Fitoterápicos têm normas rígidas de apresentação

O fato de serem à base de plantas não significa que esses medicamentos tenham regras mais simples. Testes também seguem os mesmos preceitos de outros tipos de medicação regulados pela Anvisa

Produzidos a partir de plantas frescas ou secas e de seus derivados que ganham diferentes formas farmacêuticas, como xaropes, soluções, comprimidos, pomadas, géis e cremes, os fitoterápicos seguem rigorosos testes pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) antes de ser liberados ao consumo.

Eles são obtidos empregando-se exclusivamente derivados de droga vegetal como constituintes ativos, considerando o conhecimento da eficácia e dos riscos de seu uso, assim como pela constância de sua qualidade. A eficácia e a segurança são validadas por meio de levantamentos etnofarmacológicos de utilização, publicações tecnocientíficas ou estudos farmacológicos e toxicológicos pré-clínicos e clínicos.

Segundo a Anvisa, a segurança também é determinada pelos ensaios que comprovam a identidade da planta e a ausência de contaminantes. A qualidade deve ser alcançada mediante o controle das matérias-primas, do produto acabado e dos materiais de embalagem, além da formulação farmacêutica e dos estudos de estabilidade. Sua apresentação segue as mesmas regras de controle exercidas para outros tipos de medicamentos.

Credibilidade de uso

“Tradicionalmente, o consumidor brasileiro tem grande apreço e aceitação pelos produtos ditos naturais, embora os fitoterápicos passem por importantes processos tecnológicos durante a sua concepção”, afirma o professor de pós-graduação nas áreas de Fitoterapia e Farmacoterapia do Instituto de Pesquisa e Pós-Graduação para o Mercado Farmacêutico (ICTQ), Lincoln Marcelo Lourenço Cardoso. “Só o fato de possuírem extratos vegetais como constituinte ativo principal aproxima o usuário do produto. Contudo, é importante destacar que os fitoterápicos também são medicamentos, podendo trazer consigo riscos equivalentes a outras classificações de medicamentos se utilizados sem a devida orientação.”

Etapas da execução

O processo de pesquisa e desenvolvimento de um fitoterápico é bastante complexo, como explica Cardoso. Envolve etapas que vão desde a seleção e a identificação botânica da espécie em estudo, passando pela obtenção e avaliação química de seu extrato bruto, até o estudo detalhado de seus constituintes químicos e suas propriedades toxicológicas e farmacológicas. “Tudo isso sem contar a fase de delineamento, validação e padronização da forma farmacêutica”, destaca.

De modo geral, todo o processo dura, em média, de dez a quinze anos, e requer uma soma significativa de investimento financeiro. “Por esse motivo, as pesquisas se concentram em algumas instituições públicas ou privadas, além de alguns poucos centros de pesquisa vinculados à indústria que dispõem de recursos. Ampliar o potencial de pesquisa e o desenvolvimento de novas tecnologias e inovações é fundamental para a consolidação e expansão do mercado, que é extremamente dependente de evidenciação científica”, completa Cardoso.

Existem aproximadamente 400 medicamentos fitoterápicos registrados na Anvisa, sendo que estão na prateleira nove pedidos de registros aguardando análise da Agência. No caso de novos registros, são avaliados os estudos que comprovam a segurança e a eficácia do produto, inclusive com a necessidade de pesquisa clínica, caso seja um novo extrato ou uma nova associação. Depois que a empresa prepara o processo de registro de um medicamento fitoterápico, o tempo de análise da qualidade, segurança e eficácia do produto por parte da Anvisa dura cerca de um ano.

Alterações legislativas

Mas há casos em que o processo tornou-se mais simples. Em 2014, a Anvisa criou uma nova classificação, a do Produto Tradicional Fitoterápico. Nela, se encaixam os extratos vegetais de uso tradicional e comprovado no País. Se a indústria optar por registrar ou notificar um produto por essa nova categoria, poderá considerar o uso tradicional da planta medicinal como critério de eficácia, ou seja, não será necessária a realização de estudos clínicos, desde que seja comprovado uso seguro e efetivo para um período mínimo de 30 anos.

Principais apresentações de fitoterápicos

Comprimidos
Apresentação farmacêutica, necessariamente industrializada, de uso oral, com absorção sistêmica, ou seja, os princípios ativos oriundos da droga vegetal e ou extrato seco presentes na formulação, após a desintegração e dissolução nos fluidos corporais, atingirão a circulação sanguínea para então chegar ao sítio-alvo, onde exercerão sua atividade terapêutica.

Cápsulas
Apresentação farmacêutica industrializada ou manipulada em farmácias magistrais, geralmente de uso oral, com absorção sistêmica. O tempo de ação é relativamente mais rápido do que do comprimido.

Chás
Referem-se à apresentação aquosa, constituída de uma infusão ou de cocção da droga vegetal em água fervente, que consegue extrair os princípios ativos para ser tomados por via oral a fim de obter também absorção sistêmica, porém em menor magnitude que os comprimidos e cápsulas por ser menos concentrada em princípios ativos que as outras.

Semissólidos, Muitas vezes chamados genericamente de pomadas, são subclassificados em:

• Pomadas
Apresentações pastosas e gordurosas nas quais os derivados vegetais (extratos hidroalcoólicos, tinturas) estão dispersos numa base farmacêutica, constituída de matérias-primas gordurosas, como lanolina, vaselina, etc. São de ação epidérmica, ou seja, ficam retidas na superfície da pele com pouca ou nenhuma absorção dos princípios ativos pela camada cutânea. São indicadas, sobretudo, para proteção física ou mecânica da pele, quando esta se encontra fisicamente fragilizada.

• Géis hidrofílicos – Apresentações com alguma consistência, porém de natureza aquosa, nas quais os derivados vegetais estão dispersos em uma base farmacêutica constituída por matérias-primas gelificantes, como carbômeros e hidroxietilcelulose. São de ação epidérmica, mas se concomitantemente utilizados com alguma prática fisiátrica (sonoforese, iontoforese), podem promover absorção nas camadas interiores da pele, chegando a uma ação endodérmica.

• Cremes – Apresentações emulsificadas, constituídas de uma parte aquosa e outra oleosa, intimamente misturadas, nas quais os derivados vegetais estão dispersos nesta base farmacêutica anfifílica. Esta característica faz com que seja o semissólido de maior afinidade à pele, promovendo uma excelente permeação cutânea, o que permite muitas vezes uma ação endodérmica (nas camadas mais profundas da pele) e também diadérmica (podendo chegar à circulação sistêmica).

Fonte: membro do Grupo de Práticas Integrativas e Complementares do Conselho Federal de Farmácia (CFF), Nilton Luz Netto Junior


Etapas até chegar ao consumidor final

•    Captação de oportunidades.
•    Avaliação preliminar (screening), com testes fitoquímicos ou farmacológicos da planta em potencial.
•    Estudos mais detalhados para definição de um marcador químico para realização de testes de controle de qualidade.
•    Definição do melhor derivado vegetal (extrato, tintura, óleos).
•    Prospecção de produtores da planta e fornecedores do derivado que sigam as boas práticas exigidas pela legislação vigente.
•    Execução de testes para avaliação da segurança.
•    Desenvolvimento do produto final, com testes de produção e de controle de qualidade.
•    Realização de estudos clínicos para garantia da sua eficácia.
•    Elaboração do dossiê de registro contendo as informações dos itens acima para comprovar a segurança, eficácia e qualidade do produto para submissão à Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa).
•    Anuência da Anvisa atestando que o produto pode ser comercializado.
Fonte: Associação Brasileira das Empresas do Setor Fitoterápico, Suplemento Alimentar e de Promoção da Saúde (Abifisa)

“As normas de fitoterápicos foram revisadas pela Anvisa, facilitando o registro e a notificação. Atualmente, esses produtos estão divididos em medicamentos fitoterápicos, em que a comprovação de segurança e de eficácia é realizada por meio de estudos clínicos, e produto tradicional fitoterápico, por demonstração de tempo de uso. A tentativa é aproximar as normas brasileiras com as internacionais que, muitas vezes, são mais flexíveis do que as nacionais”, afirma a professora titular da Faculdade de Ciências Farmacêuticas da Universidade de São Paulo (USP), Elfriede Marianne Bacchi.

No que se refere à comercialização nos pontos de venda, segundo a Anvisa, os fitoterápicos seguem as mesmas regras de qualquer medicamento – os isentos de prescrição podem estar na área de autosserviço, enquanto os de venda sob prescrição médica devem ser mantidos atrás do balcão. Em termos de apresentações, os fitoterápicos também não se distanciam dos medicamentos sintéticos. O que define cada caso, segundo a agência reguladora, são as próprias características farmacológicas do produto.

“A apresentação é importante para definir o tempo e a forma de absorção do produto pelo organismo, a escolha do formato está intrinsecamente ligada ao desempenho do medicamento e é avaliada no momento do registro”, afirma a Anvisa. “De forma geral, as diversas apresentações têm as mesmas indicações que os medicamentos tradicionais, como, por exemplo, pomadas para uso tópico, cápsulas e comprimidos para uma ação mais sistêmica”, observa o pesquisador do Centro Brasileiro de Informações sobre Drogas Psicotrópicas da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), Ricardo Tabach.

“Dependendo da formulação e do extrato vegetal, podem-se ter efeitos totalmente diversos”, esclarece Elfriede. “Comprimidos podem ser revestidos, ter liberação programada. Nanopartículas também podem ser utilizadas. Seja como for, há necessidade de estudar cada extrato vegetal, sua composição química, o efeito desejado e encontrar a melhor formulação”, completa a professora.

“Quando se usa a planta seca, a absorção do princípio ativo pode sofrer alteração, pois esta deverá ser liberada da matriz vegetal durante o processo digestivo”, acrescenta o professor coordenador do curso de Farmácia do Centro Universitário São Camilo, Alexsandro Macedo Silva. “Medicamentos fitoterápicos são padronizados e industrializados com qualidade comprovada estejam em qualquer forma farmacêutica, comprimidos, pomadas, etc. Já os chás não têm esse padrão de qualidade”, pondera a professora de Farmacognosia da Faculdade Oswaldo Cruz, Nilsa Sumie Yamashita Wadt.

Fitoterápicos também podem ser manipulados nas farmácias magistrais. Nesse caso, seguem a prescrição individual realizada por um profissional de saúde habilitado ou as formulações incluídas no Formulário de Fitoterápicos da Farmacopeia Brasileira (FFFB 1) publicado pela Anvisa.

No primeiro caso, segundo a Agência, o usuário passará por uma consulta, em que o prescritor estabelecerá a matéria-prima vegetal adequada ao seu medicamento, estabelecendo a forma farmacêutica, a dosagem, a posologia e o tempo de uso. No segundo caso, a farmácia magistral poderá produzir um estoque mínimo do fitoterápico, desde que siga a formulação constante do FFFB 1.

Segundo a Anvisa, tanto manipulando um fitoterápico atendendo a uma prescrição individualizada ou a uma formulação farmacopeica, a farmácia magistral deverá garantir sua eficácia e segurança, atendendo às boas práticas vigentes. A indústria farmacêutica produz lotes em série do fitoterápico, atendendo prioritariamente ao segmento de drogarias, devendo, portanto, obter o registro prévio da Anvisa para a sua comercialização em todo o território nacional.

Fito 2015

Especial Fito 2015

Essa matéria faz parte do Especial Fito 2015.

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