Quando o uso de MIPs exige uma consulta médica prévia?

O farmacêutico é quem avalia e orienta o paciente no ponto de venda

Para um medicamento ser liberado da dispensação somente por meio de prescrição médica, é necessário atender a uma série de requisitos, que envolvem, principalmente, a segurança do uso sem acompanhamento, como reações identificáveis, baixo potencial de risco e não oferecer dependência.

Por meio dessa garantia de segurança, todos os Medicamentos Isentos de Prescrição (MIPs) são aprovados pelas autoridades sanitárias para tratar, aliviar e prevenir sintomas não graves e conhecidos, como dores de cabeça e resfriados, entre outros.

Apesar da segurança assegurada e do fato dos MIPs serem livres de prescrição, isto não significa que eles sejam isentos de causar danos à saúde do usuário.

“Se usados inadequadamente, têm potencial para causar interações com medicamentos, alimentos e álcool; mascaramento de doenças mais graves; etc.”, descreve o presidente do Conselho Federal de Farmácia (CFF), Dr. Walter Jorge João.

Portanto, ainda que tenham livre acesso, o uso de MIPs requer cuidados. Por isso, sempre que possível, a administração deve ser orientada e acompanhada por um profissional de saúde. De acordo com o CFF, serviços e atos farmacêuticos, onde quer que os MIPs sejam dispensados, são parte da essência do que deve ser feito em relação à venda destes medicamentos.

“O farmacêutico pode contribuir para promover o uso seguro do medicamento, prestando os seus cuidados; orientando o paciente sobre como usá-los corretamente. O uso adequado, cercado da orientação farmacêutica, é a utilização responsável e racional”, afirma o Dr. Jorge João.

O bom atendimento deve ser sempre a política de uma farmácia. No entanto, considerando que o estabelecimento lida com atividades relacionadas à saúde, isso não deve estar vinculado somente ao ato de “reter clientes”, mas sim à responsabilidade na dispensação e informação em relação aos medicamentos.

“A orientação correta e honesta a respeito dos questionamentos do indivíduo faz com que o vínculo seja sedimentado em base de confiabilidade”, garante a farmacêutica responsável pela Farmácia Universitária da Faculdade de Ciências Farmacêuticas da Universidade de São Paulo (USP), Maria Aparecida Nicoletti.

Benefícios do uso responsável de MIPs

É comum que pacientes se desloquem até o hospital com sintomas corriqueiros, causados por males comuns, como gripe, febre ou diarreia leve. Caso esses pacientes tivessem feito uso de MIPs disponíveis em farmácias e postos de saúde, poderiam ter evitado o uso do sistema público de saúde, já tão concorrido e saturado no País.

“Isso possibilitaria que uma pessoa que tivesse uma doença muito mais grave pudesse usar o serviço com mais agilidade. Ou seja, aumentando a disponibilidade do MIPs e a consciência da população, a tendência é de que os custos governamentais diminuam”, analisa a head of marketing da Merck, Roberta Farina.

Dados comprovam a otimização de gastos públicos que são obtidos por meio do uso correto de MIPs dentro do sistema de saúde brasileiro.

E não é só o governo que se beneficia com o uso adequado de medicamentos livres de prescrição. Para a população, a categoria também traz vantagens financeiras.

“Por não exigir prescrição médica, a utilização correta desses produtos gera menor custo global ao consumidor. A maior concorrência (já que sua grande maioria de produtos não tem patente) resulta em grande competição de preço e, consequentemente, permite maior acesso à população, que encontra esses produtos em todas as farmácias do País com muitas opções de marcas e preços”, analisa Garcia.

Além dos benefícios financeiros, o consumidor tem fácil acesso a esses produtos, já que os MIPs têm autorização da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) para ficar na área de autosserviço das farmácias.

Para favorecer esse cuidado com saúde é que os MIPs devem estar dispostos de forma prática e funcional, agrupados por patologia e com boa sinalização, dentro do ponto de venda (PDV). Dessa maneira, a categoria traz praticidade e mais qualidade de vida.

“Os MIPs proporcionam um início de tratamento de forma imediata, poupando o paciente de ter de conviver com os sintomas até uma consulta médica”, afirma Roberta.

Quando o cidadão tem o direito de promover o autocuidado, por meio da utilização consciente desses medicamentos, ele ganha autonomia para garantir sua qualidade de vida. Além de medicamentos que visam tratar sintomas, a categoria de MIPs também envolve produtos de prevenção primária importantes à saúde, como vitaminas e suplementos.

No Brasil, a automedicação ainda é alvo de críticas e preconceito porque é confundida com autoprescrição, que é a prática incorreta de comprar e utilizar medicamentos tarjados sem a receita de um médico. Ao rebater essa visão equivocada, a Associação Brasileira da Indústria de Medicamentos Isentos de Prescrição (Abimip) lembra que a disponibilidade de MIPs apropriados pode, inclusive, reduzir a autoprescrição.

A entidade reforça que os MIPs promovem o autocuidado, que é o que as pessoas fazem para si próprias para manter a saúde e prevenir doenças. Isso engloba uma série de atitudes, como alimentar-se de maneira balanceada, praticar atividades físicas, evitar atitudes de risco (cigarro e álcool) e fazer uso racional de medicamentos.

“O conceito do autocuidado, que foi estabelecido pela Organização Mundial da Saúde (OMS), trata da atitude ativa e responsável em relação à própria qualidade de vida, ao próprio bem-estar e como a população pode prevenir e lidar com as doenças”, conta a vice-presidente executiva da Abimip, Marli Sileci.

Quando o uso de MIPs deve ser sucedido por uma consulta médica

Para evitar equívocos no uso de MIPs, a Abimip estipulou quatro regras para sua utilização. São elas:

1. Cuidar sozinho apenas de pequenos males ou sintomas menores, já diagnosticados ou conhecidos;

2. Escolher somente MIPs, de preferência, com a ajuda do farmacêutico;

3. Ler sempre as informações da embalagem do produto antes de tomá-lo;

4. Parar de tomar o medicamento se os sintomas persistirem.

Nesse último caso, o médico deverá ser consultado. É importante frisar que o MIP não é isento de reações adversas, interações e contraindicações. Portanto, normalmente, eles são prescritos para “manejo de problemas de saúde autolimitados”, ou seja, uma enfermidade menor que é autolimitada e que não impede o paciente de realizar suas funções normais por mais do que um curto período de tempo.

Segundo a Resolução 585/13 do CFF, a definição de problema de saúde autolimitado aparece como “enfermidade aguda de baixa gravidade, de breve período de latência, que desencadeia uma reação orgânica, a qual tende a cursar sem danos para o paciente e que pode ser tratada de forma eficaz e segura com medicamentos e outros produtos com finalidade terapêutica, cuja dispensação não exija prescrição médica”.

“Portanto, se o farmacêutico, em sua avaliação, não enquadrar como um problema de saúde autolimitado, ou mesmo, diante de um problema de saúde autolimitado com comorbidades ou agravantes, ele deverá orientar o indivíduo para que faça uma consulta médica”, destaca Maria Aparecida.

Para isso, o farmacêutico deve dispor de conhecimento envolvendo o embasamento legal de suas atribuições clínicas. “Incluindo a prescrição farmacêutica; conhecer as etapas do processo semiológico, aplicando-as ao manejo de problemas de saúde autolimitados; compreender os aspectos de comunicação com o paciente, aplicando-os à construção de uma relação terapêutica; compreender como documentar o processo de cuidado ao paciente, incluindo a prescrição farmacêutica; aplicar o conhecimento adquirido para a tomada de decisões em situações da prática clínica e, em função do cenário estruturado, fazer a análise crítica para a necessidade ou não do possível encaminhamento médico”, detalha Maria Aparecida.

Outra situação que merece cautela quanto ao uso de MIPs são os casos em que o paciente tem problemas psicológicos, como por exemplo, ansiedade, inquietação, depressão, letargia, agitação ou hiperexcitabilidade.

“São situações de elevada complexidade. Esses pacientes devem ser orientados para o encaminhamento médico e a prescrição de MIP deverá ser feita sob indicação médica, pois a condição geral do paciente precisa ser analisada em todos os pormenores, além do cuidado com medicamentos que já estão sendo administrados de uso crônico”, orienta a farmacêutica.

Além desses casos, deve ser dada atenção especial na administração de MIPs durante a gravidez e o aleitamento, assim como em bebês, crianças e também idosos. Todo medicamento apresenta riscos, mesmo aqueles que não exigem prescrição médica e o profissional da saúde deve avaliar o paciente como um todo.

“Esses grupos específicos necessitam de uma grande atenção, pois são frágeis e muito vulneráveis, por isso demandam uma atenção específica e individualizada para que o uso racional seja assegurado”, aconselha Maria Aparecida.

Doenças tratadas com MIPs

• Dores de cabeça

O incômodo pode ter diversas origens, mas entre as mais comuns estão: hipertensão, problemas oftálmicos, sono insuficiente, estresse, tensão, dengue, rinite, desconforto gástrico e fraturas. Diante de tantas possibilidades, é necessário que o farmacêutico investigue a origem da dor para que forneça a orientação adequada.

A seleção e a prescrição de medicamentos analgésicos devem estar veiculadas à avaliação de vários fatores, como: intensidade de dor do paciente, origem, localização, se é uma dor aguda ou crônica, intermitente ou constante, generalizada ou localizada, latejante ou não, entre outros.

Normalmente, os analgésicos não opioides são os utilizados para as dores menos intensas e mais corriqueiras, durante um período de tempo curto, e estes medicamentos apresentam propriedades analgésica, antipirética, antitrombótica e anti-inflamatória.

Os fármacos mais utilizados nesses casos são o Ácido Acetilsalicílico (AAS), o paracetamol, a dipirona e o ibuprofeno. De modo geral, esses analgésicos anti-inflamatórios não esteroides têm capacidade de controlar inflamações (com exceção do paracetamol), de reduzir a dor (analgesia) e combater a febre.

• Acidez estomacal, azia

É um sintoma relacionado ao refluxo do suco gástrico para o esôfago. Quando isso ocorre, tem-se a sensação de queimação, que costuma ocorrer pouco depois das refeições ou ao deitar. São muitas as opções simples que podem aliviar a azia, passando desde um chá (camomila, alecrim, chá verde, hortelã, boldo, entre outros) até os pós-efervescentes (normalmente associações contendo bicarbonato de sódio, carbonato de sódio e ácido cítrico, ou outros sais).

Alguns outros medicamentos também podem ajudar, como aqueles contendo hidróxido de magnésio, hidróxido de alumínio e salicilato de bismuto. Medicamentos contendo extratos compostos de origem vegetal (boldo, cáscara sagrada, ruibarbo, etc.) também podem ser eficazes.

Como a acidez é uma produção excessiva de ácido clorídrico pelo estômago, alguns fármacos agem por neutralizar o excesso de acidez e outros agem por promover uma camada protetora sobre a mucosa gástrica.

• Febre

A manifestação de febre é um indicador de que algo não está bem na saúde. Esse sintoma pode indicar a presença de infecção, inflamação ou, ainda, lesão no sistema nervoso. A febre decorre da produção, em quantidade mais acentuada, da enzima denominada de prostaglandina-endoperóxido sintase pelo organismo.

Os analgésicos (AAS, paracetamol, dipirona e ibuprofeno) são os mais comumente usados para a febre, já que apresentam também ação antipirética (antitérmica). Os antipiréticos transcorrem no início do processo, na inibição da enzima responsável pela elevação da temperatura corpórea.

Vale lembrar que os antitérmicos agem apenas no sintoma (elevação de temperatura corpórea), e não na causa do problema e que o AAS não deverá ser utilizado em suspeita de dengue e sarampo.

• Tosse

O xarope se constitui em forma farmacêutica líquida e é indicado, principalmente, para uso pediátrico ou, então, para indivíduos que tenham dificuldade de deglutir formas farmacêuticas sólidas (cápsulas, comprimidos, drágeas, etc.). Nesse sentido, há diversos fármacos disponibilizados, com diferentes atividades farmacológicas e, não necessariamente, somente com a indicação para tosse.

Para a tosse, tanto o xarope como a pastilha podem ser indicados. Normalmente, a pastilha ajuda nas crises agudas de tosse e, portanto, a conter a situação de profundo incômodo e desconforto, proporcionando alívio sintomático.

• Prisão de ventre

Um quadro de prisão de ventre pode ter diversas causas, que passam por dieta com quantidade reduzida de fibras ou pouca ingestão de líquidos, por exemplo.

Existem muitos laxantes à base de drogas de origem vegetal, como: sene, Plantago ovata, tamarindo, alcaçuz, Cassia fistula, Coriandrum sativum, etc.

Entre os medicamentos, estão o bisacodil, óleo mineral, associação de macrogol + bicarbonato de sódio + cloreto de sódio + cloreto de potássio, lactulose, sorbitol + lauril sulfato de sódio, entre outros. Saliente-se, entretanto, que a maneira mais efetiva na regulação do funcionamento intestinal é a adequação da dieta diária.

• Aftas

As causas dessas pequenas úlceras rasas que aparecem na cavidade oral, especialmente na gengiva e embaixo da língua, podem ser diversas. Algumas vezes, há necessidade de se usar associações que contenham anestésico local para melhorar a dor ou medicamento com o fármaco amlexanox.

• Dores de garganta

A dor de garganta poderá variar de uma simples irritação até uma amidalite, doença infecciosa que atinge as amídalas, que pode ser causada por vírus, bactérias ou pela associação dos dois agentes. Na amidalite bacteriana, são comuns os pontos de pus.

Para os casos mais simples do incômodo, existem dezenas de tipos diferentes de pastilhas para dor de garganta sendo que os principais fármacos presentes são mentol, ambroxol, benzidamina, lidocaína, benzocaína e alguns anti-inflamatórios.

• Assaduras

Esse problema é decorrente de inflamação cutânea causada pelo contato da pele com fezes e urina, muito frequente em crianças pequenas e idosos que já apresentam incontinência ou, também, em decorrência de uma higienização inadequada.

Podem ser utilizados: dexapantenol (pró-vitamina B5), óleo de fígado de bacalhau, óleo de amêndoas, óleo de girassol, retinol (vitamina A), colecalciferol (vitamina D), óxido de zinco, nistatina, cloridrato dedifenidramina, calamina e cânfora.

• Hemorroidas

Normalmente, os medicamentos que auxiliam no tratamento tópico para o alívio sintomático são opções. São eles: os anestésicos (lidocaína ou hidrocortisona em diferentes formas farmacêuticas de creme, pomada, gel ou supositório); medicamentos venotônicos (comprimidos à base de plantas, como hamamélis); castanha-da-índia, a ser ingerida, geralmente, sob a forma de cápsula; medicamentos à base de flavonoides, como diosmina e hespiridina; banhos de assento com ou sem plantas medicinais (hamamélis e camomila); paracetamol para aliviar a dor; e outros, como policresuleno, cloridrato de cinchocaína, extrato mole de Hamamelis virginiana, extrato mole de Davilla rugosa e mentol.

• Congestão nasal

A obstrução nasal pode ser provocada por doenças, como a gripe, os resfriados e a sinusite, ou por distúrbios estruturais. Esse problema é um indicativo da reação do organismo para a eliminação do agente presente. Normalmente, a sensação de desconforto está acompanhada de coceira, coriza e espirros.

A utilização mais frequente é com solução fisiológica de cloreto de sódio, inclusive com a lavagem da cavidade nasal. Mas também há outros medicamentos com fármacos, como mentol e cânfora, que auxiliam na desobstrução nasal, facilitando a respiração.

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