A carga tributária nacional corresponde, segundo estudos realizados pela Receita Federal do Brasil, a 32,71% do Produto Interno Bruto (PIB).
As projeções não oficiais estimadas para este ano são de uma carga tributária da ordem de 32%, segundo dados do Sindicato da Indústria de Produtos Farmacêuticos do Estado de São Paulo (Sindusfarma), o que demonstra a tendência de elevação, mesmo em momentos de retração econômica.
Não bastasse a elevada carga tributária, isso se comparada com outros países em condições semelhantes de desenvolvimento e qualidade de serviços públicos, sua distribuição no Brasil tem aumentado gradativamente sobre a tributação de bens e serviços (51,02% em 2014). Essa concentração exacerbada sobre uma só base de incidência tem por efeito a “regressividade”2 do sistema tributário, de forma a onerar de modo desigual os contribuintes de menor renda, os quais comprometem parte considerável da sua renda consumida com a aquisição de bens e serviços indispensáveis para a manutenção do mínimo vital.
Em época de crise e desestímulo à poupança, a insistência na tributação sobre base de incidência nitidamente causadora de desigualdade e concentração de renda só se justifica mediante argumentos exclusivamente arrecadatórios.
Ademais, a dificuldade em identificar a real carga tributária por parte do contribuinte de fato, quando a concentração da tributação se dá preferencialmente sobre o consumo e mediante a utilização de tributos indiretos, é uma das formas encontradas para evitar que a grande massa de contribuintes de baixa renda, em regra, isentos de tributos sobre a propriedade e sobre a renda, não tenha a seu alcance, de imediato, as informações necessárias sobre a real “fatia” da renda consumida com a exigência de tributos e por eles integralmente suportada3.
Segundo observação das pesquisadoras do Núcleo de Estudos Fiscais (NEF) da Fundação Getulio Vargas (FGV) Direito/SP, Laura Romano Campedelli e Gisele Barra Bossa: “A escolha da política fiscal está geralmente relacionada ao nível de consentimento (ou não) do cidadão em pagar o tributo. Assim, ao se tributar a renda, atingem-se contribuintes conscientes e coniventes com a tributação. Ao se tributar o consumo, de forma mascarada, atingem-se contribuintes que discordam da tributação e apresentam maior propensão a sonegar. Essa perspectiva é adotada por diversos estudos de ciência política e economia política, que relacionam as escolhas de política fiscal ao tipo de regime político (democrático ou não democrático) de determinado país”4.
Carga tributária sobre medicamentos
Entre esses bens indispensáveis à manutenção do mínimo vital se encontram os medicamentos, cuja carga tributária, aproximada e prevista para 2019, é de 32%; segundo estudos do setor. Esse percentual torna o Brasil um dos países recordistas na tributação sobre medicamentos no mundo e supera os 37 países integrantes da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) e do grupo dos Brics (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul), conforme gráfico a seguir:
A título exemplificativo, Austrália, Canadá, Irlanda, México, Suécia, Reino Unido e Rússia não embutem nenhum imposto nos custos dos medicamentos, sendo que na Polônia e Turquia, a carga tributária é de 8%; e no Chile e na Alemanha, de 10%, segundo o presidente executivo do Instituto Brasileiro de Ética Concorrencial (ETCO), Roberto Abdenur.
INCIDÊNCIA DE IMPOSTOS SOBRE MEDICAMENTOS EM ALGUNS PAÍSES
Fontes: BCG – Global Management Consulting, Instituto Brasileiro de Planejamento Tributário (IBPT)
Importante anotar que segundo a Pesquisa de Orçamentos Familiares (POF) – do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) – de 2008/2009, os gastos com saúde estão em quarto lugar nas despesas familiares e os medicamentos representam 48% deste total; além disto, 52% dos brasileiros abandonam o tratamento médico por falta de recursos para adquirir os medicamentos prescritos.
Em conclusão, é evidente que o Brasil, ao insistir na concentração da tributação sobre o consumo de bens e serviços, inclusive naqueles necessários e indispensáveis à manutenção do mínimo vital, segue em sentido contrário aos modelos de tributação adotados pelos demais países, mormente em relação ao setor de medicamentos. Além de manter política fiscal com o evidente intuito de ocultar e dissimular a real carga tributária, principalmente dos contribuintes de baixa renda, a regressão do sistema onera preferencialmente os contribuintes de menor poder aquisitivo.
Não bastasse isso, a complexidade da legislação tributária sobre o setor de medicamentos possui o efeito perverso de aumento nos chamados custos de conformidade (compliance costs of taxation)5. Isso torna o País um dos líderes mundiais em burocracia tributária, cujos custos, aliados à carga tributária propriamente dita, torna o ambiente de negócios extremamente desfavorável e desmotivador de novos empreendimentos.
Quais são os tributos que compõem o preço dos medicamentos?
A tributação sobre o consumo, mormente no setor de medicamentos, se dá mediante exigência de diversas espécies tributárias (e não tributárias), exigidas não só pelas três esferas de poder (federal, estadual e municipal), bem como por agências reguladoras [por exemplo: Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa)]e entidades paraestatais [Serviço Social do Comércio (Sesc), Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial (Senac), Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (Senai), Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae), etc.].
BRASIL CARGA TRIBUTÁRIA NO PREÇO FINAL
Fonte: Instituto Brasileiro de Planejamento Tributário (IBPT)– maio de 2008
Elaboração: Sindicato da Indústria de Produtos Farmacêuticos no Estado de SP (Sindusfarma) – Gerência de Economia
São impostos [por exemplo: Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI), Imposto de Importação (II) e Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS)], taxas [por exemplo: Taxa de Fiscalização de Vigilância Sanitária (TFVS), Taxa de Licença de Funcionamento (TLF)], contribuições sociais [por exemplo: Programa de Integração Social (PIS) e Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social (COFINS)]e demais espécies, que incidem direta ou indiretamente sobre a cadeia negocial de medicamentos.
A carga tributária total pode ser medida ou mensurada de várias formas. Apenas levando em consideração a tributação incidente sobre a venda propriamente dita (venda ao consumidor final ou contribuinte de fato da tributação sobre o consumo), sobre a tributação incidente em toda a cadeia negocial, ou então, calculada sobre todos os custos tributários, diretos e indiretos relacionados à atividade de produção, importação, distribuição e comercialização dos produtos.
Se adotada a fórmula mais abrangente, os tributos incidentes direta e indiretamente sobre a atividade econômica de produção/importação, distribuição e venda de medicamentos, envolve os seguintes tributos: Imposto sobre a Propriedade de Veículos Automotores (IPVA), Imposto Predial e Territorial Urbano (IPTU), TFVS, Imposto de Renda Pessoa Jurídica (IRPJ), Imposto Sobre Operações Financeiras (IOF), contribuições sindicais, Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico (CIDE)/royalties/remessas para o exterior, contribuição social sobre a folha de salários, Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL), II, IPI, ICMS, PIS/COFINS, ICMS e Imposto Sobre Serviços (ISS) (na venda de medicamentos diretamente a consumidor final pelas farmácias de manipulação) e inclusive o Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS), que apesar de tecnicamente não se tratar de tributo, trata-se de mais um custo sobre a folha para o empregador.
Se a escolha for pela fórmula mais restrita, ou seja, aquela que não leva em consideração todos os custos tributários/fiscais envolvidos, mas apenas os tributos incidentes sobre a cadeia negocial, o cômputo da carga tributária se restringe apenas aos tributos incidentes sobre a produção e o consumo. São eles: II, IPI, PIS/COFINS, ICMS e ISS (este último somente exigível na venda de medicamentos diretamente ao consumidor final pelas farmácias de manipulação).
TRIBUTOS QUE INCIDEM SOBRE MEDICAMENTOS NO BRASIL
- IPI, ICMS, PIS e Cofins, tributos incidentes sobre circulação e faturamento;
- ISS sobre a prestação de serviços;
- Imposto Sobre Importação (II), incidente sobre a compra do exterior de componentes para a fabricação de medicamentos;
- Contribuição Previdenciária, FGTS e Terceiros (Sistema S), sobre folha de pagamento;
- IOF, sobre operações financeiras;
- IRPJ e CSLL, sobre o lucro obtido;
- IPVA, sobre a frota própria de veículos;
- IPTU, sobre o imóvel urbano próprio;
- Sindicais e Entidades de Classes, que são os valores pagos a instituições representativas de classe;
- Contribuições de Melhorias, sobre eventuais melhorias na urbanização do local da sede da empresa;
- Taxas da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), que são os pagamentos à entidade de fiscalização do setor;
- CIDE – Royalties, pela utilização de patentes e licenças internacionais.
A tributação sobre o consumo no Brasil se dá essencialmente mediante a utilização da tributação indireta, qual seja, por meio de tributos que: “incidem sobre o preço das mercadorias e serviços”, e que “comportem, por sua natureza, transferência do respectivo encargo financeiro a terceiros”
Vale dizer: “O tributo indireto tem a propriedade de onerar o processo produtivo sendo que, na ausência de mecanismos de compensação, transfere cumulativamente às mercadorias vendidas ao consumidor final o tributo exigido em cada etapa intermediária. O ICMS é o principal tributo indireto no sistema tributário brasileiro, representando, em média, 25% da carga fiscal bruta.” [Receita Federal do Brasil (RFB)]. Dada a escolha feita pela preponderância da tributação indireta no setor de medicamentos, o contribuinte de “fato”, ou seja, aquele que suporta o encargo financeiro desses tributos, acaba sendo o consumidor final.
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