A CVS Health, a maior empresa do varejo farmacêutico dos Estados Unidos, com 10 mil farmácias e faturamento que atingiu US$ 355 bilhões em 2023, passou por uma grande transformação e hoje se posiciona como hub de saúde e serviços. Guilherme Serrano, brasileiro que lidera a área de desenvolvimento corporativo e M&A da CVS Health, contou as estratégias e os desafios por trás dessa evolução durante o Abrafarma Future Trends 2024, evento realizado, em agosto, em São Paulo (SP).
O Guia da Farmácia acompanhou a palestra de Serrano, que compartilhou a trajetória da empresa. A CVS começou como uma loja que vendia de tudo, depois se tornou uma farmácia e hoje é um ecossistema de negócios, que vai muito além do varejo, atuando em quatro verticais:
- CVS Pharmacy: rede de farmácia com 10 mil lojas; as unidades têm, em média, área de 1.000 m2;
- CVS Caremark: o PBM da empresa, uma espécie de plano de saúde que cobre medicamentos;
- Aetna: plano de saúde com 35 milhões de clientes;
- Healthcare Delivery: entrega de serviços de saúde de formas diversas e onde o cliente estiver – em casa, no hospital, em uma clínica, na farmácia etc.
“Essa jornada foi acompanhada por uma estrutura de gestão e por uma evolução da marca, que hoje é a CVS Health, com o consumidor no centro desse ecossistema”, disse Serrano. A aquisição de outras empresas foi uma das estratégias utilizadas, ao longo dos últimos anos, para fortalecer os negócios. “Não aconteceu do dia para a noite”, disse o executivo.
Segundo ele, atuar como um ecossistema possibilita aumentar o LTV (Life Time Value) do cliente. “Ter vários pontos de contato com o cliente gera mais oportunidades de monetização e diminui o churn [quantidade de clientes que deixam de comprar um produto ou serviço]”. Além disso, o ecossistema possibilita entregar serviços mais completos para o cliente e, para isso, a CVS se apoia dados para entender o cliente e até mesmo antecipar suas necessidades, com uma abordagem preditiva.
Conheça, a seguir, mais detalhes essas estratégias da CVS.
Clínicas nas farmácias
Em um cenário de margens apertadas de negócios e com gastos da população de saúde norte-americana em alta, a CVS decidiu atuar no segmento de serviços de saúde, começando com clínicas instaladas dentro das farmácias, a Minute Clinic.
Assim, aproveitando a estrutura das milhares de lojas, criou o conceito de “saúde dentro do varejo”. “É uma operação mais barata e que conseguimos oferecer conveniência para consumidor, que não precisa marcar a consulta. Basta chegar e será atendido”, disse Serrano.
Para isso, a empresa redesenhou o layout da loja e retirou categorias improdutivas e que não tinham a ver com saúde, como cartões, por exemplo, e criou a clínica no fundo da loja.
Diferente do mercado brasileiro, nas farmácias da CVS o atendimento é feito por enfermeiras, que cuidam de problemas mais simples de saúde. “Isso tira a carga de atendimento dos hospitais e reduz o custo de saúde, tanto para as pessoas quanto para o governo”, afirmou o executivo.
Mas introduzir o conceito de “saúde no varejo” não se resumiu apenas a criar um espaço de saúde na loja. “Precisávamos de escala. Então, o primeiro passo foi oferecer na Minut Clinic exames cobertos pelos planos de saúde. Além disso, com uma estratégia de marketing to consumer, incentivamos que os usuários do plano de saúde da CVS, o Aetna, usassem os serviços das nossas clínicas. Já para os planos de saúde externos, até nos comprometemos em entregar redução de custo para garantir a performance e assim ter adesão deles. O primeiro passo não foi fácil”, disse Serrano.
Assim, a clínica começou como uma operação pequena, mas ganhou relevância nos negócios ao conseguir atrair volume de clientes a partir da parceria com planos de saúde e estratégias junto ao consumidor final.
Além disso, a CVS fez investimentos para oferecer uma extensa lista de serviços, como cuidados de ferimentos leves, vacinas, análises clínicas, exames, monitoramento de doenças crônicas, serviços nutricionais etc.
Atenção básica
Nessa evolução para ir além do varejo farma, Serrano contou que a empresa apostou no setor de primary care, que é a assistência médica primária ou básica, prestada por médicos generalistas.
“O primary care é um pedaço da cadeia negligenciado nos Estados Unidos, porque precisa atender volume de pacientes, mas se ganha pouco, porém o conceito influencia tudo o que vem depois na saúde”, disse.
A CVS decidiu entrar nesse segmento que estava “quebrado”, enxergando possibilidades de redução de custos para a própria companhia, pacientes, parceiros e governo, segundo o executivo. Para isso, a estratégia incluiu a aquisição de outras empresas, possibilitando a criação de vários serviços em primary care para pacientes em diferentes condições (saudável, crônico) e modalidade de atendimento (online, presencial). De acordo com Serrano, atualmente, a CVS está em pleno desenvolvimento de primary care e começou a oferecer esses serviços também em algumas farmácias da rede.
Em paralelo, a empresa criou um modelo para atender o cliente via planos de saúde. Serrano explicou que o plano paga para a CVS um valor anual para que a companhia cuide de todos os problemas do usuário – desde um tratamento de baixa complexidade até um transplante, por exemplo. Se o tratamento custar menos que o valor estabelecido, a CVS ganha; se custar mais, a CVS assume o risco. “É um modelo novo que mistura seguradora com clínica e farmácia”.
Dados para apoiar a jornada do paciente
Com um volume imenso de dados – gerados nas interações diárias com clientes nas farmácias, nas clínicas e visitas ao site, a CVS foi encontrando um caminho para usá-los de forma estratégica e benéfica para própria companhia. Nessa jornada, também passou a monetizar o dado (ou seja, vender insights ou gerar valor através de insights).
“Quando temos várias fontes de dados e centralizamos tudo isso, conseguimos ver o cliente de forma holística e tomar decisões de forma muito mais acertada”, disse Serrano. Assim a estratégia de dados tem colaborado para todas as frentes de negócios do ecossistema da CVS, possibilitando acompanhar a jornada do cliente/paciente e criar novas fontes de receitas.
Uma delas é com retail media, contou o executivo. Com uma base gigantesca de dados do programa de fidelidade da farmácia CVS, chamado Extra Care, criado há 25 anos e com cerca de 70 milhões de usuários, além de dados externos, a empresa consegue monitorar o que o cliente consome e, assim, trabalhar com os parceiros da indústria através de retail media, oferecendo ofertas personalizadas e conseguindo medir os resultados. Aliás, a CVS criou uma área dedicada a retail media.
“No Brasil o retail media é uma área nascente. Nos Estados Unidos, ainda não é tão madura. Estamos aprendendo ainda, mas já estamos com grande tração. É uma ferramenta muito interessante para todos, porque ela é de baixo custo. Se você já tem os dados organizados e os insights, entregar a mensagem certa para o cliente certo é uma oportunidade gigantesca para a empresa e parceiros”, afirmou Serrano.
Outra iniciativa da CVS com base em dados e infraestrutura para gerar insights é o Next Best Action – a próxima ação que deve ser tomada em cada momento da vida do paciente. “O Next Best Action tenta entender qual ação que a CVS, através da farmácia, do plano de saúde etc, consegue tomar para fechar os gaps de cuidado, ou seja, deixar a pessoa mais saudável e reduzir gastos”. Com uso de dados, Inteligência Artificial e outras ferramentas, consegue acompanhar a jornada do cliente e o aconselhar, por exemplo, em qual especialidade médica ele deve ir, no momento adequado.
Todas essas inovações em serviços da CVS não seriam possíveis sem uma base forte: a farmácia. “É a farmácia que está em cada esquina e é o farmacêutico que conversa toda semana com as pessoas, ele é o conselheiro. Tudo começa na farmácia e tudo depende dela”, afirmou Serrano. “Espero que aqui, no Brasil, assim como nos Estados Unidos, se perceba o poder que essa presença local e de confiança da farmácia tem na saúde dos brasileiros”, finalizou.
CVS em números
Faturamento 2023: US$ 355 bilhões
Lucro operacional: US$ 17,4 bilhões
Clientes atendidos: 120 milhões
Medicamentos dispensados: 2,3 bilhões
Foto: Divulgação Abrafarma Future Trends/Guto Marcondes
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