MIPs: muito mais que uma tendência

Os medicamentos isentos de prescrição representam 30% do mercado farmacêutico total e ganham cada vez mais relevância quando passam a ser a primeira opção de escolha da população para o autocuidado

O mercado de Medicamentos Isentos de Prescrição (MIPs) é um grande alvo de crescimento das farmacêuticas pelo País. E muito dos investimentos são reflexo da própria natureza da categoria, que tem se mostrado aliada do consumidor – quando usada de forma responsável – e também da saúde pública. De acordo com a vice-presidente executiva da Associação Brasileira da Indústria de Medicamentos Isentos de Prescrição (Abimip), Marli Sileci, com base em dados da IQVIA de fevereiro de 2020, o segmento é o mais importante do autosserviço farmacêutico.

Apresenta faturamento de R$ 24 bilhões a preço consumidor e cresce 7,1% ante o mesmo período do ano anterior. No entanto, a alta em valor é menor do que outros grandes segmentos, como Cuidados Pessoais, Dermocosméticos, Cuidado Bebê/Infantil e Produtos de Cuidado ao Paciente, os quais avançaram dois dígitos no mesmo período analisado.

Por outro lado, pode-se dizer que o segmento MIP performa muito bem em volume, registrando elevação de 5,9%, com R$ 1,33 bilhão de unidades de vendas. “Esse crescimento mostra que a população continua aumentando o consumo de MIP, que é o grande representante do autocuidado. O empoderamento é essencial para que cada um consiga discernir o que faz bem ou não para sua saúde. Um consumidor mais esclarecido também representa um País mais saudável e desenvolvido”, pondera.

Segundo a executiva, para o varejo, um dos benefícios é que os MIPs são a categoria que mais atrai os consumidores às farmácias e às drogarias. De acordo com dados da IQVIA, 52% da população sempre adquire um MIP quando vai ao ponto de venda (PDV). Além disso, os MIPs ainda contribuem para o consumo de outros artigos.

“De modo geral, os medicamentos são exemplos clássicos de bens ‘inelásticos’, para os quais a relação entre oferta e consumo quase não se altera diante da sua disponibilidade, facilidade de compra ou volume de oferta. Em outras palavras, ninguém vai ingerir mais medicamentos só porque o acesso é mais fácil.”

Marli reforça que o uso dos MIPs é indicado apenas para alívio imediato de alguns sintomas, nunca para substituir um atendimento médico. “Entre os benefícios, estão o conforto do paciente, já que não há necessidade de ir a um serviço de saúde para tratar de um sintoma conhecido; a melhoria da qualidade de vida, visto que os MIPs também englobam produtos de caráter preventivo, como vitaminas e antioxidantes; e o direito assegurado ao usuário de atuar sobre a própria saúde.”

MAIS FORÇA NO MERCADO

O presidente executivo do Sindicato da Indústria de Produtos Farmacêuticos (Sindusfarma), Nelson Mussolini, ressalta que com a incorporação ao mercado, na última década, de dezenas de milhões de pessoas que antes não tinham renda para consumir medicamentos, os MIPs ganharam mais espaço e relevância no mix de produtos da indústria farmacêutica.

Mesmo na atual crise de emprego e renda do País, à qual se somou a paralisação econômica provocada pela pandemia do novo coronavírus, essa tendência continua, alavancada pelo lançamento de novos produtos para diversas classes terapêuticas que mantêm e melhoram a qualidade de vida das famílias. A grande vantagem é serem de baixo risco para a saúde, lembrando sempre que tais medicamentos devem ser tomados de forma responsável e que, persistindo os sintomas, o médico deve ser procurado.

“Sem dúvida, os MIPs cumprem essa dupla função importante e esse fato precisa ser ressaltado permanentemente para a população e os administradores públicos nas três esferas de governo. Por exemplo, na Europa, os MIPs desempenham um papel central nas estratégias de saúde pública, pois, de fato, seu consumo ajuda a reduzir a demanda das pessoas pelos sistemas de saúde públicos e privados, liberando instalações, profissionais e recursos para os casos de maior complexidade”, mostra o executivo.

Ele lembra, ainda, que no Reino Unido, onde o sistema de saúde é integralmente custeado pelo governo, os MIPs são fundamentais para reduzir as pressões orçamentárias em relação aos custos com saúde. “Esta constatação é consensual na Organização Mundial da Saúde (OMS) e entre as autoridades sanitárias dos países desenvolvidos”, reforça Mussolini.

QUALIDADE E SEGURANÇA

Inicialmente, o uso dos MIPs era motivado pela ampla publicidade dos laboratórios em rádios e televisão. Nesse período, muitos pacientes tiveram o quadro clínico comprometido por usarem a medicação de forma errada, sem seguir a posologia e o tempo de tratamento corretamente.

“Depois da Lei 13.021/14, que reconhece farmácias e drogarias como estabelecimentos de saúde, a população tomou ciência da importância da presença do farmacêutico, tornando este profissional uma referência na orientação sobre indicação, contraindicações, interações medicamentosas e promovendo o uso correto desses medicamentos, o que resulta numa maior efetividade dos MIPs na prevenção e no tratamento de males menores”, conta a farmacêutica responsável pelo Departamento de Assuntos Regulatórios da Associação do Comércio Farmacêutico do Estado do Rio de Janeiro (Ascoferj), Betânia Alhan.

Segundo afirma a especialista, os MIPs ganham cada vez mais força no Brasil devido também aos altos custos dos planos de saúde e à calamidade pública na saúde. As farmácias e drogarias se tornaram, assim, o primeiro e, às vezes, único acesso da população à saúde e ao medicamento.

DESEMPENHO NAS INDÚSTRIAS

Os MIPs fazem parte da primeira linha de tratamento ou acesso à saúde de boa parte da população brasileira que vê, na farmácia, um ponto de apoio para atendimento de suas necessidades de saúde e bem-estar. “Além disso, o Brasil particularmente é um País onde o acesso à saúde é limitado, principalmente para a população de baixa renda, sobretudo aos serviços médicos, sendo frequentemente necessário recorrer à farmácia como ponto de acesso, tanto para orientação em saúde quanto tratamento de distúrbios menores”, comenta o diretor de P&D e Assuntos Regulatórios da Natulab, Olavo Souza Rodrigues.

O diretor comercial da J&J Consumer Health, Sílvio Silva, considera que o mercado de MIPs consolida a segunda maior categoria em vendas nas farmácias no Brasil, atrás apenas de RX (medicamento que necessita de prescrição).  “Para a J&J, o Brasil é um mercado muito importante e estratégico, onde tomamos decisões com um olhar no médio e longo prazo, pensando em aumentar nossa presença de marca. Temos alcançado bons frutos e devemos seguir apostando no País”, pontua.

Para a FQM, a boa performance de MIPs se deve a uma maior maturidade do consumidor e à procura pelo autocuidado (que inclui autotratamento e automedicação) por parte da população em geral.

O diretor VP de marketing e demanda FQM Consumo, Jorge Luis Duhalde, afirma que esta tem sido uma oportunidade para o desenvolvimento e comercialização de diversas soluções para doenças simples. Pondera-se, ainda, custos bem acessíveis na maioria das categorias dos MIPs, quando se compara a outros tipos de doenças ou alternativas terapêuticas de prescrição. O faturamento da empresa com MIPs é de R$ 223 milhões.

Na EMS, o crescimento médio da empresa com MIPs nos últimos cinco anos, é de 11%, registrando faturamento, nos últimos 12 meses, de R$ 695,1 milhões com a categoria. A gerente de marketing da EMS Marcas, Aline Souza Mendonça, lembra que os MIPs são excelentes para o autocuidado, já que evitam idas desnecessárias a hospitais e, no momento atual, são de suma importância nesse sentido.

“Temos hospitais lotados por conta do Covid-19 e a instrução é de que a população não vá até esses locais, somente em caso de extrema necessidade. Assim, os MIPs, utilizados de forma consciente e responsável, tratam problemas de saúde e auxiliam tanto a população quanto a saúde púbica, que pode direcionar seus esforços para situações mais urgentes, em momentos de pandemia ou não.”

Outro ponto relevante, segundo a executiva, é que, para o medicamento ser aprovado pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), nesta categoria, deve ser seguro, ter alto perfil de eficácia e baixo potencial de toxicidade e risco, curto período de uso, entre outros. “As autoridades sanitárias, especialistas no assunto, fazem uma avaliação minuciosa com dados para efetuar essa classificação.”

Para o mercado de Naturais, do qual a Herbarium é referência, os MIPs têm grande relevância. Muitos deles são fitoterápicos, e também da Heel, empresa que a Herbarium representa no Brasil. Portanto, eles fazem parte dos produtos foco do portfólio da companhia.

O diretor comercial da Herbarium, Renato Gonçalves, revela que o crescimento da linha de MIPs trabalhados como focos pela Herbarium em 2019 foi de mais de 20%.

“A Herbarium já foi responsável pela entrada de vários produtos novos no Brasil, artigos que hoje estão com seus mercados consolidados. Para esses itens, o resultado vem por meio do trabalho no trade e depende, obviamente, do sucesso na divulgação, informação, distribuição e visibilidade no PDV.”

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