Prática Milenar

A origem grega da palavra fitoterapia indica que o uso medicinal das plantas se deu na antiguidade. Mas apesar da sabedoria popular ter atravessado séculos, o reconhecimento dos fitoterápicos como tratamento de saúde seguro e eficaz tardou a chegar

Utilizar as propriedades das plantas como cura para doenças é uma das mais antigas práticas terapêuticas da humanidade. As primeiras tentativas registradas datam de 8500 a.C., por isso o termo Fitoterapia deriva da antiguidade, mais precisamente do grego therapeia (tratamento) e phyton (vegetal). Do outro lado do mundo, na China, por volta 3000 a.C., os medicamentos fitoterápicos também ganharam reconhecimento quando o imperador Cho-Chin-Kei descreveu as propriedades do ginseng e da cânfora.

Acredita-se que a ideia de utilizar plantas como tratamento de saúde tenha surgido a partir da observação dos animais. “Os humanos começaram a relacionar o comportamento dos animais a partir da ingestão das plantas e, então, passaram a utilizar os vegetais que os animais comiam, esperando os mesmos efeitos”, conta a professora titular e farmacêutica responsável pela Farmácia-Escola da Universidade de São Paulo (FCF-USP), Maria Aparecida Nicoletti.

Apesar das fórmulas produzidas a partir de plantas in natura ou manipuladas serem produzidas há milênios, somente em 1976 a Organização Mundial da Saúde (OMS) reconheceu essa prática.

No Brasil, a legitimação dos fitoterápicos como tratamento médico seguro e eficaz ocorreu ainda mais tarde. Apenas em 2006, por meio da Portaria 971, a Política Nacional de Práticas Integrativas e Complementares (PNPIC) foi instituída pelo governo federal. Três anos depois, foi criado também o Programa Nacional de Plantas Medicinais e Fitoterápicos.

De acordo com o governo, o objetivo das medidas era “garantir à população brasileira o acesso seguro e o uso racional de plantas medicinais e fitoterápicos, promovendo o uso sustentável da biodiversidade e o desenvolvimento da cadeia produtiva e da indústria nacional”.

Além disso, a portaria de 2006 visava inserir as plantas medicinais, os fitoterápicos, a homeopatia, a acupuntura, o termalismo e outras práticas no Sistema Único de Saúde (SUS). No caso dos medicamentos fitoterápicos, isso só veio a ocorrer em 2012, apenas com 12 substâncias.

Tipos de apresentação dos fitoterápicos

Chá: preparação utilizada para todas as partes de plantas medicinais ricas em componentes voláteis, aromas delicados e princípios ativos que se degradam pela ação combinada da água e do calor prolongado.

Tintura: maneira mais simples de conservar os princípios ativos por longo período, pois as substâncias ativas, em sua maioria, são solúveis em álcool. Trata-se de uma maceração especial, na qual partes da planta triturada ficam macerando em álcool de cereais, ao abrigo da luz e à temperatura ambiente, por período variável.

Pó: feito a partir da planta seca. Podem ser moídas folhas, hastes, cascas ou raízes, dependendo da localização do princípio ativo.

Xarope: preparações líquidas, espessas, para uso interno, que contêm de 50% a 65% de açúcar e sua densidade deve ser de 1,32 g/mL.

Bala: preparadas como o xarope, somente a quantidade de açúcar é maior.

Suco ou sumo: o suco é obtido espremendo-se o fruto, enquanto o sumo é obtido ao triturar uma planta medicinal fresca em um pilão, liquidificador ou centrífuga.

Pomada: podem ser preparadas com o sumo da planta ou chá mais concentrado misturado com banha animal, gordura de coco ou uma mistura de vaselina com lanolina.

Emplastro: preparação para uso externo. 

Fonte: farmacêutica bioquímica sanitarista, Elizabeth dos Santos Parise

o que é?

 

Para que um medicamento possa ser considerado um fitoterápico, é fundamental que ele tenha sido obtido a partir do uso exclusivo de matérias-primas ativas vegetais.

É importante saber que a definição de medicamento fitoterápico é diferente de fitoterapia, pois não engloba o uso popular das plantas em si, mas, sim, seus derivados (tintura, óleo, suco e outros).

“Não se considera medicamento fitoterápico aquele que, na sua composição, inclua substâncias ativas isoladas, de qualquer origem, nem as associações destas com extratos vegetais”, ressalta a integrante da Comissão Assessora de Fitoterápicos e Plantas Medicinais do Conselho Regional de Farmácia (CRF-SP), Dra. Caroly Cardoso.

Todos os medicamentos fitoterápicos são preparações elaboradas por técnicas de farmácia ou são produtos industrializados. O processo de fabricação industrial evita contaminações por microrganismos, agrotóxicos e substâncias estranhas, além de padronizar a quantidade e a forma certa que deve ser usada, permitindo uma maior segurança de uso.

No Brasil, para que um medicamento fitoterápico seja regular, ele deve ser registrado pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) antes de ser comercializado e seguir critérios similares aos medicamentos convencionais quanto à qualidade, segurança e eficácia. 

No caso dos fitoterápicos, a reprodutibilidade e constância de sua qualidade são validadas por meio de levantamentos etnofarmacológicos de utilização, documentações técnico-científicas ou evidências clínicas.

Como são obtidos?

Em um processo industrial, antes das plantas se tornarem um medicamento fitoterápico, elas são submetidas a determinados processos que avaliam uma possível potencialidade terapêutica.

Para tanto, é preciso seguir algumas etapas, que envolvem botânica, farmácia, ensaios biológicos pré-clínicos e etapa clínica:

Coleta da planta;

Identificação botânica;

Estabilização da planta (secagem, congelamento, liofilização, etc.);

Moagem;

Processo de extração;

Análise qualitativa dos extratos;

Isolamento dos componentes ativos;

Purificação;

Avaliação de toxicidade.

“A produção de um fitoterápico é mais complexa do que a de qualquer outro medicamento, porque a matéria-prima, neste caso, começa na planta medicinal, então o cuidado tem início já na correta identificação da espécie seguida de sua produção, no campo de cultivo”, conta a Dra. Caroly.

Um dos desafios do processo é identificar qual o princípio ativo de cada planta e em qual parte do vegetal ele se encontra em maior proporção. “Às vezes, se utiliza somente a folha, ou o rizoma ou qualquer outra parte e também pode-se usar a planta inteira, se o teor de princípio ativo estiver distribuído de maneira uniforme por toda a planta”, explica Maria Aparecida, da FCF-USP.

A partir daí, tem-se muitas etapas até chegar na obtenção do extrato vegetal, e para, em seguida, produzir o medicamento fitoterápico. A fabricação de um fitoterápico envolve a produção no campo e depois a produção industrial, tudo com rigoroso critério de qualidade.

“Não é um processo rápido e simples porque a planta apresenta inúmeros componentes que poderão ser necessários para a produção da resposta farmacológica e será preciso identificá-los e isolá-los. O estudo demanda uma concentração de esforços no sentido das dificuldades normalmente presentes para o isolamento do(s) ativo(s), sua comprovação farmacológica, segurança e eficácia terapêutica, e quais os benefícios adicionais estariam vinculados à sua utilização”, completa.

Diferenças esclarecidas

Tanto o medicamento tradicional como o fitoterápico são alopáticos – aqueles inseridos no axioma enunciado por Hipócrates. Ou seja, trabalham em cima do conceito de cura pelo contrário.

“Isso quer dizer que se eu estou com uma inflamação, devo utilizar um medicamento que tenha ação contra esse problema, por isso é prescrito, então, um anti-inflamatório”, explica Maria Aparecida.

Nesse sentido, o medicamento fitoterápico se assemelha aos convencionais. A diferença surge quando é analisada a composição dos fármacos. Diferente da maioria dos alopáticos, que utiliza medicamento obtido a partir de síntese química, os fitos têm origem natural.

“Ambos são produtos farmacêuticos, tecnicamente elaborados, com finalidade profilática, curativa, paliativa ou para fins diagnósticos, no entanto, o fitoterápico só pode conter na sua formulação matérias-primas vegetais”, detalha.

Pela origem natural, os fitoterápicos são comumente confundidos com produtos homeopáticos, mas trata-se de um engano. Em primeiro lugar, os medicamentos homeopáticos não são considerados alopáticos, pois seguem um sistema médico complexo de caráter holístico, baseado no princípio vitalista e no uso da Lei dos Semelhantes enunciada por Hipócrates, no século 6 a.C.

“Esse método terapêutico foi desenvolvido há mais de 200 anos pelo médico alemão Samuel Hahnemann, que estudou, experimentou em si mesmo e descreveu diversas substâncias extraídas da natureza”, conta a farmacêutica. 

Outra grande diferença são as substâncias utilizadas pela homeopatia. Os medicamentos podem se originar tanto de plantas como de animais ou minerais e passam por um processo especial de preparação, denominado “dinamização”. Portanto, medicamento homeopático e alopático são completamente distintos.

Outro erro comum é considerar que plantas medicinais, capazes de aliviar ou curar enfermidades e com tradição de uso como medicamento em uma população ou comunidade, são fitoterápicos. Uma planta medicinal só pode ser considerada fitoterápico quando passar pelo processo de industrialização e, em seguida, ser registrado na Anvisa antes de ser comercializado.

Na prática

Para exemplificar o processo de fabricação de um fitoterápico, a diretora de marketing da Natulab, Ivana Marques, revela como funciona a produção dentro da empresa.

1. O processo tem início com a seleção do extrato padronizado, que será utilizado como Insumo Farmacêutico Ativo Vegetal (IFAV), podendo ser de origem nacional ou estrangeira, desde que tenha sido produzido por empresas devidamente autorizadas para este fim.

2. O extrato selecionado em primeira instância passa por avaliação interna de características físico-químicas, microbiológicas e regulatórias, para averiguar se o mesmo atende a todos os pré-requisitos legais que permitam utilizá-lo como insumo na fabricação de um medicamento fitoterápico.

3. São realizados os estudos de pré-formulação, definição da composição da formulação e processo de fabricação para gerar o produto acabado.

4. Após concluir essas definições em escala laboratorial, será realizado o scale-up para manufaturar o lote-piloto (escala industrial), onde amostras serão coletadas e submetidas aos estudos e testes analíticos que gerarão as informações para fundamentar a confecção do dossiê de registro do produto, o qual será encaminhado para a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). 

5. Sendo analisado e deferido por esse órgão, a empresa estará autorizada a colocar o produto no mercado. 

 

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