À espera da rastreabilidade

Depois de mudanças nas regras de compartilhamento de dados sobre os medicamentos em circulação no País, projeto-piloto de rastreamento está prestes a ser iniciado

A rastreabilidade é um tema debatido entre os players do setor farmacêutico brasileiro há pelo menos oito anos, desde que foi promulgada a Lei 11.903/09, que dispõe sobre a criação de um Sistema Nacional de Controle de Medicamentos (SNCM). A legislação propõe que, por meio da tecnologia de rastreabilidade, seja traçado o histórico, a custódia atual ou a última destinação conhecida dos medicamentos.

Entretanto, os planos de criar um sistema de controle sobre os produtos farmacêuticos em circulação no País ainda não saiu do papel. Durante os estudos de implantação realizados de forma colaborativa pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) e a cadeia farmacêutica, algumas barreiras relevantes foram detectadas.

Tecnologias disponíveis

A rastreabilidade também pode ser usada para trazer benefícios diretos ao consumidor final. Pensando nisso, a R&B criou o aplicativo MEDid, que permite que o paciente faça a leitura do código de barras e do código bidimensional do medicamento com a câmera do celular e tenha acesso às especificações do produto, ajudando a comprovar a autenticidade. A mesma tecnologia ainda funciona como um lembrete digital de medicamento, que auxilia o paciente a seguir o tratamento à risca.

 

Primeiramente, os players do setor se posicionaram contra a Resolução de Diretora Colegiada (RDC) 54/13, que previa que as informações coletadas pelo sistema de rastreabilidade seriam repassadas para a indústria, que, por sua vez, seria a responsável por enviar os dados à Anvisa.

Varejo e distribuição posicionaram-se contra a medida, alegando que o compartilhamento de informações comerciais deixaria o setor vulnerável. De outro lado, a indústria também se mostrou insatisfeita, já que a responsabilidade de receber, armazenar e reportar as informações recebidas geraria custos pesados, capazes de interferir nos resultados dos negócios.

Para evitar isso, as entidades representantes do setor se mobilizaram e conseguiram demonstrar a necessidade de alterar o marco legal até então vigente. “O sistema de rastreamento não poderia onerar ainda mais as empresas, que têm os preços de seus produtos controlados pelo governo, em valores que estão sempre defasados, abaixo da inflação e da evolução dos custos de produção da indústria. Ao contrário do que acontece com outros segmentos econômicos, o setor farmacêutico não teria como incorporar mais um custo”, afirma o presidente executivo do Sindicato da Indústria de Produtos Farmacêuticos no Estado de São Paulo (Sindusfarma), Nelson Mussolini.

Mudanças de regras

Na tentativa de agilizar o processo de implantação da rastreabilidade, o presidente Michel Temer promulgou a Lei 13.140 em dezembro de 2016, dando prazo máximo de cinco anos para que a cadeia farmacêutica implante de maneira integral o SNCM.

Diante do novo prazo e dos apelos do setor, a Anvisa decidiu rever as regras estabelecidas pela RDC 54/13 e, no dia 15 de maio de 2017, publicou a RDC 157, que determina novos mecanismos e procedimentos para o rastreamento de medicamentos.

A nova resolução retira da indústria a condição de armazenador de informações repassadas por meio das ferramentas do Sistema. “Aos laboratórios, caberá apenas gravar um código de barras bidimensional em cada caixinha de medicamento. Esse número é único, como se fosse o Registro Geral (RG) do produto, e deve ser rastreado por toda a cadeia. Cada mudança de custódia deve ser comunicada à Anvisa. Ou seja, todo player da cadeia deverá reportar a entrada e a saída desse produto diretamente ao órgão de vigilância sanitária”, explica o CEO da R&B, Amilcar Lopes.

A cadeia farmacêutica está preparada para a rastreabilidade?

Toda implantação de processos que envolva tecnologia necessita ser estabelecida por etapas. A complexidade da tecnologia que envolve a rastreabilidade de medicamentos é muito elevada e, portanto, deve ser estabelecida gradualmente, considerando todos os inúmeros fatores importantes para sua execução.

Para implementar o sistema gradualmente, sete empresas irão participar de um projeto-piloto: Aché, Bayer, Boehringer Ingelheim, Janssen-Cilag, Libbs, Eurofarma e Roche. Essas empresas estão com processos mais avançados e já são capazes de colocar em prática a rastreabilidade. Mas, de acordo com o CEO da R&B, Amilcar Lopes, quase 100% das indústrias já estão pelo menos com o processo de serialização – produzir embalagens identificadas com o código bidimensional – finalizado.

Definido que a Anvisa será a responsável pelo gerenciamento e o controle desses dados, agora era hora de dar os próximos passos. De acordo com a decisão da Agência, a implantação do SNCM será dividida em três etapas.

Na primeira delas, será feita a serialização da linha de produção, ou seja, as embalagens começarão a ser produzidas com o código bidimensional impresso. Em seguida, será a vez de testar o sistema de troca de informações e o funcionamento do banco de dados da Anvisa. Em um terceiro momento, o sistema de rastreabilidade será implementado de maneira integral, incluindo distribuidores e varejistas.

As farmácias também farão parte do SNCM e terão de reportar à Anvisa toda vez que estiverem em posse de determinada mercadoria. “Os pontos de venda (PDVs) terão o prazo de sete dias para fazer essa comunicação, então é possível juntar todas as informações ao longo da semana e enviar os dados toda sexta-feira”, exemplifica Lopes.

Já estão disponíveis tecnologias que permitem ao varejo ler o código bidimensional impresso nas embalagens. Por meio de aplicativos mobile, é possível fotografar o código – que se assemelha a um QR Code – com a câmera de um celular e ter acesso aos dados.

Projeto-piloto

Devido à complexidade desses processos, a Anvisa decidiu criar um projeto-piloto de rastreabilidade. No fim de agosto de 2017, a Agência definiu as cinco empresas escolhidas para os testes: Aché, Bayer, Boehringer Ingelheim, Janssen-Cilag e Libbs.

Posteriormente, o Sindusfarma solicitou a inclusão de mais duas empresas: Eurofarma e Roche. Nessa fase experimental, alguns medicamentos serão excluídos do novo método de rastreamento. São eles: soros e vacinas integrantes do Programa Nacional de Imunização (PNI), radiofármacos, Medicamentos Isentos de Prescrição (MIPs), amostras grátis, entre outros.

“A fase experimental é fundamental para que ajustes sejam realizados e, desta maneira, o aprimoramento de todo o processo para evitar falhas futuras. O polo farmacêutico brasileiro é muito grande e as medidas de escalonamento de avaliação em fase experimental são providenciais e facilitarão a implantação nacional”, destaca a farmacêutica responsável pela Farmácia Universitária da Faculdade de Ciências Farmacêuticas da Universidade de São Paulo (USP), Maria Aparecida Nicoletti.

De acordo com o que foi previsto na RDC 157/16, as empresas têm um prazo de quatro meses para executar a fase experimental. A contagem se deu a partir da publicação da Resolução, em maio último, logo deveria ter sido iniciada no último mês de setembro. No entanto, até o fechamento desta reportagem, o projeto-piloto não tinha começado.

“Mas estamos convictos de que os prazos definidos na legislação serão atendidos. Os prazos são compatíveis com as possibilidades das empresas e estão alinhados com o que aconteceu nos Estados Unidos. A questão em pauta ficou bem resolvida”, garante Mussolini.

Lopes compartilha de opinião semelhante e acredita que, agora, a rastreabilidade de medicamentos está muito próxima de se tornar uma realidade. “Já senti o mercado muito reticente, quando a Anvisa realizou os primeiros pilotos, por volta de 2012. Hoje, a indústria está muito mais conscientizada e 100% do setor está aderindo à ideia. A rastreabilidade está presente no mundo todo e não vejo hipótese de não nos adequarmos por aqui”, opina.

Benefícios agregados

A rastreabilidade tem diversas funções muito importantes para a saúde pública e as questões sanitárias. Caso seja necessário realizar o recall de um medicamento, por exemplo, a empresa fabricante saberá exatamente onde deve buscar o produto, como tirá-lo do mercado de forma rápida, evitando que traga dano para a população.

O maior controle sobre a origem do medicamento também pode ajudar a combater falsificação e roubos de carga. “Com o código bidimensional impresso na caixa, posso consultar a procedência do medicamento, além de várias outras informações muito ricas, como validade e data de fabricação. Isso vai impedir a dispensação de itens fora de prazo adequado para o consumo”, acredita Lopes.

Foto: Shutterstock

Inovação é chave do sucesso

Edição 304 - 2018-03-01 Inovação é chave do sucesso

Essa matéria faz parte da Edição 304 da Revista Guia da Farmácia.