Fitoterápicos ganham espaço

Apesar da crise brasileira e do desconhecimento de parte da população sobre os fitomedicamentos, setor se mantém estável, ampliando participação de mercado 

Tempestade perfeita é como os economistas costumam comentar quando vários fatores negativos se somam e criam o cenário ideal para inflar uma crise. E o Brasil viveu isso em 2015. Não bastasse o ambiente político hostil, em que governo e oposição disputaram no braço de ferro as rédeas do País, travando as decisões para estancar a crise, um somatório de más notícias só aprofundou a desaceleração da economia, como inflação alta com recessão, taxas de juros elevadas (14,25%, o maior valor em nove anos), desemprego se acentuando e dólar pela primeira vez acima dos R$ 4 desde o Plano Real. Além disso, duas das três maiores agências de classificação de risco – Standard & Poor’s e Fitch –, que orientam investidores do mundo onde aplicar seus recursos, rebaixaram a nota brasileira.

A conjuntura externa também não ajudou. A principal parceira do Brasil como compradora das commodities nacionais, a China deu sinais fortes de desaceleração (em 24 de agosto de 2015, a bolsa de Xangai caiu em torno de 8%, a maior queda diária desde o auge da crise financeira global de 2007), e o petróleo em baixa só piorou as contas da Petrobras. Para acinzentar ainda mais o céu brasileiro, a queda da economia reduziu as receitas do governo, que se obrigou a cortar gastos e a aumentar impostos. A única notícia boa foi o resultado da balança comercial (soma de exportações menos as importações), que em 2015 ficou positivo em US$ 19,7 bilhões, o melhor resultado desde 2011, quando houve superavit de US$ 29,7 bilhões. Em 2014, o setor havia registrado deficit de US$ 4 bilhões.

Em meio a essa turbulência, o Produto Interno Bruto (PIB) de 2015 deve fechar com queda de 3,7%. Caso se confirme esse número (o dado oficial deverá ser divulgado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) até final de março, será o pior resultado desde 1990, quando foi registrada queda de 4,4%. 

Para este ano, as projeções de mercado estimam nova queda do PIB, entre 2,8% e 2,9%. Se os economistas estiverem certos, esta será a primeira vez que o País registrará dois anos seguidos de recessão desde 1948, quando o IBGE iniciou a série histórica do PIB. “O ano de 2016 também será difícil, sobretudo se não sairmos desse ciclo vicioso: embate político-economia travada. Quanto mais tempo levar a crise política, mais demorado será para o País voltar aos trilhos e retomar o crescimento”, observa o presidente do Programa de Varejo (Provar) da Fundação Instituto de Administração (FIA) e do Instituto Brasileiro de Executivos de Varejo e Mercado de Consumo (Ibevar), Claudio Felisoni de Angelo.

ComportaMento da indústria

Entre os principais setores da economia, a indústria é o que registrou o pior desempenho em 2015, com recuo de 8,3%, segundo o IBGE. Foi a maior queda desde 2003. O mais grave é que a desaceleração parte de uma base ruim, uma vez que o ramo industrial já registrava pouco desempenho em anos anteriores. O baixo nível de confiança resulta em um consumidor mais cauteloso em comprar, alimentando a desconfiança de o empresário investir. Em termos práticos, isso leva à otimização dos recursos, à revisão do plano de expansão e, por consequência, a uma maior cautela para adquirir dívidas por parte do empresariado.

Ponto fora da curva

Já o setor farmacêutico mostra-se estável em relação ao restante da indústria. Segundo dados do IMS Health, a produção farmacêutica em 2015 cresceu 12% em faturamento, fechando em R$ 84,3 bilhões, e 6% em unidades, registrando 4,6 milhões de frascos. O resultado é um pouco abaixo do registrado um ano antes, quando o crescimento atingiu 8,8% nas vendas unitárias e 14% na receita. No entanto, em um cenário tão adverso, pode ser comemorado. De acordo com o IMS Health, do total faturado pela indústria farmacêutica em 2015, 58% vieram de medicamentos (referência, marca e genéricos), 20% de Medicamentos Isentos de Prescrição (MIPs) e 22% de higiene, beleza e nutrição. Ainda segundo a consultoria, considerando o total do canal farma, os produtos fitoterápicos representam 2% do faturamento global, movimentando R$ 1,6 bilhão em 2015.

Desempenho dos fitos

Em termos globais, do total de US$ 320 bilhões em vendas anuais de produtos farmacêuticos, o mercado de fitoterápicos movimenta cerca de US$ 20 bilhões todos os anos e está em ascensão, principalmente pelo interesse das pessoas por mais qualidade de vida. De acordo com a Associação Brasileira das Empresas do Setor Fitoterápico, Suplemento Alimentar e de Promoção da Saúde (Abifisa), o mercado de fitoterápicos brasileiro apresentou crescimento em torno de 8% comparado ao mesmo período de 2014, que havia crescido 6,1% em relação ao ano anterior. Ou seja, o segmento vem ampliando o patamar de crescimento. Entre os medicamentos de maior demanda, está a castanha-da-índia. Tem crescido bastante, segundo levantamento da Abifisa, a procura por suplementos à base de cálcio, polivitamínicos e ômega 3. “Apesar do momento econômico que enfrenta o Brasil, associados da Abifisa com experiência no mercado, que já passaram por outros cenários desfavoráveis, entendem que será mais um ano de inovação e expansão, com estratégias bem definidas que levam em conta todo o panorama atual”, revela nota da Abifisa.

O mercado de medicamentos fitoterápicos tem crescido continuamente. Contudo, segundo analistas do setor, ele tem potencial ainda muito grande não explorado. Segundo a Associação, as prescrições médicas desses medicamentos são inferiores às dos países desenvolvidos. Em boa parte, isso se deve ao desconhecimento da classe médica dos efeitos dos fitoterápicos. A reversão desse quadro passa pelos esforços da propaganda médica pelas indústrias e, sobretudo, pela inclusão da matéria sobre prescrição de fitoterápicos nas grades curriculares das faculdades de medicina. 

“Realmente, o mercado de medicamentos fitoterápicos ainda pode ser mais bem explorado”, sustenta a presidente da Associação Médica Brasileira de Fitomedicina (Sobrafito), Maria Fátima de Paula Ramos. “O médico brasileiro em geral não tem na graduação aulas adequadas de farmacologia e menos ainda de fitoterapia. Portanto, não prescreve fitoterápicos. A introdução de informações sobre fitoterapia na graduação médica e os cursos do Ministério da Saúde (MS) de fitoterapia para médicos do Sistema Único de Saúde (SUS) são muito importantes para tentar reverter o quadro atual de desconhecimento”, assinala, lembrando que o aumento do consumo de fitoterápico está ligado também à propaganda do medicamento, permitida no Brasil, e também às estratégias de marketing das farmácias, colocando os produtos em evidência ou repetindo em prateleiras ou perto do caixa. “Sempre se levando em conta as prescrições e as informações precisas aos pacientes. As bulas produzidas pelos farmacêuticos trazem importantes dados sobre os medicamentos, desempenhando um papel importante tanto para a classe médica quanto para os consumidores”, finaliza Maria Fátima.

Atuação dos fabricantes

De acordo com as empresas, a indústria tem feito seu papel, e as expectativas de evolução do setor são promissoras. A médica responsável pelo Departamento de Pesquisa, Desenvolvimento e Inovação da Marjan Farma, Rita de Cássia Salhani Ferrari, revela que, apesar da desaceleração da economia em 2015 e da alta do dólar, que reflete nos custos da aquisição da matéria-prima importada, o setor vem gerando oportunidades interessantes. “A empresa que possui portfólio de 32 produtos, dos quais oito são fitoterápicos, teve crescimento expressivo em vendas em um importante medicamento fitoterápico anti-inflamatório. Em relação a 2014, o aumento de vendas registrado foi de aproximadamente mil vezes especificamente para esse produto”, diz Rita, ressaltando que a expectativa da empresa é lançar pelo menos um medicamento fitoterápico em 2016. A médica destaca ainda os investimentos realizados em educação continuada. “Os setores acadêmico e produtivo e os responsáveis pela prescrição médica têm se aprofundado em temas importantes relativos à fitoterapia”, explica.

O gerente de Marketing Consumo do Herbarium Laboratório Botânico, Bruno Gallerani, informa que o mercado de medicamentos fitoterápicos fechou 2015 com um crescimento expressivo. “Acreditamos que esse setor apresentará constante aumento. Isso se deve ao fato de que existe uma busca cada vez maior por soluções menos prejudiciais e por uma vida mais equilibrada e consciente. Muitos produtos fitoterápicos entregam a solução para um problema ou doença, sendo suas contraindicações muito menores que as dos medicamentos sintéticos.” Atualmente, o Herbarium apresenta 45 linhas de produtos e prevê lançar mais de dez itens no primeiro semestre de 2016. “Este ano lançaremos medicamentos, cosméticos e chás e continuaremos nossas pesquisas em nutricosméticos. Na área de medicamentos, teremos uma opção nova para desobstrução das vias nasais com uma apresentação específica para crianças”, informa Gallerani.

O Aché revela que os últimos anos foram positivos em termos do segmento de fitomedicamentos. Em março de 2015, a companhia fechou um acordo com a farmacêutica Silanes para lançar um anti-inflamatório no México. Em dezembro de 2014, a companhia já havia conquistado parceria para exportá-lo ao Japão e países da América Latina. O produto vem obtendo registro em diferentes países e, recentemente, teve a patente concedida em todo o continente Europeu. “Isso mostra o sucesso do produto, desenvolvido 100% no Brasil com base na biodiversidade do País. Por isso, acreditamos no crescimento do mercado de medicamentos fitoterápicos no Brasil”, afirma o diretor de Marketing e Geração de Demanda do Aché, Marcelo Neri, lembrando que, com a vigência do novo Marco Legal, que regula o acesso à biodiversidade brasileira para fins de pesquisa científica e desenvolvimento tecnológico (Lei no. 13.123/2015), a companhia retoma a avaliação de mais de 20 oportunidades de projetos.

O Grupo Natulab espera alcançar R$ 23 milhões em novos negócios. O novo presidente da empresa, Wilson Borges, revela que o objetivo é fazer da companhia uma das dez principais empresas da indústria farmacêutica até 2018. Segundo o IMS Health, na classificação por unidades comercializadas, o Grupo é líder em produção e venda de medicamentos fitoterápicos no Brasil, ocupa a 6ª posição no mercado Over the Counter (OTC) em unidades e é o 9º colocado em vendas de similares. Em 2016, abriu seu primeiro escritório em São Paulo, onde prevê o lançamento de novas linhas de produtos, com o objetivo de se tornar uma das dez principais empresas do País em seu ramo de atuação. Em seu portfólio, o Grupo Natulab possui uma linha de produtos com 500 apresentações, entre eles o Seakalm (Passiflora incarnata), StarforC (aspartato de arginina e ácido ascórbico), Varivax (Aesculus hippocastanum), Arlivry (Hedera helix) e Matherlly (suplemento vitamínico mineral).

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Registros do ponto de venda

Também no varejo farmacêutico o segmento de fitomedicamentos vem conquistando espaço. De acordo com a diretora financeira e farmacêutica das Farmácias Super Popular, associadas à Federação Brasileira das Redes Associativistas e Independentes de Farmácias (Febrafar), Pollyanna Tamascia, fitoterápicos representam hoje aproximadamente 4% das vendas totais da rede. “O mercado para essa classe de medicamentos vem aumentando, e alguns motivos são a busca por terapêuticas menos agressivas e um estilo de vida com hábitos mais saudáveis. Isso traz uma ampliação do número de consumidores do segmento”, explica. “As grandes empresas também voltaram sua atenção para esse mercado, tornando-o mais competitivo e trazendo mais investimentos, o que resulta em novos lançamentos.” O diretor administrativo das Farmácias Bigfort, associadas à Febrafar, Rogério Lopes Júnior, revela que o segmento de fitomedicamentos corresponde a cerca de 5% do total do faturamento da empresa. No entanto, ele faz uma ressalva: “Considero esse mercado ainda instável porque, eventualmente, alguma empresa aparece com uma solução mágica para todos os males com a utilização de algum fitoterápico. Quando isso não ocorre, o mercado se mantém, porque já existe uma parcela de consumidores que utilizam esse tipo de medicamento.”


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Essa matéria faz parte do Especial Fito 2016.

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