Fitoterápicos buscam novas opções

Dos tratamentos tradicionais às doenças de maior complexidade, medicamentos à base de plantas tencionam ganhar novos nichos de mercado

Reconhecidos em todo o mundo como elementos importantes na prevenção, promoção e recuperação da saúde, os fitoterápicos ganham terreno também no Brasil. Ainda que mais tímida do que em países europeus – os maiores consumidores desse tipo de produto –, a demanda por esse tipo de medicamento no País acompanha o interesse internacional por uma alternativa mais saudável, ou menos danosa, de tratamento.

Produzidos a partir de plantas frescas ou secas e de seus derivados que ganham diferentes formas farmacêuticas, como xaropes, soluções, comprimidos, pomadas, géis e cremes, os fitoterápicos desempenham papel importante no cuidado contra dores, inflamações, disfunções e outros incômodos. São particularmente indicados para o alívio sintomático de doenças de baixa gravidade e por curtos períodos de tempo. Com a ampliação do consumo, cresce a demanda por novos compostos, inclusive como coadjuvantes no tratamento de doenças mais complexas. E, no futuro, como protagonistas de tratamentos mais específicos.

Definidos pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) como medicamentos obtidos com emprego exclusivo de matérias-primas ativas vegetais, os fitoterápicos não devem ser confundidos com fitomedicamentos, termo não oficialmente definido pela Agência, mas utilizado no mercado para definir qualquer medicamento cujo princípio ativo, ou fármaco, tenha sido obtido por isolamento de alguma fonte vegetal.

Não se enquadra na classificação de fitoterápico qualquer medicamento que inclui na sua composição substâncias ativas isoladas, sintéticas ou naturais, nem as associações dessas com extratos vegetais. Segundo o professor de pós-graduação nas áreas de Fitoterapia e Farmacoterapia do Instituto de Pesquisa e Pós-Graduação para o Mercado Farmacêutico (ICTQ), Lincoln Marcelo Lourenço Cardoso, entre as duas classificações, a que mais evolui no mercado farmacêutico é a de fitoterápicos, uma vez que sua pesquisa e desenvolvimento tendem a ser mais baratos. Já os fitomedicamentos envolvem, muitas vezes, processos de hemissíntese ou modelagem molecular de substâncias ativas isoladas das fontes vegetais, o que torna o processo ainda mais caro.

Segundo o professor coordenador do curso de Farmácia do Centro Universitário São Camilo, Alexsandro Macedo Silva, a pesquisa de novas moléculas é objetivo de maioria das indústrias farmacêuticas e dos grandes centros de pesquisa localizados nos Estados Unidos e Europa. “É mais interessante estudar as moléculas naturais do que planejar novos fármacos ao acaso”, afirma o professor, lembrando que o mercado de fitoterápicos mudou significativamente nos últimos anos, justamente em função das regulamentações.

“Vários fitoterápicos surgiram baseados em estudos científicos, o que dá mais credibilidade e torna possível acompanhar o seu uso de forma racional”, salienta, acrescentando que, por definição de legislação, o fitoterápico seria elaborado por apenas uma planta. Mas o que se verifica é a misturas de outras plantas ou fármacos sintéticos. “Isso mostra a evolução no uso de plantas na terapêutica medicamentosa, algo bem positivo, sinalizando que novos caminhos poderão surgir com a oferta à comercialização de fitoterápicos.”

Definições específicas

A coordenadora de pesquisa da Amazônia Fitomedicamentos, Denise Mollica Marotta, destaca que os medicamentos fitoterápicos podem ser equivalentes aos sintéticos, com espectros de ação mais adequados e com indicações terapêuticas complementares às medicações convencionais já existentes, além de ser mais baratos.

“O uso de fitoterápico deve seguir o mesmo raciocínio do medicamento com princípio-ativo sintético, explica Silva. “Muitas vezes, pode-se utilizar o fitoterápico em situação inicial de certa doença ou quando um paciente não responde adequadamente a um fármaco específico. Mas isso deve ser feito de acordo com a proposta terapêutica do médico”, pondera.

Depressão e ansiedade, um capítulo à parte

Os fitoterápicos, para o sistema digestório, estão entre os mais comuns e mais conhecidos do mercado, “contudo, há cerca de dez anos, iniciou-se o uso de fitoterápicos para casos de ansiedade e depressão, resultando em medicamentos que associam mais de uma planta para esse fim”, diz o professor do São Camilo.

“Existe um grande número de produtos fitoterápicos para o tratamento da ansiedade e da depressão”, concorda o pesquisador do Centro Brasileiro de Informações sobre Drogas Psicotrópicas da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), Ricardo Tabach. “Isso ocorre devido ao fato de que os medicamentos tradicionais para a ansiedade (benzodiazepínicos) provocam diversos efeitos colaterais, como diminuição dos reflexos, sonolência, prejuízo de memória e, mais grave, um potencial de tolerância ou dependência. Em função disso, estudos foram feitos com a finalidade de se obter um produto fitoterápico que apresentasse um efeito semelhante aos benzodiazepínicos, porém sem seus efeitos colaterais. Em consequência, foi descoberto um grande número de plantas ansiolíticas, como a passiflora, valeriana, Lipia alba. No caso da depressão, o hypericum (erva de São João) tem um efeito bastante significativo para os casos de depressão leve a moderada”, aponta o professor.

“Transtornos de ansiedade ou depressão são distúrbios do sistema nervoso central muito frequentes e que podem apresentar etiologia multifatorial”, explica a responsável pelo Departamento de Pesquisa, Desenvolvimento e Inovação da Marjan Farma, Rita de Cássia Salhani Ferrari. “Assim, é interessante supor que medicamentos que atuem por diversos mecanismos de ação e não somente por um único possam ser efetivos nessas patologias. Devido à característica inerente dos fitoterápicos de apresentar em sua composição o fitocomplexo, são utilizados com eficácia e segurança em ambas as doenças, e com enorme sucesso.”

De fato, entre as doenças tratadas com fitoterápicos mais reconhecidos pela população nos últimos anos estão os indicados para casos de ansiedade e depressão. Não por acaso, os medicamentos para essas moléstias estão entre os mais vendidos do segmento. “É um mercado bastante estável, com produtos amplamente reconhecidos por consumidores e profissionais de saúde, como o Hipérico (erva de São João), a Valeriana, a Kava Kava e a Passiflora (maracujá)”, observa o gerente de Over the Counter (OTC) da Herbarium, Eduardo Cristiano P. de Oliveira.

Além desses princípios ativos, estão em andamento várias pesquisas com outros compostos, como o mulungu (Erythrina mulungu Mart ex Benth), a ser utilizado como ansiolítico, revela a professora de Farmacognosia da Faculdade Oswaldo Cruz, Nilsa Sumie Yamashita Wadt. “A Natulab possui três produtos destinados ao tratamento da ansiedade e distúrbios do sono, sendo que outros medicamentos estão em desenvolvimento”, adiciona a farmacêutica analista de inteligência de mercado e marketing de produto da Natulab, Valnizia Mendes.

Também a Aspen Pharma conta com dois produtos fitoterápicos para ansiedade e insônia, Calman e Ansiopax, e agora está finalizando o desenvolvimento de uma Passiflora incarnata pura para lançamento ainda este ano.

“Dificilmente os fitoterápicos poderão ser utilizados em doenças em que é necessário um controle rigoroso da dose como, por exemplo, em insuficiência cardíaca”, salienta a professora da Faculdade de Ciências Farmacêuticas da Universidade de São Paulo (USP), Elfriede Marianne Bacchi. “Os glicosídeos cardiotônicos, que são substâncias utilizadas nessa enfermidade, são administrados em quantidades muito baixas, sendo que a dose terapêutica é muito próxima à tóxica. Como o fitoterápico é composto por uma série de substâncias ativas e inativas e até tóxicas, que podem interagir, causando sinergismo ou antagonismo, verifica-se que se torna impossível um controle da dose ideal”, sustenta.

Outras Patologias importantes

“Áreas terapêuticas importantes, como laxantes, antigripais, dermatológicos, anti-inflamatórios, antidepressivos e tratamento de Tensão Pré-Menstrual (TPM) e dismenorreia, têm sido bem atendidas pela fitoterapia”, afirma a diretora de Novos Negócios da Brasterápica, Adriana Schulz.

Entre as especialidades médicas que mais se destacam no mercado brasileiro de fitoterápicos, está a ginecologia, na opinião de Oliveira. “O Brasil é composto em sua maioria por mulheres [51,5%, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE)] e existe um grande número de plantas medicinais já estudas e utilizadas tradicionalmente no tratamento de enfermidades ginecológicas. Um bom exemplo é o Cranberry (Vaccinium macrocarpon), utilizado na prevenção de infecções urinárias, que têm uma maior incidência em mulheres do que em homens.”

Denise destaca entre as novidades do mercado produzidas a partir da flora brasileira, o Acheflan, do Laboratório Aché, que teve seu registro e lançamento entre 2004 e 2005. “Desenvolvido a partir do extrato da Cordia verbenacea e resultado de sete anos de pesquisa, é considerado o primeiro medicamento fitoterápico cientificamente validado, com Pesquisa & Desenvolvimento (P&D) 100% nacional. De uso tópico, na apresentação creme e aerossol, é indicado para o tratamento de traumas, dores musculares e tendinites. Esse fitoterápico, uma planta encontrada na Mata Atlântica conhecida popularmente como erva-baleeira, quebrou um paradigma na indústria farmacêutica nacional, e acredito ser o maior exemplo para as empresas que fazem pesquisa e desenvolvimento de produtos a partir de plantas medicinais brasileiras”, diz a pesquisadora.

Em que pese a enorme burocracia para o desenvolvimento de fitoterápicos inovadores, têm surgido algumas parcerias promissoras entre o setor privado e instituições públicas, lembra a professora Nilsa.

“Pode-se citar como exemplo desses encontros produtivos o realizado entre o laboratório Kyolab, do Dr. Luiz Francisco Pianowski, com o Dr. Amílcar Tanuri, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), que descobriram uma substância da planta avelós (Euphorbia tirucalli), eficaz no combate ao vírus do HIV (Vírus da Imunodeficiência Humana, em português). Essa substância consegue um feito inédito, que é o de retirar o vírus do reservatório celular, facilitando a ação de antirretrovirais. Tal substância está em fase de testes avançados em macacos Rhesus nos Estados Unidos e a mesma possui baixa toxicidade. Um grande avanço na busca da cura da Síndrome da Imunodeficiência Adquirida (Aids)”, sustenta a professora.

Nos testes realizados na Universidade Johns Hopkins, de Baltimore, após a administração do medicamento produzido a partir do Ingenol-B, os animais tiveram sua carga viral indetectável. Com os resultados promissores, os pesquisadores passaram a uma análise aprofundada dos tecidos, para comparar os índices de carga viral. Trata-se de um grande avanço rumo aos testes em humanos, segundo os cientistas.

Fito 2015

Especial Fito 2015

Essa matéria faz parte do Especial Fito 2015.

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