A transformação das farmácias em hubs de saúde marca um dos momentos recentes mais importantes para a profissão do farmacêutico, que passa a atuar ativamente na prevenção de doenças, no aconselhamento sobre o uso seguro e correto de medicamentos e no acompanhamento terapêutico dos pacientes.
Nesta semana em que se comemorou o Dia do Farmacêutico, em 20 de janeiro, o Guia da Farmácia ouviu especialistas sobre a evolução da profissão e os desafios no cenário atual.
“O papel do farmacêutico sempre foi extremamente importante. A farmácia, desde o princípio, teve uma importância social significativa. No século passado, era o estabelecimento onde o farmacêutico era requerido tanto para a preparação dos medicamentos, como para indicar a dose e a forma de uso”, conta o coordenador e professor do curso de Farmácia do Centro Universitário São Camilo, Dr. André Luiz de Moura.
Com a Revolução Industrial, surgiram as grandes indústrias farmacêuticas, que passaram a disponibilizar os medicamentos prontos, com qualidade e rapidez, ampliando assim o acesso da população aos tratamentos. “Com isso, o farmacêutico acabou perdendo aquele ritmo de buscar os insumos, formular e preparar a medicação. Ficou tudo muito fácil e ágil”, diz o professor.
Valorização do farmacêutico
Com o passar do tempo, o papel do farmacêutico foi se ajustando às demandas. No Brasil, a Lei 5991/1973 foi um marco por regulamentar a farmácia como um estabelecimento de comércio de medicamentos, porém não determinava a presença obrigatória de um farmacêutico – o que foi considerado um retrocesso por parte do mercado, segundo Moura.
“Mas desde 2014, quando a Lei Federal 13021 foi promulgada, as farmácias puderam assumir o papel de estabelecimento de saúde, e não somente serem regidas por uma lei que regulava o comércio farmacêutico. Os farmacêuticos passaram a ter melhores condições de trabalho e, como consequência, mais valorização profissional”, conta a farmacêutica bioquímica e conselheira do Conselho Regional de Farmácia do Estado do Rio de Janeiro (CRF-RJ), Tania Mouço.
A covid-19 trouxe muitos desafios, porém reforçou a relevância desse profissional. “Em 2020, com a pandemia, a farmácia como hub de saúde ganha força, porque ela se tornou uma extensão do serviço público de saúde. Com todas as Unidades Básicas de Saúde (UBSs), Unidades de Pronto Atendimento (UPAs) e hospitais lotados, a farmácia foi, sem dúvida, em todo o mundo, a área da saúde que realmente abraçou grande parte dos problemas, fazendo testes rápidos de covid e direcionando o paciente sobre o uso indevido de medicamentos. Isso foi visto com bons olhos em grande parte do mundo”, analisa o professor do Centro Universitário São Camilo.
“Durante a pandemia, as farmácias cumpriram seu papel e os farmacêuticos se destacaram, orientando a população, inclusive realizando exames para a covid-19, e foram autorizadas a aplicar as vacinas da gripe para a população em geral”, completa Tania.
Segundo ela, contribuíram também para o avanço da profissão, as mudanças recentes na legislação, como a Resolução 720/22 do Conselho Federal de Farmácia (CFF), que possibilitou a criação dos serviços farmacêuticos em farmácias e a criação de consultórios independentes; e a Resolução CFF 727/22, que define a Telefarmácia.
“Quando houve a aprovação da RDC 786, em 05/05/2023, as farmácias passam a ser classificadas como Serviço Tipo I e a realizar diversos Exames de Análises Clínicas (EAC). Logo, a “virada profissional” acontece e o farmacêutico passa a exercer o papel do cuidado ao paciente, quando no passado não era possível”, afirma Tania.
Hub de saúde: uma nova era
Hoje, no cenário de hubs de saúde, o farmacêutico vai além da dispensação de medicamentos e assume um papel ativo. “São inúmeros os serviços prestados pelo profissional, desde o acompanhamento farmacoterapêutico, orientando os pacientes sobre o uso adequado dos medicamentos, identificando interações e reações adversas, ampliando a adesão e otimizando tratamentos. O farmacêutico também está habilitado a aplicar vacinas e realizar campanhas de educação em saúde, contribuindo com políticas públicas e a promoção da saúde da população”, diz o presidente do Conselho Regional de Farmácia do Estado de São Paulo (CRF-SP), Marcelo Polacow.
“Além disso, o farmacêutico desempenha um papel na triagem e monitoramento de doenças crônicas, acompanhando parâmetros vitais, como pressão arterial, níveis de glicose e colesterol, o que ajuda na prevenção de complicações e no controle eficaz dessas condições. O farmacêutico também atua ativamente na saúde preventiva, promovendo hábitos saudáveis, orientando sobre a prevenção de doenças e o uso de suplementos e vitaminas”, completa Polacow.
Formação constante
A evolução do farmacêutico também é atribuída às modificações nas diretrizes curriculares dos cursos de Farmácia no Brasil, que em 2002 passaram a ser implantados na modalidade generalista, segundo Tania.
Para Moura, do Centro Universitário São Camilo, a formação generalista é importante para que o profissional não domine apenas o conteúdo técnico e científico, mas desenvolva competências e habilidades mais abrangentes, com uma visão humanista.
“Não dá para formar o farmacêutico para ele saber somente mecanismos de ação de medicamento, manipular ou manusear um equipamento de uma indústria farmacêutica em um laboratório. Ele deve ser um profissional reflexivo em relação à necessidade de uma dada população ou do ambiente onde atua. O farmacêutico é o profissional do medicamento, mas também é o profissional do paciente, porque independentemente dele trabalhar em uma indústria ou farmácia, sempre estará ligado ao paciente, a uma pessoa”, diz Moura.
O farmacêutico é o profissional do medicamento, mas também é o profissional do paciente.
Para os especialistas, depois da graduação, o desafio é se manter atualizado no novo cenário da saúde. “Entre os desafios, destacam-se os avanços rápidos na ciência, que exigem atualização contínua, e a dificuldade em encontrar tempo e recursos para educação e formação. A integração multidisciplinar com outros profissionais de saúde também é um desafio, assim como a utilização de novos recursos tecnológicos que requerem adaptação”, diz Polacow, acrescentando que as mudanças nas regulamentações e políticas de saúde demandam que os farmacêuticos se mantenham informados, e o acesso limitado a recursos educacionais em algumas regiões pode dificultar ainda mais essa atualização.
“Esses fatores tornam essencial que os farmacêuticos sejam proativos em sua constante atualização e adaptação para oferecer o melhor cuidado aos pacientes”, recomenda Polacow.
Fotos: Shutterstock
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