Tratamentos concomitantes

O uso de múltiplos medicamentos é uma prática comum em idosos. Entretanto, essa realidade pode trazer uma série de riscos quando não há orientação médica ou farmacêutica

O uso simultâneo de vários medicamentos, visando ao tratamento de diversas enfermidades, é algo que faz parte da vida de boa parcela de idosos no País. Mas essa realidade exige uma série de cuidados, uma vez que o uso de inúmeras medicações ao mesmo tempo pode levar a interações ou reações indesejáveis.

“Com a fragmentação da medicina e a ausência de um prontuário único no sistema de saúde do Brasil, percebe-se um elevado índice de associações incorretas de medicamentos”, adverte o coordenador do curso de Farmácia e coordenador da pós-graduação em Prescrição Farmacêutica e Farmacologia Clínica da Universidade São Camilo, prof. Valter Luiz da Costa Júnior.

Nesse cenário, torna-se, mais uma vez, fundamental o papel do farmacêutico, que precisa estar tecnicamente capacitado em relação à administração de medicamentos, ao perfil das doenças que mais frequentemente acometem pessoas dessa faixa etária e às formas mais adequadas para o seu tratamento.

“O farmacêutico deve, sempre que possível, esclarecer as ações e os benefícios dos medicamentos no tratamento de sua doença. Além disso, é importantíssimo se colocar no lugar do idoso para entender seus anseios e dificuldades. Demostrar empatia e conhecimento aumenta a confiança do paciente no tratamento e melhora a adesão ao tratamento”, resume.

Cabe ao profissional da farmácia realizar o acompanhamento dos pacientes para que todas as substâncias prescritas e os Medicamentos Isentos de Prescrição (MIPs) sejam avaliados.

Para facilitar esse processo, o especialista da Universidade São Camilo aconselha a elaboração de um cadastro dos pacientes, a fim de proporcionar a Atenção Farmacêutica aos grupos submetidos aos maiores riscos relacionados aos medicamentos. Entre eles, os idosos.

Acompanhe, a seguir, alguns riscos inerentes ao uso de medicamentos e auxilie essa fatia da população.

Interações medicamentosas

As interações medicamentosas, quando clinicamente relevantes, podem tanto reduzir a eficácia terapêutica, quanto promover agravamento de uma situação clínica, o que compromete a segurança dos pacientes, segundo explica Costa Júnior.

Ele cita como exemplo o uso concomitante de espironolactona (diurético) e enalapril (anti-hipertensivo). “Essa prática pode ocasionar o aumento dos níveis séricos de potássio (hipercalemia) e suas consequências, como arritmias cardíacas, tonturas, confusão mental e parestesias, principalmente em pacientes idosos”, alerta.

Outro exemplo é o uso de insulina ou de fármacos antidiabéticos do grupo das sulfonilureias (que estimulam a liberação de insulina), como a glibenclamida, em pacientes que utilizam propranolol (anti-hipertensivo).

“Nesses casos, há risco de hipoglicemia e o problema poderia ser minimizado por meio de uma escolha mais racional do anti-hipertensivo”, comenta.

Campanhas educativas

As farmácias podem realizar, nos pontos de venda (PDVs), campanhas informativas com foco na prevenção de doenças, adesão ao tratamento ou mostrando como evitar riscos com o uso de medicamentos.

Mas, previamente, há um passo importantíssimo a se seguir. “Antes de realizar as campanhas, elas devem entender o comportamento e a necessidade do idoso em sua região. Às vezes, uma mesma ação em regiões diferentes podem ter adesões e engajamento distintos”, adverte o farmacêutico, consultor de empresas e palestrante, Pedro Dias.

Ele afirma que, percorrendo pelo Brasil, viu alguns encontros de idosos na própria farmácia e diversos temas podem ser contemplados. “O que vemos são palestras para prevenção das doenças, ações de conscientização contra a obesidade, o tabagismo e a hipertensão, corridas de rua, ginástica ao ar livre (com presença do educador físico), entre outros”, enumera.

Neste ano, para celebrar o Dia Nacional do Idoso, as redes de farmácias associadas à Associação Brasileira de Redes de Farmácias e Drogarias (Abrafarma), por exemplo, irão realizar uma campanha de revisão de medicamentos dirigida a esta faixa etária.

O serviço proposto é de gestão de polimedicados, como assistência a pacientes que utilizam diversos medicamentos para suas doenças e agravos. “Para celebrar essa data, as farmácias vão oferecer revisões da medicação gratuitas, em que os pacientes são convidados a levar seus medicamentos para um “checkup” com o farmacêutico”, descreve o presidente da entidade, Sergio Mena Barreto. 

Nesse atendimento, o farmacêutico ajuda o paciente a entender melhor seus medicamentos, organizar horários de tomada, tirar dúvidas sobre as doenças, detectar eventuais problemas e oportunidades de redução no custo do tratamento.

“Tudo isso é feito respeitando-se a prescrição médica e encaminhando casos mais graves para avaliação por esse profissional. É um trabalho com uma visão multiprofissional muito forte”, comenta o executivo. 

 

Reações adversas

O aparecimento de reações adversas independe do número de medicamentos utilizados pelo usuário. Entretanto, a probabilidade aumenta quando o número de substâncias usadas também se eleva.

Costa Júnior mostra um exemplo desta realidade. “O uso concomitante do diurético hidroclorotiazida e o do anti-inflamatório prednisona aumenta a probabilidade da ocorrência de hiperglicemia”, constata.

Atenção aos medicamentos controlados

Caso o idoso seja usuário de medicamentos controlados, os farmacêuticos também precisam ter uma atenção especial. “A dispensação de controlados realizada pelo farmacêutico garante, ao paciente, a orientação adequada quanto ao uso do medicamento, para evitar erros na sua utilização, tendo em vista os riscos de reações adversas severas se usados de forma abusiva”, lembra a assessora técnica do Conselho Regional de Farmácia do Estado de São Paulo (CRF-SP), Amouni Mourada.

Ela mostra que devem ser fornecidas informações sobre: como deve ser utilizado o medicamento, posologia, horários, cuidados adotados para evitar interações medicamentosas e como pode ser armazenado, para evitar a perda de sua atividade.

“Se o medicamento puder causar sonolência ou déficit de atenção, o farmacêutico deve alertar quanto ao risco de dirigir automóveis ou trabalhar com equipamentos perigosos”, esclarece Amouni, acrescentando a relevância de alertas em relação a interações.

“Alimentos ou outros medicamentos podem diminuir, potencializar ou até mesmo anular o efeito do medicamento”, avisa. Exemplo clássico de interações com controlados como os ansiolíticos benzodiazepínicos é o consumo de álcool. “A bebida potencializa o efeito do medicamento, fazendo com que as reações adversas também sejam aumentadas”, diz.

Orientações adicionais

O tratamento medicamentoso deve ser individualizado e isto inclui a escolha dos medicamentos e de sua forma de uso. Nesse sentido, considerando um paciente idoso que sofra, concomitantemente, por diabetes, hipertensão e obesidade, por exemplo, o primeiro alerta que deve ser dado a esse público é sobre a importância de seguir o tratamento independentemente dos sintomas.

“Diabetes mellitus e hipertensão arterial sistêmica não são doenças que, necessariamente, ocasionam sintomas. Os pacientes devem utilizar os medicamentos seguindo a orientação individualizada e fazer acompanhamento com o médico e o seu farmacêutico, pelo menos uma vez por semestre”, mostra o coordenador do curso de Farmácia e coordenador da pós-graduação em Prescrição Farmacêutica e Farmacologia Clínica da Universidade São Camilo, prof. Valter Luiz da Costa Júnior.

Segundo ele, outras orientações importantes que podem ser dadas pelo farmacêutico a esses pacientes são: controlar o estresse, evitar adicionar sal ou açúcar aos alimentos, reduzir o consumo de carnes vermelhas e alimentos ricos em colesterol, aumentar o consumo de frutas e alimentos fontes de fibras, evitar a ingesta excessiva de álcool, cessar tabagismo, praticar caminhada ou outras atividades físicas regularmente.


Medicamentos isentos de prescrição

Os idosos consomem não só medicamentos prescritos pelo médico, como também os MIPs, que também exigem atenção da farmácia. Afinal, os farmacêuticos precisam orientá-los, sempre que possível, sobre o uso responsável dessas substâncias.

“Fatores como propaganda, preço, achar que conhece melhor seu problema de saúde que o profissional médico, entre outras razões, podem tornar esse medicamento uma mercadoria a ser consumida de per si e não um bem necessário para se conquistar ou promover a saúde”, alerta a consultora especializada em varejo farmacêutico, Silvia Osso.

Outra evidência a ser destacada é o fato de o idoso, ao comprar um MIP, não solicitar informação ao farmacêutico. “Pode-se deduzir, então, que ele ainda não vê o profissional farmacêutico como parte e extensão dos serviços prestados pela farmácia, já que o cliente tende a associá-la ao medicamento e não ao serviço de Atenção Farmacêutica”, adverte.

Cabe, assim, às farmácias, aumentarem a visibilidade do farmacêutico, de forma a destacar sua ajuda e capacidade de efetuar assistência de maneira cada vez mais profissionalizada. 

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