Acordar cansado não é normal!

Problema pode ser tanto um quadro passageiro, relacionado com algum fato recente, que geralmente melhora espontaneamente, como também um quadro persistente que exige tratamento multidisciplinar

Acordar cansado não é normal, dormir bem é essencial para o bom funcionamento do organismo, qualidade de vida e prevenção de doenças, entretanto, 75% da população brasileira apresenta queixas em relação ao sono, 50% reclamam de insônia, mas não necessariamente possuem o distúrbio, e 20% dos brasileiros, de fato, têm insônia, de acordo com dados da Associação Brasileira do Sono (ABS).

A insônia é caracterizada pela dificuldade em iniciar ou manter o sono, mesmo que em condições adequadas. Segundo a pneumologista da ABS, Dra. Luciana Palombini, o diagnóstico é confirmado quando a insônia persiste por mais de três meses, na frequência de três ou mais noites por semana, prejudicando a disposição no dia seguinte ao acordar cansado.

“Acordar cansado não é normal! Em curto prazo, as principais consequências das noites mal dormidas são acordar cansado, sonolência, piora do humor, irritabilidade, prejuízos da memória, concentração, raciocínio e, consequentemente, da qualidade de vida do paciente.”

Confira dez dicas que podem ajudar o paciente em uma boa noite de sono

  1. Procurar deitar e levantar habitualmente nos mesmos horários, mesmo nos fins de semana.
  2. Evitar dormir muito durante o dia. Cochilos, quando possíveis, podem ajudar na disposição, mas acima de 30 minutos (em qualquer momento do dia) tendem a prejudicar o sono noturno.
  3. Atividade física ajuda a dormir melhor, mas deve ser praticada pela manhã ou à tarde, até seis horas antes de dormir.
  4. Evitar consumir bebidas com cafeína à noite, como café, chá preto, chá-mate, refrigerante e energético. Eles devem ser evitados até cinco horas antes de dormir.
  5. Preferir um cardápio alimentar leve no jantar. Alimentos pesados e ricos em proteína, quando consumidos em excesso à noite, podem atrapalhar o sono.
  6. Evitar o consumo de bebidas alcoólicas até seis horas antes de dormir.
  7. Diminuir a exposição à luz durante a noite. Lâmpadas fortes, telas de computador, tablets e celulares podem atrapalhar a produção de melatonina (hormônio que ajuda nosso organismo a se preparar para dormir) e devem ser reguladas ou evitadas durante a noite.
  8. Criar um local aconchegante para dormir, totalmente escuro e silencioso.
  9. Fazer atividades relaxantes à noite, como tomar um banho morno, ler, pintar, bordar, escutar música calma e meditar.
  10. Tentar não “brigar” com a insônia. Ir para a cama sem sono não ajuda. O ideal é fazer alguma atividade com pouca luz e que não provoque agitação, como ler.

Fonte: pneumologista e integrante da Unidade de Medicina do Sono do Hospital Sírio-Libanês, Dr. Maurício da Cunha Bagnato

Na explicação do neurologista e membro titular da Academia Brasileira de Neurologia (ABN), Dr. Raimundo Nonato Delgado Rodrigues, a insônia pode ser considerada uma doença de origem comportamental ou um sintoma relacionado à presença de condições predisponentes, como dor, alterações ambientais, doenças de cunho clínico ou psíquico. “A partir da identificação do distúrbio do sono é feita a indicação do tratamento adequado que, vale ressaltar, nem sempre envolve o uso de medicação.”

Isso porque o especialista enfatiza que a insônia pode ser tanto um quadro passageiro, relacionado com algum fato recente, que geralmente melhora espontaneamente, como também um quadro persistente que exige tratamento multidisciplinar.

Acordar cansado não é normal: como combater a insônia

O primeiro passo é detectar a causa da insônia, enfatiza o neurologista especialista em Medicina do Sono e membro titular da Academia Brasileira de Neurologia (ABN), Dr. Raimundo Nonato Delgado Rodrigues.

Ele explica que o mecanismo de vigília ativo é a ação de não dormir durante a noite e esta privação do sono consiste num ato comportamental, geralmente provocado por causas psicológicas, como ansiedade, estresse ou medo, ou até neurológicas, como disfunção hormonal.

Segundo o médico, a terapia cognitivo- -comportamental pode ou não vir associada ao uso de medicação, “em geral, prescrita para as insônias agudas, que costumam durar de sete a 15 dias”, explica ele.

Popularmente conhecidos como calmantes, os hipnóticos constituem a classe de medicamentos que atua na indução do sono, mas como todo medicamento, têm seus efeitos colaterais e devem ser utilizados somente com orientação médica, adverte o neurologista da ABN.

“Os hipnóticos podem causar sonolência no dia seguinte, diminuir a atividade intelectual e até induzir dependência e tolerância, ou seja, necessidade de doses maiores para se obter o mesmo efeito.” O Dr. Rodrigues acrescenta que algumas medicações utilizadas para outros tratamentos, como os transtornos psicológico-psiquiátricos, também podem influenciar o sono.

“Os ansiolíticos, por exemplo, são utilizados para tratar quadros de ansiedade e só vão funcionar para combater a insônia quando os dois problemas estiverem associados. Mesmo assim, muitas vezes, ainda precisamos combinar outras drogas.”

O tempo de uso da medicação vai depender da resposta do paciente.

Em longo prazo, acrescenta a neurologista e presidente da ABS, Dra. Andrea Bacelar, a insônia acarreta prejuízos mais graves, como comprometimento do sistema imunológico, depressão, obesidade, diabetes, doenças cardiovasculares, falta de vigor físico, envelhecimento precoce, diminuição do tônus muscular e déficit de memória. “Qualquer faixa etária pode apresentar o transtorno do sono, mas a mulher entre 40 e 60 anos é um alvo muito frequente. E o grande problema é que as pessoas demoram muitos anos para buscar ajuda profissional.”

Segundo o neurologista da ABS, Dr. Luciano Ribeiro, as mulheres são as mais acometidas pela insônia, na proporção de três para apenas um homem. “As causas de insônia são multifatoriais, envolvendo fatores físicos, psicológicos e sociais. As mulheres no climatério apresentam alterações hormonais e emocionais importantes que as predispõem à insônia. Vale lembrar que os idosos também apresentam hábitos inadequados e alterações comportamentais e do ritmo circadiano.”

Auxílio dos fármacos para não acordar cansado

Os medicamentos indutores do sono, conhecidos como benzodiazepínicos, têm sido utilizados em excesso no Brasil, adverte a presidente da ABS. “Esse tipo de medicamento tarja preta deve ser utilizado sob orientação médica e por pouco tempo, uma vez que apresenta rápida tolerância e dependência, podendo agravar ainda mais o quadro de insônia e suas consequências.”

Além disso, a neurologista avisa que o uso de medicações sem prescrição pode alterar a qualidade do sono, ou seja, “o paciente passa a dormir mais tempo, porém de forma superficial, ocorrendo diminuição do sono profundo que é aquele que realmente descansa”, ressalta o Dr. Ribeiro.

Mitos e verdades sobre os calmantes

1 – Os calmantes viciam.

Verdade. Alguns calmantes podem induzir dependência e isto ocorre pela ação do medicamento no Sistema Nervoso Central (SNC). É importante ressaltar que os calmantes também podem provocar uma dependência psicológica, em que o paciente fica inseguro de não tomar a medicação.

2 – Os calmantes podem ser usados por longo prazo.

Mito. Não se recomenda o uso de calmantes em longo prazo, sobretudo para o tratamento da insônia. O objetivo é evitar a dependência e a necessidade de aumento das doses.

3 – Os calmantes precisam de receituário para a compra.

Verdade. Alguns medicamentos calmantes necessitam de receita, às vezes até receituário especial. O objetivo é restringir o uso desses medicamentos apenas sob orientação médica pelos riscos de efeitos colaterais, dependência e tolerância.

4 – Existem calmantes naturais e alopáticos.

Verdade. Existem os calmantes fitoterápicos, que são vendidos sem receita médica e têm menores riscos à saúde, e os alopáticos, que popularmente são chamados de calmantes, mas o termo correto é hipnótico e exigem orientação médica adequada para sua administração.

Fonte: pneumologista especialista em Medicina do Sono do Hospital do Coração (HCor) e da BP – A Beneficência Portuguesa, Dr. Pedro Rodrigues Genta

Nem todos os pacientes diagnosticados com insônia precisam de medicamentos para combater o quadro e a associação de tratamentos tem apresentado resultados melhores.

Além da higiene adequada do sono, psicoterapia e até técnicas de relaxamento, algumas mudanças de hábitos costumam surtir efeitos muito satisfatórios. “As pessoas devem usar a cama somente para dormir, deixar o quarto escuro, silencioso e com temperatura agradável. Se mesmo assim o sono não aparecer em até 30 minutos, a orientação é de que o paciente saia da cama, faça alguma atividade relaxante e só volte quando estiver de fato com sono”, diz a Dra. Luciana.

Outra dica importante da médica é “não variar em mais de duas horas o horário de levantar no fim de semana, desligar todos os eletrônicos em torno de 30 a 40 minutos antes de dormir e praticar atividade física de forma regular”.

Acordar cansado: atenção com o ronco

O ronco é um sintoma muito característico do distúrbio de sono e popularmente é interpretado como um sinal de que o indivíduo dorme bem. Entretanto, é justamente o contrário, alerta a Dra. Luciana. “Quem ronca está esforçando sua musculatura respiratória para além de seus limites e está sobrecarregando o coração. Ao longo do tempo, o indivíduo que ronca pode ficar hipertenso e/ou apresentar infarto do miocárdio ou derrame cerebral.”

Segundo a especialista, o paciente que ronca pode ter desde amígdalas grandes ou pescoço “gordo” como também apresentar obesidade ou apneia obstrutiva do sono. “Nesse caso, as noites mal dormidas por conta do ronco também podem acarretar em acordar cansado, prejuízo de memória e dificuldade de raciocínio. O ronco, associado às paradas respiratórias (apneia obstrutiva do sono), pode levar à diminuição da libido e até disfunção erétil, sem falar nos problemas cardiovasculares, como hipertensão arterial, infarto, Acidente Vascular Cerebral (AVC) e diabetes.”

Foto: Shutterstock

O que está por vir?

Edição 322 - 2019-09-09 O que está por vir?

Essa matéria faz parte da Edição 322 da Revista Guia da Farmácia.