Incentivo ao uso dos fitoterápicos

Aumentar o conhecimento por parte da comunidade médica e sociedade é o principal desafio do setor

No Brasil, o mercado de medicamentos fitoterápicos tem aumentado continuamente, acompanhando o crescimento da indústria farmacêutica como um todo. Apesar disso, estima-se que apenas 10% das pessoas consumam esse tipo de produto. Há um potencial ainda muito grande a ser explorado. O principal desafio esbarra no desconhecimento dos efeitos dos fitoterápicos principalmente pela classe médica. 

Dados da Associação Brasileira das Empresas do Setor Fitoterápico, Suplemento Alimentar e de Promoção da Saúde (Abifisa) revelam que as prescrições médicas desses medicamentos ainda são inferiores às dos países desenvolvidos. “O médico brasileiro, em geral, não tem na graduação aulas adequadas de farmacologia e menos ainda de fitoterapia. Portanto, não prescrevem fitoterápicos porque não conhecem”, afirma a presidente da Associação Médica Brasileira de Fitomedicina (Sobrafito), Dra. Maria Fátima de Paula Ramos.

O professor de Medicina e Nefrologia da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), Dr. Nestor Schor, concorda que os médicos desconhecem os fitoterápicos e se mostra reticente sobre seu uso. “Não fazem parte da grade curricular na graduação, residência nem mesmo de pós-graduação das instituições mais estabelecidas. O papel da universidade seria o de testar os fitoterápicos, iniciando pelos mais utilizados pela população. O financiamento para tal é precário, quase inexistente”, frisa, lembrando também a questão burocrática para se formular convênios entre universidade e indústria, o que poderia colaborar para deslanchar o setor. 

Para o farmacêutico e coordenador da Comissão de Plantas Medicinais e Fitoterápicos do Conselho Regional de Farmácia de São Paulo (CRF-SP), Luis Carlos Marques, a classe médica tem pouca proximidade ou afinidade com a fitoterapia e concorda que a falta de abordagem nos cursos de graduação é um complicador. “Essa dificuldade decorre do tamanho do curso médico, em que faltam espaços para vários temas, não só a fitoterapia, criando um senso de que, se não é abordado na graduação, provavelmente não tem base científica. Esse conceito é equivocado. Segundo a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), todos os fitoterápicos passam pelos mesmos testes dos sintéticos. Somente chegam ao mercado medicamentos aprovados pelo órgão. A qualidade é avaliada mediante o controle de matérias-primas, do produto acabado, dos materiais de embalagem e dos estudos de estabilidade. 

Portfólio acadêmico

Analistas do setor defendem a inclusão dos fitoterápicos nas grades curriculares nas faculdades de medicina. “As universidades podem auxiliar, realizando projetos de pesquisa integrados com as prefeituras, tendo a fitoterapia como ponto básico. Na verdade, provando aos médicos que a fitoterapia é eficaz e apresenta menos efeitos colaterais”, afirma a coordenadora do curso de pós-graduação em Fitoterapia Clínica da Faculdade Oswaldo Cruz, Nilsa Sumie Yamashita Wadt. “Por experiência própria, posso falar que os médicos só acreditam e aceitam um projeto com fitoterapia se você mostrar os resultados. Na minha cidade, estamos implantando um plano de pesquisa com cicatrização, mas apenas foi aceito pelo médico responsável se não retirássemos nada do que ele já utilizava, só se acrescentássemos os fitoterápicos. Em vários casos que se arrastavam há muito tempo, sem resultados, com a implantação da fitoterapia conseguimos grandes melhoras e, então, houve a aceitação do médico e o entusiasmo da enfermeira responsável. Foi necessário provar para que tivesse adesão”, completa.

A presidente da Sobrafito revela que algumas especialidades, como a ginecologia, têm utilizado e prescrito fitoterápicos, como a isoflavona da soja. Já é tradicional, segundo ela, cirurgiões vasculares usarem fitoterápicos, como a castanha-da-índia, e há muitos oftalmologistas prescrevendo antioxidantes, que contêm vitaminas, luteína e zeaxantina, derivados vegetais. “Na pediatria, tanto a Hedera helix quanto o Pelargonium sidoides vêm sendo prescritos cada vez mais”, afirma a Dra. Maria Fátima. Na visão da Abifisa, as universidades precisam também promover a integração com as indústrias, contribuindo para o conhecimento e desenvolvimento técnico-científico da fitoterapia. Segundo a entidade, as indústrias farmacêuticas brasileiras estão perfeitamente aparelhadas para produzir medicamentos fitoterápicos dentro dos padrões mais rígidos de controle de qualidade e segurança, além de cumprir todos os requisitos da Anvisa. 

Incentivo público

O fato de a rede pública de saúde oferecer fitoterápicos foi um passo importante para aumentar a adesão a esses medicamentos. Desde 2012, uma dúzia deles são oferecidos nas farmácias do Sistema Único de Saúde (SUS), indicados para tratar dores, inflamações, disfunções e doenças de baixa complexidade. Na avaliação dos especialistas, o cenário deve mudar aos poucos, uma vez que, com a introdução dos fitoterápicos nos tratamentos oferecidos pelo SUS, há uma maturação demorada e, também, falta informação. Apesar de positiva, a medida se mostra insuficiente na opinião da professora Nilsa. “Na verdade, a grande maioria dos municípios desconhece que a rede pública possui fitoterápicos. Como boa parte dos médicos não é adepta à fitoterapia, não há pedidos para as farmácias municipais e, por consequência, não há procura deles na lista de medicamentos do SUS. Só com o esclarecimento dos médicos, farmacêuticos e enfermeiros poderemos reverter esse quadro. Sem contar que alguns medicamentos fitoterápicos possuem o mesmo preço ou são até mais caros que os alopáticos, inibindo sua compra.”

Visando estimular o desenvolvimento e difusão do setor, o governo criou a Política Nacional de Práticas Integrativas e Complementares (PNPIC), lançada em 2006. Dois anos depois, foi instituída a Política Nacional de Plantas Medicinais e Fitoterápicos (PNPMF), com o objetivo de promover o uso racional e seguro de plantas medicinais e fitoterápicos e o desenvolvimento de sua cadeia produtiva, cuja estratégia de implantação passa pelo incentivo aos Arranjos Produtivos Locais (APLs) por meio de editais do Ministério da Saúde (MS). No PNPMF, foram investidos cerca de R$ 30 milhões, segundo o MS. Entre as ações desenvolvidas, estão: a inclusão de fitoterápicos na portaria de financiamento de medicamentos e insumos da Assistência Farmacêutica Básica e na Relação Nacional de Medicamentos Essenciais (Rename); a elaboração da Relação Nacional de Plantas Medicinais de Interesse ao SUS (Renisus), visando direcionamento e fortalecimento da pesquisa com espécies medicinais com potencial de avançar na cadeia produtiva; e o repasse de recursos para secretarias estaduais e municipais de saúde, no valor aproximado de R$ 26,3 milhões, para 66 projetos de plantas medicinais e fitoterápicos no âmbito do SUS. 

“O MS apóia projetos desenvolvidos por secretarias de saúde de estados e municípios que contemplam a capacitação dos profissionais, principalmente prescritores, nos conteúdos relacionados às plantas medicinais e fitoterápicos. O objetivo é ampliar a formação de profissionais de saúde nesse tema”, afirma o diretor do Departamento de Assistência Farmacêutica e Insumos Estratégicos do Ministério da Saúde, José Miguel do Nascimento Júnior. “Além disso, o MS tem promovido capacitações, em formato de Ensino a Distância (EaD), para médicos. Também está previsto para 2016 a capacitação de profissionais farmacêuticos. Cabe às universidades tornar obrigatório o conteúdo de fitoterapia na formação do profissional de saúde”, revela o executivo, lembrando que a primeira turma do curso de EaD ocorreu em 2012 e foi destinada à capacitação de 300 médicos de todas as regiões do Brasil. Está prevista para este ano a realização da segunda turma, com oferecimento de 600 vagas para médicos de todo o País. 

O papel do farmacêutico 

“Fundamental, principalmente por ser o profissional de maior formação na área, com longa tradição em pesquisa, manipulação e industrialização de insumos e medicamentos fitoterápicos”, ressalta Marques, do CRF-SP, sobre o trabalho do farmacêutico na divulgação dos benefícios dos fitoterápicos. “A atuação farmacêutica é marcante em praticamente todas as áreas da fitoterapia, melhorando inclusive o conhecimento e a segurança de outros profissionais na prescrição de produtos fitoterápicos, pois se nota que, ao serem devidamente informados sobre o grau de conhecimento científico existente, os profissionais se sentem mais seguros em iniciar tratamentos com fitoterápicos.” Para isso ocorrer com eficácia, segundo a Abifisa, é preciso que o farmacêutico tenha um suporte técnico adequado, a fim de informar sobre o benefício e a segurança na utilização dos fitoterápicos e começar a inspirar nas pessoas um estilo de vida mais saudável e natural.

A Dra. Maria Fátima, da Sobrafito, também faz questão de salientar o papel do farmacêutico na tarefa de implementar uma fitoterapia consistente e científica e na divulgação dos fitoterápicos. “Nas farmácias, a escolha da medicação tem a participação do farmacêutico que presta assessoria na apresentação do medicamento correto para aquele tratamento – indicações da medicação, estudos realizados, efeitos colaterais estudados, posologia mais adequada. Quando há dúvida, esse profissional entra em contato com o médico.” Na indústria, complementa a presidente da Sobrafito, o farmacêutico participa na elaboração de bulas e treinamento de vendedores. Esse cuidado continua na dispensação do medicamento ao paciente, que é realizado nas farmácias particulares, públicas ou hospitalares, “em um trabalho chamado de atenção farmacêutica, em que o profissional acompanha o uso do medicamento pelo paciente, participando, também, da farmacovigilância comum a todos os medicamentos. Essas etapas são importantíssimas no desenvolvimento de uma terapia científica e consistente”, finaliza. 

 

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Especial Fito 2016

Essa matéria faz parte do Especial Fito 2016.

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