Fitoterápicos ganham credibilidade

Medicamentos produzidos a partir de plantas ampliam espaço nos tratamentos

Utilizar plantas na cura de doenças vem sendo praticado há tempos imemoriais. Não existem registros precisos de quando o homem começou a usar ervas e vegetais sob a forma medicinal. A partir de descobertas em sítios arqueológicos, pesquisadores revelam que desde os primórdios da humanidade as plantas são usadas como alimento e, também, como uma forma de curar diversos males. Há evidências de que o uso medicinal tenha prosperado inicialmente no Oriente e, depois, se espalhado para outras regiões do planeta. Na China, por volta de 3000 a.C., já se utilizavam plantas para cura de doenças. Um dos primeiros documentos que se conhece sobre a utilização das plantas com fins medicinais remonta a 500 a.C. Trata-se do clássico da farmacopeia chinesa Tzu-I Pen Tshao Ching, composto pouco depois da era de Confúcio (551-479 a.C.). O original continha 365 produtos à base de plantas ao qual, mais tarde, se juntaram outros 200, como lembra a pesquisadora Regiane Aparecida Valera dos Santos, em estudo que fez sobre o uso da fitoterapia.

O termo fitoterapia tem origem grega, em que fito (phyto) significa vegetal e terapia (therapeia) quer dizer tratamento. Fitoterapia é definida como a ciência que usa plantas medicinais para o tratamento e recuperação de desequilíbrios de saúde. Na fitoterapia moderna, além da utilização de compostos diretos da planta, há a produção de medicamentos fitoterápicos, também obtidos a partir do uso exclusivo de derivados vegetais, só que por meio de extratos. Os fitoterápicos, encontrados no mercado principalmente em forma de cápsulas, extratos e pomadas, são especialmente eficazes para o alívio de sintomas e para a prevenção, promoção e recuperação da saúde. Eles desempenham papel importante nos cuidados contra dores, inflamações, disfunções e outros incômodos, ampliando as alternativas de tratamento para várias enfermidades. É um tipo de medicação mais utilizado para o alívio sintomático de doenças de baixa gravidade e por curtos períodos de tempo. Muitos dos medicamentos alopáticos sintéticos também têm origem em vegetais. Estima-se que mais de um quarto dos alopáticos derivem de plantas. Alguns muito famosos, como a aspirina que, por sua vez, é originada da planta Salix Alba, conhecida como salgueiro-branco, cujo princípio ativo é o ácido salicílico.

Utilização correta

Apesar de o conhecimento sobre fitoterápicos ter aumentado bastante nos últimos anos, muitos ainda confundem seu uso com a prática da homeopatia. 

A fitoterapia é uma especialidade médica, incluída na área da medicina alopática, ao contrário da homeopatia, ainda considerada terapia alternativa. Fitoterápicos são medicamentos alopáticos como os sintéticos. A principal diferença é que nos sintéticos existe uma agregação de elementos químicos para isolar a molécula principal, enquanto nos fitoterápicos há a utilização do chamado fitocomplexo, em que todos os componentes do extrato seco padronizado interagem para a obtenção do efeito terapêutico desejado. Além disso, o processo de industrialização em questão evita contaminações por microrganismo, agrotóxicos e substâncias estranhas, além de padronizar a quantidade e a forma certa que devem ser usadas, proporcionando maior segurança. Na homeopatia, os medicamentos são produzidos por meio de dinamização. Nesse tipo de terapia, são também utilizados, além de princípios ativos de origem vegetal, outros de origem animal, mineral e sintética. Já as plantas medicinais são consideradas matérias-primas a partir das quais é produzido o fitoterápico. Elas podem ser comercializadas em farmácias e ervanarias, desde que não apresentem indicações terapêuticas definidas, sejam acondicionadas adequadamente e declaradas sua classificação botânica. 

Prática vigente

De acordo com a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), são considerados medicamentos fitoterápicos os obtidos com emprego exclusivo de matérias-primas ativas vegetais. Não se considera medicamento fitoterápico aquele que inclui em sua composição substâncias ativas isoladas, sintéticas ou naturais, nem as associações destas com extratos vegetais. Os fitoterápicos, assim como todos os medicamentos, são caracterizados pelo conhecimento da eficácia e dos riscos de seu uso, assim como pela reprodutibilidade e constância de sua qualidade. A eficácia e a segurança devem ser validadas por meio de levantamentos etnofarmacológicos, bem como por meio de utilização, documentações tecnocientíficas em bibliografia ou publicações indexadas e estudos farmacológicos e toxicológicos pré-clínicos e clínicos. A qualidade deve ser alcançada mediante controle de matérias-primas, produto acabado, materiais de embalagem e estudos de estabilidade.

Administração do fármaco

Com o avanço da pesquisa e desenvolvimento voltados aos fitoterápicos, surgiram novos produtos eficazes e seguros, possibilitando aos pacientes a opção terapêutica de tratarem e prevenirem várias doenças com menos agravos à saúde que os dos medicamentos sintéticos similares. “A eficácia do fitoterápico é muito semelhante à do sintético, às vezes até maior”, afirma a professora e coordenadora do curso de pós-graduação em Fitoterapia Clínica da Faculdade Oswaldo Cruz, Nilsa Sumie Yamashita Wadt. “A diferença nesse caso é que normalmente os fitoterápicos possuem um complexo de substâncias naturais ativas que podem potencializar os efeitos, e não só um ativo isolado como nos alopáticos”, afirma, lembrando que não há diferenças de uso nos tratamentos entre sintéticos e fitoterápicos. “Normalmente, não existe, pois o desenvolvimento de um fitoterápico se dá com o mesmo rigor de um alopático, tendo que ter posologia correta, ausência de toxicidade e efetividade de ação farmacológica. Como têm menos efeitos colaterais, as restrições de uso costumam ser menores.”

“Essa menor ocorrência de efeitos adversos é real, por conta do filtro do uso tradicional que eliminou espécies tóxicas ou sem a eficácia desejada”, sustenta o farmacêutico e coordenador da Comissão de Plantas Medicinais e Fitoterápicos do Conselho Regional de Farmácia de São Paulo (CRF-SP), Luis Carlos Marques. Em relação à eficácia dos fitoterápicos há casos distintos, segundo Marques. Na maioria, os fitoterápicos são mais suaves em comparação aos sintéticos, inclusive por estarem quimicamente em uma forma complexa, onde várias substâncias em pequenas quantidades atuam conjuntamente. Em outros casos, há estudos de eficácia comparativa, sem distinção entre fitoterápicos e sintéticos e existem, também, evidências em algumas patologias de maior eficácia do fitoterápico em comparação aos sintéticos. “Portanto, deve-se avaliar caso a caso, selecionando a situação em que se deseja maior eficácia com correspondente maior risco ou efeitos menores, mais suaves e mais seguros. Por exemplo, em uma patologia reumática com dores marcantes, os sintéticos são mais efetivos; porém, muito mais tóxicos e perigosos inclusive, e sem possibilidades de uso crônico em pacientes com sensibilidade gástrica. De modo oposto, alguns fitoterápicos são mais suaves em seus efeitos, mas de segurança muito maior, sem agressões à mucosa gástrica ou ao coração, rins e fígado, permitindo que os pacientes possam utilizá-los por longos períodos, tendo assim melhor qualidade de vida.” 

Categorias distintas

Atualmente, existem duas esferas de registro de fitoterápicos na Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Avisa): Medicamento Fitoterápico (MF) e Produto Tradicional Fitoterápico (PTF). Elas se distinguem pelo conteúdo de informações técnico-científicas que respaldam tanto a segurança, quanto a eficácia dos produtos.

Os PTFs são produtos com vasto histórico de uso tradicional, seja no Brasil, seja em outros países. Esses produtos podem ser utilizados por curtos períodos e para condições que não sejam consideradas graves, sem a exigência de acompanhamento médico.

Já os MFs são fitoterápicos para os quais foram realizadas pesquisas clínicas e não clínicas. Eles podem ou não exigir a prescrição médica, dependendo da indicação terapêutica. No que se refere à produção e ao controle de qualidade, não há distinção para essas categorias. Haverá uma diferenciação somente nos dizeres de rotulagem e bula.

Os PTFs têm regras específicas para rótulo e folheto e sempre trarão a inscrição “Produto registrado com base no uso tradicional, não sendo recomendado seu uso por período prolongado”. Já os MFs seguirão a regra para rotulagem e bula de medicamentos em geral.

Fonte: Associação Brasileira das Empresas do Setor Fitoterápico, Suplemento Alimentar e de Promoção da Saúde (Abifisa)

Eficácia e segurança

Medicamentos fitoterápicos podem agir como profilático ou curativo em diversas doenças. Mesmo sendo produzidos exclusivamente com matéria-prima ativa vegetal, agem no organismo como alopáticos e todas as substâncias presentes na planta medicinal utilizada na sua preparação atuam em conjunto com um órgão ou sistema do organismo. Eles podem ser usados concomitantemente com fármacos sintéticos, para a diminuição de reações adversas. “As pessoas podem fazer uso de um fitoterápico associado a outros medicamentos, mas depende de cada caso. A vantagem dos fitoterápicos é que as contraindicações e os efeitos colaterais são menores que as dos alopáticos. Os tratamentos são para diferentes patologias, desde problemas circulatórios, como o Gingko biloba; para tosse, o Hedera helix; para ansiedade e tensão, o Hypericum perforatum; até para gastrites ou problemas estomacais, o Maytenus ilicifolia”, revela Nilsa. Segundo a professora, pode-se optar por um medicamento fitoterápico desde o início do tratamento. “Uma das vantagens é que, como ele é um complexo de substâncias, há uma integração entre esses metabólitos, sendo mais efetivos, muitas vezes, do que os alopáticos.” 

Versões variadas

Existem diversas apresentações para os medicamentos fitoterápicos, desde comprimidos, cápsulas, chás, pós, pomadas. Cada uma delas atua no organismo de uma forma, como explica Nilsa. Os líquidos por via oral costumam ter absorção mais rápida, porém a formulação é que vai determinar o tempo de absorção, porém, como são medicamentos, devem ter os efeitos e resultados esperados. “Por exemplo, um comprimido pode ter formulações diferentes (excipientes variados, nanotecnologia envolvida, etc.), o que alterará o tempo de absorção e, consequentemente, a posologia. Porém, os efeitos e resultados devem ser os mesmos: a cura ou melhora do paciente.” Mesmo não sendo um medicamento sintético, como ocorre com os de referência, genéricos e similares, o fitoterápico é um alopático, o que significa a existência de riscos em sua utilização, o que pede uso com critério e sob avaliação médica. Podem ocorrer, por exemplo, interações entre os medicamentos fitoterápicos e sintéticos, sendo necessário conhecer quais são esses riscos antes de prescrever, dispensar e utilizar esses produtos.

Interações importantes

“Os riscos existem e por isso devem ser prescritos por profissionais qualificados. Por exemplo, o Gingko biloba não deve ser associado a anticoagulantes nem ao ácido acetilsalicílico (AAS)”, adverte a professora Nilsa e completa: “O que se deve deixar bem claro é que o fitoterápico é um medicamento e deve ser consumido sempre na posologia indicada. É preciso esclarecer que cada medicamento possui uma indicação e um tempo de resposta, o que depende também da condição de cada indivíduo”, alerta a Associação Brasileira das Empresas do Setor Fitoterápico, Suplemento Alimentar e de Promoção da Saúde (Abifisa). “Isso se aplica tanto para sintéticos, quanto para medicamentos fitoterápicos. Dependendo da indicação, um fitoterápico pode exigir maior tempo de resposta, mas o contrário também acontece, ou seja, existem produtos fitoterápicos com ação praticamente imediata. É preciso sempre avaliar contexto geral, condição do paciente e ação esperada do produto, seja no curto, seja no médio prazo”, diz a instituição.

“Não é uma regra que se aplique a todo fitoterápico, mas geralmente há diminuição de efeitos adversos por apresentar em sua composição várias moléculas parecidas que disputam a ocupação do mesmo receptor onde se dá o efeito farmacológico”, complementa a médica e presidente da Associação Médica Brasileira de Fitomedicina (Sobrafito), Dra. Maria Fátima de Paula Ramos, “Por um lado, isso pode diminuir a eficácia e, por outro, o número de efeitos adversos.” Quanto a interações medicamentosas de fitoterápicos e sintéticos, cada caso deve ser estudado individualmente, avalia. Como exemplo, ela cita o alho, a Ginkgo biloba e o AAS, que devem ser suspensos antes de cirurgias por aumentar o risco de sangramento. A especialista destaca, ainda, que os fitoterápicos para serem aprovados pela Anvisa precisam ter estudo clínico, comprovando sua eficácia e segurança. “Podem ser utilizados igualmente aos sintéticos, o critério é a avaliação médica, para saber o que o paciente necessita. O Hypericum é um antidepressivo e pode ser utilizado nas depressões leves e moderadas”, frisa a Dra. Maria Fátima. 

Autor: Marcelo de Valécio

 

Fito 2016

Especial Fito 2016

Essa matéria faz parte do Especial Fito 2016.

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