prescrever fitoterápicos.

De acordo com a farmacêutica da Universidade de São Paulo (USP) e médica especialista em clínica médica com mestrado em Saúde Coletiva pela Santa Casa de São Paulo, Dra. Karina Kiso, essa descrença dos médicos é proveniente da formação recebida nas universidades, aliada à forte influência da indústria farmacêutica.

“A ‘medicina tradicional’ ensinada nas escolas médicas dita regras a partir de um conhecimento baseado em evidências científicas, sendo grande parte dele patrocinado pela indústria farmacêutica, sem abrir discussões mais holísticas sobre o cuidado integral do paciente e, muitas vezes, desqualificando o conhecimento cultural e tradicional sobre o uso de plantas medicinais e fitoterápicos”, opina.

A falta de adesão da classe médica cria outro obstáculo: o desconhecimento da população a respeito dessa categoria de medicamento. Segundo a diretora comercial do Aché, Vânia Machado, a resistência não se dá pela falta de percepção de eficácia. “Culturalmente em outros países, como na Alemanha, por exemplo, o uso de produtos naturais é mais difundido na classe médica, pois a fitoterapia está inserida no ensino acadêmico e na prática terapêutica. Uma vez que os médicos conheçam bem o produto, o consumidor é influenciado”, afirma.

O resultado desse comportamento é nítido. Enquanto na Alemanha os fitoterápicos representam 1/3 de todos os medicamentos comercializados, no Brasil, a categoria representa apenas 2,5% do mercado farmacêutico nacional.

“Ainda há uma impressão errada de que os fitoterápicos não têm qualidade ou comprovação científica, ou seja, não passaram por todas as fases de desenvolvimento antes de irem parar nas prateleiras das farmácias”, lamenta Vânia.

Além de precisar do apoio da classe médica, a população poderia ser mais bem informada se o farmacêutico também dispusesse de maior conhecimento a respeito da categoria. Por apresentar diferentes padronizações e concentrações de ativos, o fitoterápico carece dessa informação.

“Muitas vezes, a farmácia não sabe diferenciar a potência entre dois fitos com origem na mesma planta e, em outras ocasiões, confunde até medicamentos com não medicamentos”, alerta o presidente da Herbarium, Marcelo Geraldi, citando o exemplo da arnica gel. “Existem medicamentos de arnica com indicação terapêutica, mas também cosméticos à base de arnica, sem nenhuma atividade terapêutica. E ambos são frequentemente expostos lado a lado e vendidos sem distinção.” 

Os obstáculos enfrentados pelos fitoterápicos, infelizmente, não param por aí. Outro fator que dificulta uma maior expansão desse mercado são as rigorosas normas de controle impostas pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). 

A alta regulamentação é necessária, mas de acordo com o médico cofundador e primeiro presidente da Associação Médica Brasileira de Fitomedicina (Sobrafito), Dr. José Roberto Lazzarini Neves, é preciso encontrar o ponto de equilíbrio entre normas rigorosas demais e falta de controle dos produtos que estão no mercado. 

Regras sobre venda e dispensação de fitoterápicos

De acordo com a integrante da Comissão Assessora de Fitoterápicos e Plantas Medicinais do Conselho Regional de Farmácia do Estado de São Paulo (CRF-SP), Dra. Caroly Cardoso, não há diferenças quanto à dispensação dos fitoterápicos. “O farmacêutico tem o conhecimento e treinamento para orientar com segurança o paciente quanto ao uso de medicamentos, seja ele fitoterápico ou não.”

Assim como ocorre com os medicamentos convencionais, existem fitoterápicos que são isentos de prescrição médica e há aqueles que necessitam da prescrição para ser dispensados. No entanto, a maioria dos fitoterápicos não necessita de indicação do profissional de saúde e fica à disposição do consumidor nas gôndolas da farmácia, ou seja, a orientação farmacêutica é primordial para assegurar o tratamento adequado ao paciente.

“Há muito espaço para crescimento dos fitoterápicos, mas é preciso um maior conhecimento por parte dos farmacistas em relação à qualidade e diferenciação dos produtos, para não comprometer o futuro brilhante que os fitoterápicos podem ter no arsenal terapêutico de médicos, farmacêuticos e nutricionistas”, destaca o presidente da Herbarium, Marcelo Geraldi.


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Horizonte favorável 

Apesar dos obstáculos, o mercado de fitoterápicos apresenta crescimento constante ano a ano. Os medicamentos de origem natural isentos de prescrição mostram bom crescimento em volume, impulsionados, principalmente, pelos baixos preços e altos descontos comerciais, o que os assemelha aos genéricos. 

Já no caso dos fitos que exigem indicação médica, a indistinção em relação ao sintético tem aumentado aos poucos, diminuindo a distância dos medicamentos éticos de prescrição.

Em 2016, o setor de fitoterápicos movimentou R$ 1,8 bilhão, com crescimento aproximado de 9% em relação a 2015. A diretora de marketing da Natulab, Ivana Marques, é muito otimista quanto ao futuro da categoria no Brasil. “O mercado de fitoterápicos está em expansão e esses medicamentos têm virado uma opção cada vez mais reconhecida pelos médicos. Os fitos estão ganhando espaço junto à medicina tradicional. Cada vez mais são reconhecidos sua importância e valor.”

Uma prova disso foi dada pelo governo pelo Sistema Único de Saúde (SUS), que, desde 2012, incluiu alguns fitoterápicos na Relação Nacional de Medicamentos (Rename). O único problema é que o incentivo estagnou.

“Inicialmente, eram 12 medicamentos e os médicos do SUS eram capacitados por meio de cursos organizados pela Sobrafito, entre outras instituições. Porém, já há alguns anos, não temos mais a adição de novos fitoterápicos na lista e os cursos pararam de ser ministrados”, ressalva o Dr. Neves, da Sobrafito.

Mas se de um lado falta incentivo do governo, as indústrias já perceberam que há uma imensa oportunidade de crescimento, principalmente porque muitos fitoterápicos que existem na Europa e Estados Unidos ainda não foram lançados por aqui. 

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