Não dá para negar: o consumidor está cada vez mais interessado em produtos saudáveis e sustentáveis – alimentos, bebidas, cosméticos etc. Esse comportamento, que ganhou força depois da pandemia, tem impulsionado a indústria de produtos orgânicos e naturais em todo o mundo, que cresce cerca de 10%, ultrapassando US$ 200 bilhões em 2020.
Quando o assunto é beleza, o mercado global de cosméticos naturais e orgânicos também se destaca, movimentando US$ 10 milhões, em 2022, e com projeção de atingir US$ 16 milhões até 2028, segundo dados do Business Research Insight. Já o segmento de cosméticos veganos tem a expectativa de chegar a US$ 20,8 bilhões até 2025 em todo o mundo.
No Brasil não é diferente. O segmento de produtos orgânicos, por exemplo, deve alcançar um valor de US$ 1,77 bilhão até 2026 no país, segundo a Research e Markets.

Um retrato desse cenário pode ser visto na 18ª edição das feiras Bio Brazil Fair/Biofach e Naturaltech 2024, realizadas no Distrito Anhembi, em São Paulo (SP), de 12 a 15 de junho.
A reportagem do Guia da Farmácia conferiu as novidades deste que é um dos maiores eventos do setor de produtos naturais e orgânicos da América Latina. Neste ano, a feira foi realizada em um espaço de 47 mil m², com a participação de 1.700 marcas, 760 expositores e 170 palestrantes.
Conversamos com Valeska Ciré, head de produtos da Francal, empresa que organiza a Bio Brazil Fair/Biofach e Naturaltech. A executiva apresentou um panorama deste setor, além de apontar tendências e oportunidades, inclusive para o canal farma.
Confira, a seguir, a entrevista.
Qual é o balanço que você faz da Naturaltech e Bio Brazil em todos esses anos?
Estamos celebrando 18 anos de edição dessas feiras, conquistando a maioridade da Bio Brazil e da Naturaltech. A gente brinca que começou como uma feira de hippie, de bicho grilo, na Bienal do Ibirapuera. Daí a Francal, e principalmente o Abdala [Abdala Jamil Abdala, atual chairmain da Francal], que era o presidente da Francal à época, acreditou neste mercado, não apenas porque dava resultado financeiro, mas enxergou um projeto futuro. Foi incrível ver a transformação desse mercado, formado em sua maioria por pequenas e médias empresas, que cada vez mais ganham musculatura e escala. As maiores inovações que vemos na feira são dos pequenos. A área de suplementos é outro destaque, foi crescendo no evento de forma orgânica.
Isso aconteceu depois da pandemia?
Não, antes da pandemia tinha crescido um pouco e cresceu mais ainda, porque todo mundo passou a olhar para a questão da saudabilidade. A pandemia foi um impulsionador definitivo.
Temos uma equipe que faz a curadoria e auditoria prévia das empresas que querem participar da feira, e depois fazemos outra auditoria durante a feira. Qual é o mote aqui? Trazer o clean label, trazer o rótulo limpo. Ainda que algumas marcas possam ter outras linhas de produtos, na Naturaltech e Bio Brazil o foco é uma linha de bem-estar, de clean label. E as marcas vêm entendendo isso. Algumas batem na porta e a gente olha e fala que não dá. Mas é bom porque isso desperta a possibilidade de investir. Como é que eu entro nesse mercado?
E como se entra neste mercado?
Primeiro, é importante estar conectado com as tendências do consumidor – e ele busca por saudabilidade. Segundo estatísticas da Nielsen, 86% dos brasileiros buscam pelo menos uma ou tem pelo menos uma opção saudável. Claro que temos o Brasil e os seus “Brasis”, mas, de qualquer forma, é um número grande. Se a gente olhar o crescimento do mercado saudável nos últimos anos, é um crescimento de dois dígitos. O Brasil tem uma população de mais de 200 milhões de pessoas e se tiver um percentual realmente consumindo produto saudável – alimento, bebida, suplementos, cosméticos, dermocosméticos –, isso muda o jogo.
As empresas também têm de olhar para um plano de negócio, logística, produção, escala, entender quem é o cliente. Eu vou conseguir atender um grande varejo ou empórios? Tenho escala de distribuição? Acho que os pequenos vão aprendendo isso na dor.
Hoje em dia, entre as empresas menores, vemos muitos jovens liderando as marcas mais inovadoras, além de startups, investidores anjos e fundos de investimento que só olham para produtos com propósito.
Então, a entrada neste mercado envolve estudo e trazer produto que tenha sabor, no caso de alimentos. Se não tiver sabor, se não for gostoso, não adianta. Hoje o sabor é o maior esforço das marcas.
Qual é o desafio em relação a cosméticos e dermocosméticos?
Cosmético e dermocosmético é uma linha que cresceu bastante na feira. O que o mercado tem de desafio? O consumidor passou a perceber que a saudabilidade vai além do alimento, ele se preocupa com o produto que usa na pele, no cabelo, se é um produto cruelty free, por exemplo.
Os mercados vegetarianos e vegano crescem muito no Brasil. No caso de dermocosméticos e cosméticos, passa por um processo de atender uma dor que o consumidor tem por alguma questão de saúde ou restrição. E o mais interessante é que já superamos uma barreira: o consumidor quer ter um produto que trate melhor a pele e contribua com o meio ambiente. Na feira, os estandes de cosméticos estão lotados, essa é a melhor fotografia de mercado.
Quais são as oportunidades que o canal farma pode explorar em cosméticos e dermocosméticos?
Como consumidora, adoraria entrar numa drogaria, numa farmácia, e do mesmo jeito que tem as marcas tradicionais, encontrar uma gôndola com produtos naturais e orgânicos. É uma nova categoria de produtos. Eu acho que a canal farma ainda vai despertar para o universo de cosméticos e dermocosméticos naturais, orgânicos e veganos.
Muitas marcas se intitulam naturais, veganas ou orgânicas, mas sabemos que ainda tem muito greenwashing. Como você vê essa questão? O consumidor está mais atento a isso?
Greenwashing existe em qualquer segmento e o que vai regulamentar isso são as certificações. Se um produto que se diz cruelty free tiver o selo da Sociedade Vegetariana Brasileira (SVB), por exemplo, eu já fico mais tranquila. Não basta ficar só no discurso, precisa ter a comprovação técnica e científica. Isso passa também por uma questão de educação que as marcas estão tentando fazer à medida que vão ganhando mais mercados e mais gôndolas. É como você comprar um produto, mas não sabe como consumir. Então precisa ter educação, treinamento, treinar o lojista, treinar o canal farma.
De fato, é um mercado novo?
Sim. A gente convida as farmácias para o evento por entender que o canal farma é target. A farmácia só vai comprar mais e melhor se tiver informação do que é esse segmento e cabe à indústria passar essa informação. Estamos tentando fazer esse match, mas não é fácil porque o budget de uma empresa da área de cosméticos naturais é diferente do budget de uma empresa tradicional que já opera com uma escala gigantesca.
Na verdade, vemos que é um despertar. Da mesma forma que o supermercado está despertando para o segmento de alimentos ou produtos naturais, o canal farma também vai despertar. É uma questão de pouco tempo, porque tempo é igual a resultado. Se tiver na prateleira, tem procura e dá resultado. O consumidor não está interessado só em preço.
Há dados que mostram quanto a população brasileira já se preocupa com produtos veganos, orgânicos e naturais?
Dados da Sociedade Vegetariana Brasileira mostram que pelo menos 16% dos brasileiros se identificam ou se dizem veganos ou vegetarianos. É muita gente, mais de 20 milhões de pessoas. Já é um número bem relevante.
Há também aqueles que não são veganos nem vegetarianos, mas são flexitarianos, as pessoas que querem reduzir o consumo de carne. O flexitariano já tem essa consciência e, se puder, vai optar por um cosmético ou um dermocosmético que não tenha sido testado em animais, por exemplo.
Vejo muito essa questão dos ingredientes naturais, do ponto de vista do consumidor que se preocupa com o que está passando na pele e como isso está impactando no planeta.
Bonito todo mundo quer ficar. E então vem essa questão da consciência, da educação e até de desmistificar questões como ‘ingrediente natural não traz resultado rápido”.
Considerando os expositores deste ano, quais categorias de produtos estão se fortalecendo?

Cosméticos e dermocosméticos com certeza. A área de aromaterapia também tem crescido gigantescamente, inclusive as marcas já consolidadas. Na linha de alimentos, um destaque é a área de suplementos, olhando para as combinações de whey protein com outros ingredientes. Vemos algumas collabs com grandes marcas nessa área. Vejo também grande interesse nos produtos orgânicos certificados.
E apesar de não ser uma feira vegana – aliás eu falo que é uma feira all inclusive, porque tem proteína animal, proteína vegetal etc -, é inegável o crescimento de produtos veganos.
Notamos que várias empresas não querem se posicionar como veganas, porque temos uma área na feira onde reunimos as marcas veganas, pois não querem ficar restritas a esse público.
Na sua opinião, quais são os gaps para esse mercado crescer mais no Brasil?
Informação. Falta informação no B2B, falta um uma melhor conexão, um melhor diálogo entre a indústria e o varejo. É essencial, por exemplo, que o canal farma entenda o seu fornecedor ou potencial fornecedor e vice-versa. O diálogo e a educação precisam ser fortalecidos. Também é preciso ter uma conversa mais constante com o consumidor final, que é quem está pagando a conta dessa cadeia toda. Então, ao mesmo tempo que são gargalos, também são oportunidades.
Quando olhamos a parte regulatória, tem a questão da certificação. Aí estamos falando de governo, de Anvisa, cada vez mais os órgãos envolvidos num processo facilitador. Não é para abrir porteira, mas entender, de fato, o que funciona para o Brasil, quais são as dores e o tempo de aprovação, que é diferente do tempo comercial, mas acho que precisa também ter esse olhar para o Brasil e para essa demanda que está crescendo.
Em relação ao ano passado, o que mudou no evento?
Mudou muito. A começar pela reforma do local da feira, do Anhembi, porque antes tínhamos duas entradas para o evento e agora temos três. Também mudamos a configuração da área de orgânicos para o centro da feira.
Além disso, o evento cresceu 30% – são mais de 700 expositores, em sua grande maioria pequenos e médios. Foram mudanças necessárias e importantes. A gente que está no business tem de estar conectado com a demanda do mercado, e ter uma escuta ativa e constante. E a gente procura fazer isso. Esse projeto começou há 18 anos, e queremos que complete 36. Essa é a ideia!
Reportagem: Kathlen Ramos, editora-chefe, e Denise Turco, repórter do Guia da Farmácia
Fotos: Francal
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