A economia brasileira conseguiu suportar as duas recentes crises financeiras internacionais – a de 2008 e 2009, que teve como ator principal os Estados Unidos e, entre 2011 e 2013, tendo a Europa como protagonista. Em 2010, o País ainda registrou resultados surpreendentes, como a maior taxa de crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) em mais de 20 anos – 7,5%.
Contudo, as medidas anticíclicas tomadas pelo governo para estimular o consumo e o crédito, que funcionaram bem durante o período agudo das crises, não apresentaram o resultado esperado a partir de 2012. O crescimento não veio, a inflação subiu e as contas públicas se deterioraram.
No último ano, em particular, o País se viu envolvido em uma tempestade de dados negativos. O crescimento do PIB em 2014 deve ficar entre 0,2% e 0,5% e a expectativa do Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) atinge 6,43%, colocando a inflação muito próxima do teto da meta, de 6,5%. Para 2015, o governo baixou de 3% para 2% a estimativa de crescimento do PIB e considera uma inflação de 6,1%, enquanto o mercado acredita em alta entre 0,8% e 1%.
Realidade à parte
Também o varejo acabou sentindo os reflexos do cenário adverso. No comércio paulista, o maior do País, foi registrada queda das vendas de 2,4%, no acumulado do ano até agosto, segundo levantamento da Federação do Comércio do Estado de São Paulo (Fecomercio-SP). “Esse é o pior resultado desde 2009. A queda foi generalizada em todo o estado. Apenas os segmentos de farmácias e supermercados obtiveram números positivos”, revela o economista da entidade, Altamiro Carvalho.
“Assim como acontece com os empresários, também o índice de confiança do consumidor está baixo. Ele ainda está pagando dívidas, a renda não tem crescido como antes e há o temor do desemprego. Por isso, as compras não essenciais são postergadas”, explica Carvalho, que projeta para 2015 um ano de transição, que vai depender das medidas do governo
para avançar.
No âmbito nacional, enquanto as taxas de crescimento das vendas dos últimos anos oscilavam entre 7% e 10%, impulsionadas pelo consumo das famílias e do crédito, em 2014, o setor deve fechar com crescimento na casa dos 4%, volume ligeiramente menor do que os 4,3% registrados em 2013, quando houve a queda mais acentuada – uma vez que, em 2012, o setor obteve crescimento de 8,9% nas vendas.
Apesar do resultado adverso, o varejo brasileiro deve crescer a uma taxa média anual de 7,1% até 2019, de acordo com estudo da empresa de pesquisa Euromonitor International. O ritmo de crescimento esperado é superior ao da média do varejo global, que é de 6,4%. Os números consideram valores correntes e câmbio fixo. A expectativa é de que, em 2014, o varejo brasileiro movimente US$ 353,3 bilhões. Até 2019, esse valor chegará a US$ 497,1 bilhões, de acordo com o Instituto Euromonitor. Já o varejo global chegará a US$ 14,3 trilhões em 2014 e a US$ 19,6 trilhões em 2019.
Entre setembro de 2014 e o mesmo mês do ano anterior, o crescimento das vendas do varejo nacional atingiu 3,4%, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). A atividade de artigos farmacêuticos, médicos, ortopédicos e de perfumaria, com expansão de 10,3% no volume de vendas na comparação com setembro de 2013, foi a que mais contribuiu na taxa global do varejo, na avaliação do IBGE.
No acumulado dos primeiros nove meses do ano e dos 12 meses até setembro, as variações alcançaram taxas de 9,4% e 10,1%, respectivamente. Já os preços dos produtos farmacêuticos, que em 12 meses subiram 4,6%, contra 6,8% do IPCA, somado à essencialidade dos produtos comercializados, são os principais fatores que explicam o desempenho positivo do segmento, segundo os pesquisadores do IBGE. “Em São Paulo, as vendas das farmácias cresceram 6,6% até agosto de 2014 e juntamente com supermercados (alta de 4,4%) foram os segmentos que contribuíram para que o resultado do comércio no estado não fosse ainda pior”, revela Carvalho.
“O setor farmacêutico não é imune a crises, mas é o que menos sofre”, observa o presidente executivo da Associação Brasileira de Redes de Farmácias e Drogarias (Abrafarma), Sergio Mena Barreto. “Em uma crise generalizada, ele é o último segmento a ser impactado e o primeiro a se recuperar, já que atuamos com bens essenciais. A decisão de compra desses produtos é diferente de aquisições que podem ser adiadas, como vestuário, móveis, carro novo ou mesmo imóvel.”
Perspectiva positiva ou, pelo menos, estável
Em 2015, o cenário que se vislumbra para o varejo farmacêutico é de otimismo, na opinião do diretor de Pesquisa do Instituto de Pesquisa e Pós-Graduação para o Mercado Farmacêutico (ICTQ), Marcus Vinicius de Andrade. “No Brasil, o varejo farmacêutico vem se expandindo, estimulado pelo aumento de renda da população, o que ocasiona maior acesso a medicamentos, produtos de beleza e de bem-estar. No entanto, há ainda uma demanda reprimida muito grande no País. Parte da população que acessava apenas os medicamentos básicos está tendo acesso a diferentes tipos de medicamentos”, salienta Andrade, adicionando que as grandes redes varejistas são as principais responsáveis por essa expansão.
“Acredito que os pequenos estabelecimentos começaram a investir mais na profissionalização. Por uma questão de sobrevivência, esses varejistas estão diferenciando seus negócios, investindo cada vez mais em serviços farmacêuticos e exercendo o verdadeiro papel da farmácia, que é o de estabelecimento de saúde. Isso é um movimento inevitável para aqueles que querem se manter no mercado.”
Segundo o presidente da Federação Brasileira das Redes Associativistas de Farmácias (Febrafar), Edison Tamascia, o crescimento das vendas no âmbito dos estabelecimentos ligados à entidade deve ser o que estava projetado no início de 2014, entre 13% a 15% nas vendas em relação ao ano anterior. “Isso é excelente, sobretudo se observamos que o crescimento do PIB vai ser próximo de zero em 2014”, diz o executivo, destacando que, no segmento, o otimismo prevalece, “mas é inegável que atravessamos uma grave crise econômica no Brasil. Nosso segmento ainda não foi atingido, mas é certo afirmar que, ao longo do tempo, a estagnação da economia poderá afetar os investimentos estruturais das indústrias, das distribuidoras e também do varejo. Creio, contudo, que, em 2015, deveremos manter o mesmo ritmo de crescimento de 2014”.
Em linhas gerais, o Brasil é visto pela indústria farmacêutica internacional como um País diferenciado e com dinâmica própria, por causa do tamanho de sua economia e de sua população e de seu amplo sistema de saúde público e privado, destaca o presidente executivo do Sindicato da Indústria de Produtos Farmacêuticos no Estado de São Paulo (Sindusfarma), Nelson Mussolini. “Um bom indicador desse cenário é o varejo farmacêutico, em que a dinâmica de fusões e aquisições envolvendo farmácias e drogarias segue intensa, numa demonstração do ótimo desempenho e do potencial desse segmento”, avalia.
Ampla oferta de medicamentos A indústria farmacêutica coloca à disposição da população uma grande variedade de medicamentos – marca, referência, genéricos, similares, fitoterápicos, Medicamentos Isentos de Prescrição (MIPs), homeopáticos, vitaminas, entre outros. Por várias razões, cada um deles têm seu espaço, considerando questões de mercado, avanços científicos e necessidades do paciente consumidor. Segundo analistas, desde o lançamento e até há alguns anos houve grande ascensão dos genéricos, até eles se estabilizarem. Depois, os similares ganharam terreno e com a equiparação aos genéricos, devem ter um novo salto. Igualmente, as vitaminas cresceram impulsionadas pelo interesse do consumidor em qualidade De acordo com o presidente executivo da Associação Brasileira de Redes de Farmácias e Drogarias (Abrafarma), Sergio Mena Barreto, uma das áreas que o País necessita evoluir é a dos Medicamentos Isentos de Prescrição. “A indústria tem de demonstrar à sociedade, de forma ostensiva e inequívoca, o quanto estamos atrasados nesta área. Muitas categorias, que há vários anos estão liberadas de tarja nos Estados Unidos, aqui ainda necessitam de receita médica, como ranitidina e omeprazol. Isso sem falar em itens como glucosamina, condroitina, melatonina, vitamina D, que muitas pessoas trazem do exterior.” A consultora de varejo, Silvia Osso, destaca que grande parte da população ainda se medica na farmácia e os MIPs terão grande crescimento se acompanhados da atenção farmacêutica. “A decisão de compra ainda é baseada na informação dos farmacêuticos e balconistas. Mesmo com o acesso de muitas pessoas aos planos de saúde, a orientação final ainda é no balcão, é um fator cultural do brasileiro.” Do total de 1,5 858,2 723,5 Fonte: consultoria especializada em mercado farmacêutico IMS Health. Dados até outubro de 2014 |
Interesse nítido
O mais recente movimento de fusão do mercado envolve a rede norte-americana CVS Caremark, que fez proposta bilionária pela rede brasileira DPSP – formada há três anos pela união das Drogarias Pacheco e São Paulo. Outra rede dos Estados Unidos, a Walgreens, negocia com o BTG Pactual a compra de parte da Brasil Pharma, que pertence ao banco
de investimento.
A Brasil Pharma foi criada em 2009 e ganhou força por meio de uma série de incorporações, incluindo redes regionais, como Big Ben, Farmais, Rosário Distrital, Farmácias Sant’Ana e Mais Econômica. Em princípio, ambos os negócios foram recusados (especula-se que, nos dois casos, o preço oferecido não seduziu os proprietários), mas tudo indica que o movimento de consolidação do setor está longe de terminar.
Na outra ponta do varejo farmacêutico, está um segmento que tem ganhado fôlego – as farmácias populares. O modelo está focado em oferecer medicamentos com preços mais baixos, com portfólio concentrado em genéricos e similares. Ao contrário das grandes redes e mesmo dos médios estabelecimentos, geralmente as lojas populares têm um mix limitado de produtos, com poucas opções em Higiene Pessoal, Perfumaria e Cosméticos (HPC) ou até de correlatos.
As que têm mix mais amplo, geralmente, priorizam marcas mais populares e produtos de menor valor agregado. Também o layout das lojas é mais simples, assim como o sistema de gestão. Os pontos ficam localizados em áreas de grande fluxo de pessoas, em bairros centrais ou populares. Tudo em benefício de custos fixos menores, de forma a poder oferecer preços mais em conta, visando atrair não apenas a classe C, com também D e E.
Segundo a consultora de varejo, Silvia Osso, as populares que trabalham apenas com medicamentos e horários fixos conseguem ganho de escala para compras e repassam grande parte do desconto para o público, além de ter um custo operacional muito baixo em função do quadro de funcionários e de despesas reduzidos. Já as que atuam com perfumarias e horários completos têm políticas de preços bem definidas em que todos os produtos apresentam algum tipo de desconto e com isso fazem o seu marketing usando o cupom fiscal como seu maior trunfo. “Ambas podem ter longevidade, pois estão baseadas na ascensão do consumo das classes C e D”, diz.
Autor: Marcelo de Valécio