Os segredos dos fitoterápicos

Quando se tratam de matérias-primas naturais, cuidados no plantio, colheita, manipulação e parte da planta utilizada, há alteração no resultado final obtido, por isso o controle sobre a fabricação de medicamentos fitoterápicos é alto

Aflora brasileira abriga uma riqueza imensurável quando se fala de tratamentos médicos naturais. As florestas do País guardam a maior biodiversidade do planeta, com mais de 50 mil espécies de plantas. Entre toda essa variedade, apenas 10% dos vegetais já têm a propriedade conhecida e explorada pelos fabricantes de medicamentos fitoterápicos.

Para que seja possível extrair o melhor dessas plantas, é preciso seguir um processo rigoroso, desde o plantio até a manipulação dos extratos. Qualquer mudança dentro do processo altera o resultado final desejado.

“Para cada parte da planta a ser usada, grupo de princípio ativo a ser extraído ou doença a ser tratada, existem forma de semeadura, preparo do solo, ponto de colheita e manipulação para extração mais adequados”, explica a farmacêutica da Universidade de São Paulo (USP) e médica especialista em clínica médica com mestrado em Saúde Coletiva pela Santa Casa de São Paulo, Dra. Karina Kiso. 

A parte da planta a ser utilizada também tem grande influência no tipo de medicamento que se quer obter, isto porque a distribuição das substâncias ativas numa planta pode ser bem irregular. Alguns grupos de substâncias localizam-se preferencialmente em partes específicas: os flavonoides, de maneira geral, estão mais concentrados na parte aérea da planta. Na camomila, as substâncias estão mais concentradas nas flores.

“É necessário conhecer que parte deve ser colhida para que se possa estabelecer o ponto ideal. O estágio de desenvolvimento é muito importante a fim de que se determine o ponto da colheita, principalmente, em plantas perenes e anuais de ciclo longo, em que a máxima concentração é atingida a partir de certa idade e/ou fase do desenvolvimento”, complementa a Dra. Karina.

Insumos em detalhes 

Existem exemplos práticos que mostram como o ponto de colheita varia de acordo com o órgão da planta, estágio de desenvolvimento e época do ano e hora do dia. O jaborandi, por exemplo, planta de pequeno porte cujas propriedades auxiliam no combate ao ressecamento dos olhos, boca e pele, apresenta baixo teor de pilocarpina (alcaloide) quando jovem. Ou seja, se extraída em um estágio inicial de desenvolvimento, essa planta não terá a mesma eficácia no tratamento, pois ainda possui pouca quantidade do princípio ativo.

Já o alecrim, mais comumente utilizado in natura na culinária, apresenta maior teor de óleos essenciais após a floração, sendo uma das exceções entre as plantas medicinais de um modo geral. Esse óleo tem diferentes aplicações, como combate à caspa, crescimento dos fios, alívio de sinais de acne e celulites e ainda é eficaz no tratamento de enxaquecas, pressão baixa, retenção de líquidos e problemas no aparelho respiratório.

Outro exemplo das sutilezas da utilização das plantas como medicamento é a existência da Passiflora incarnata e da Passiflora alata. O nome semelhante se deve ao fato de que ambas as substâncias são obtidas do maracujá, mas de espécies diferentes da fruta. Ambas possuem uma boa quantidade de flavonoides, por isso são indicadas para casos semelhantes, como tratamento da insônia, ou seja, com a mesma atividade farmacológica.

No entanto, nem sempre espécies da mesma família botânica têm o mesmo uso. “O maior perigo é quando se usa uma espécie da mesma família botânica, mas sem as mesmas substâncias, podendo não ter a atividade esperada, ou pior, apresentar uma alta toxicidade”, alerta a integrante da Comissão Assessora de Fitoterápicos e Plantas Medicinais do Conselho Regional de Farmácia do Estado de São Paulo (CRF-SP), Dra. Caroly Cardoso.

Outro caso que ganhou repercussão nos jornais recentemente foram os medicamentos à base de canabidiol, um dos 80 princípios ativos encontrados na maconha. Quando utilizada isoladamente, a substância apresenta resultados positivos no tratamento de certas doenças neurológicas graves. Já a planta da maconha usada em toda a integridade é considerada entorpecente e psicotrópica.

Além dos cuidados no plantio e na colheita, a manipulação dos fitoterápicos também deve respeitar algumas regras importantes. As infusões, os xaropes, as tinturas, entre outros processos de fabricação, devem ser realizados em recipientes de ágata, vidro, inox, porcelana ou cerâmica. Peças de ferro e alumínio podem reagir com algumas plantas e produzir substâncias tóxicas. “O farmacêutico é fundamental para acompanhar todas as etapas dessa cadeia produtiva, trabalhando em conjunto com outros profissionais envolvidos no processo”, lembra a Dra. Caroly.

Aspectos regulatórios

Devido a tantas particularidades no processo de fabricação dos fitoterápicos, as normas de controle impostas pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) são bem rigorosas. Apesar de admitir que a forte regulação atrapalhe a expansão do mercado, a Associação Médica Brasileira de Fitomedicina (Sobrafito) defende uma forte fiscalização, pois muitos extratos não conseguem manter a reprodutividade da qualidade.

“Essa é uma dificuldade geral. Nos Estados Unidos e Europa, o problema é o mesmo. Fontes duvidosas dos extratos, a grande maioria dos casos de origem asiática, são suspeitas de fraude e contaminação”, conta o médico cofundador e primeiro presidente da Associação Médica Brasileira de Fitomedicina (Sobrafito), Dr. José Roberto Lazzarini Neves.  

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