Ansiedade e estresse à flor da pele

Sensações ruins fazem parte do cotidiano de milhões de brasileiros. Lidar com isso nem sempre é fácil e a saída está na prevenção

No dia a dia, seja no trabalho, em casa, em uma roda de amigos, na academia, quem nunca ouviu alguém dizer que está estressado? Ou que se considera ansioso? Raro encontrar quem nunca tenha presenciado uma declaração assim.

Nessa montanha russa em constante movimento que é a vida, situações que provocam estresse é o que não faltam. E elas podem ser de todo o tipo: uma discussão doméstica, o trânsito impraticável das grandes cidades, o excesso de trabalho, a falta dele, uma doença na família, o fim de um relacionamento, enfim, motivos para que o organismo desencadeie uma série de reações às tais situações de estresse. Sim, ele nada mais é do que uma reação do organismo diante de alguma situação inesperada ou que exija uma adaptação repentina. “Essa reação se manifesta por meio de componentes físicos, hormonais, mentais ou neuroquímicos e psicológicos. Em outras palavras, o estresse é um sinal de alerta que significa tensão, sobrecarga ou desgaste provocado por alguma situação ou problema”, conta o psiquiatra da BP – A Beneficência Portuguesa de São Paulo, Dr. Pedro Daniel Katz.

Calmantes e ansiolíticos fitoterápicos

Para aliviar os sintomas causados por quadros de estresse e ansiedade são prescritos, muitas vezes, calmantes e ansiolíticos. Os ansiolíticos são medicamentos indicados para a ansiedade, objetivando a sua diminuição, e atuam no organismo diretamente nas áreas responsáveis para o controle da ansiedade e do estado de alerta, promovendo sensação de relaxamento. “São também chamados de tranquilizantes e calmantes. Em alguns casos, são recomendados para insônia, devido à sonolência que podem provocar”, explica a farmacêutica responsável pela Farmácia Universitária da Faculdade de Ciências Farmacêuticas da Universidade de São Paulo (USP), Maria Aparecida Nicoletti. Segundo ela, um dos principais grupos é o dos benzodiazepínicos. “O efeito ansiolítico dos benzodiazepínicos está relacionado com o sistema gabaminérgico do sistema límbico. O ácido-gama-aminobutírico (GABA) é um neurotransmissor com função inibitória capaz de atenuar as reações serotoninérgicas responsáveis pela ansiedade”, diz. A farmacêutica explica que as drogas ansiolíticas diminuem a ansiedade, moderam a excitação e acalmam o paciente. O mecanismo de ação se baseia na atuação nos sistemas inibitórios de neurotransmissão do ácido-gama-aminobutírico (GABA), além de provável ação direta na indução do sono não REM (movimentos rápidos dos olhos). Ela acrescenta que um dos fitoterápicos mais utilizados é a Passiflora incarnata, que atua na insônia e na hiperexcitabilidade nervosa induzindo ao sono próximo do fisiológico. “Normalmente, medicamentos contendo Passiflora incarnata são indicados para tratar estados de irritabilidade, agitação nervosa, insônia e desordens da ansiedade. Saliente-se que o medicamento contendo Passiflora incarnata não deve ser usado com medicamentos sedativos e depressores do sistema nervoso central (SNC)”, alerta.

Segundo ele, por ser um sinal de alerta, o estresse é positivo, pois permite a prevenção de problemas mais sérios. “Entretanto, quando há desrespeito ou falta de importância a esse alerta do organismo, o estresse assume um caráter negativo, podendo se tornar crônico – que é o que afeta a maioria das pessoas –, ou agudo, ou seja, mais intenso e normalmente resultante de situações traumáticas”, alerta.

É importante frisar que o estresse está diretamente relacionado à qualidade de vida e, consequentemente, à saúde e ao bem-estar do indivíduo. Em outras palavras, quando o organismo reage de forma equilibrada às tensões e pressões externas, permitindo que as pessoas mantenham de forma saudável todos os seus relacionamentos e atividades cotidianas, incluindo as esportivas e de lazer, considera-se que o indivíduo está no nível positivo de estresse. “Porém quando, de alguma forma, ele começa a perder o equilíbrio, entra-se no limite entre saúde e doença”, completa o Dr. Katz.

E a ansiedade?

Muitas vezes confundida ou associada ao estresse, a ansiedade é, na verdade, um estado psíquico de inquietação, angústia, apreensão ou medo que pode ser condizente com a situação vivida e, portanto, considerada normal, ou patológica, quando passa a ser uma constante. De acordo com a psicóloga clínica e hospitalar do Departamento de Pacientes Graves do Hospital Israelita Brasileiro Albert Einstein, Ana Lúcia Martins, as duas coisas não andam, necessariamente, juntas. “O estresse é desencadeado por uma situação específica que pode estar relacionada a prazos, desempenho ou cumprimento de metas, por exemplo, e à possibilidade de recompensa, frustração ou punição. Já a ansiedade está relacionada a uma antecipação de desfechos para situações que podem nem sequer estar presentes no momento e que geram, além de expectativas, algum nível de inquietação ou sofrimento”, explica. Ela ainda reforça que quando se fala de ansiedade ou de estresse, há referência a respostas frente à percepção real ou imaginária a uma ameaça e o organismo está preparado para responder automaticamente com a chamada “reação de luta ou fuga”. “Esta reação é desencadeada pela percepção de ameaça, que pode ser física, psíquica, moral etc., e subsequente liberação de mediadores de resposta fisiológica, sendo as catecolaminas os principais”, diz, e complementa: “e é por esta razão que a pessoa em um pico de estresse ou em uma crise de ansiedade sente palpitação e frio nas extremidades como pés, mãos e nariz. Isso acontece porque o sangue se concentra nos músculos de forma a favorecer com que o organismo tenha força para fugir ou para lutar e a circulação diminui nas extremidades para minimizar o volume de sangramento caso ocorram ferimentos”.

Milhões de pessoas sofrem com os problemas

Quem sente na pele os sintomas de quadros de estresse e ansiedade precisa saber que não está só. Esses problemas e suas consequências, incluindo alguns quadros depressivos, são as doenças que mais afetam a vida no mundo todo. “Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), 300 milhões de pessoas vivem com quadros de ansiedade e depressão no mundo, e o número de indivíduos cresceu 18% entre 2005 e 2015”, diz o Dr. Katz. Para ele, fatores ligados ao aumento de competitividade, desempenho e obtenção de resultados reforçam o crescimento dessas taxas. “Atualmente, diagnosticamos quadros ansiosos e de estresse grave cada vez mais cedo, incluindo em crianças e adolescentes. Além disso, detectamos hoje a falta do aprendizado adequado para a ‘tolerância a frustrações’, bem como a aceitação sobre limites pessoais, fazendo com que, além das pressões externas, exista uma autocobrança por um superdesempenho, onde não são aceitas as possibilidades de falhar, rever, corrigir, se adaptar às limitações”, revela.

Voltando aos sintomas, eles podem ser físicos, psíquicos e comportamentais. No estresse, por exemplo, os primeiros que aparecem são os físicos: frio na barriga, sudorese e palpitação. “Essas sensações levam a interpretações que geram emoções e sentimentos, levando por fim a alterações comportamentais. É necessário considerar que mesmo quando tudo na história do paciente leva a crer que se trata de ansiedade ou de um período de estresse, é necessário descartar doenças orgânicas que podem manifestar-se com sinais e sintomas semelhantes”, explica Ana Lúcia. O estresse e a ansiedade podem ainda afetar o bem-estar geral do indivíduo, aumentar suas apreensões e levar a interpretações errôneas da realidade, afetando os relacionamentos, o desempenho intelectual e também o profissional. Esses quadros podem até desencadear algumas doenças para as quais o indivíduo já tenha predisposição. “Destaco como mais comum a associação com a hipertensão e a descompensação do diabetes. Também é sabido que, por exemplo, a depressão é fator independente para o desenvolvimento de doença arterial coronariana, apesar de o mecanismo pelo qual isso ocorre não estar completamente elucidado. O fato é que, seja pelos mediadores endógenos ou pelo comportamento adotado nos cuidados com a própria saúde, os estados emocionais são participantes dos adoecimentos, podendo configurar-se como fatores de risco ou de proteção”, explica a psicóloga.

O estresse e o cortisol

Produzido pelas glândulas adrenais, o cortisol é um hormônio, chamado de glicocorticoide, pois se refere à grande capacidade reguladora dos níveis de glicose. Ele está diretamente relacionado a situações de estresse (seja físico ou mental). Em condições que o corpo entende como estressantes, existe um estímulo para que as adrenais produzam esse cortisol, de modo a regular, principalmente, os níveis de glicose no sangue. “A glicose é a principal fonte de energia do corpo e, nesses casos, é como se ele, de repente, jogasse um hormônio para aumentar a quantidade de glicose no sangue, proporcionando mais energia”, conta o endocrinologista e membro da Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia (SBEM), Dr. Rodrigo Moreira. O médico acrescenta ainda que o cortisol é um hormônio essencial à vida. “Sem a produção dele, teremos baixos níveis de glicose e pressão, por exemplo, e as doenças em que a pessoa não produz o cortisol são quase que incompatíveis com a vida, para se ter ideia da importância desse hormônio”, diz.

Dicas para afastar o estresse do dia a dia. Orientação ao paciente é fundamental

Vida pessoal:

  • Aprender a se desligar assistindo à TV, lendo um livro, ouvindo música, cuidando das plantas, brincando com o animal de estimação;
  • Valorizar férias e finais de semana, viajando sempre que possível;
  • Unir-se a pessoas com as quais tenha maior grau de afinidade;
  • Sair para se divertir e conversar sobre seus problemas com os amigos;
  • Praticar atividade física prazerosa;
  • Manter um bom peso, adquirir hábitos alimentares saudáveis, estar sempre dentro dos limites e possibilidades;
  • Procurar relaxar, fazer massagens, ioga ou meditação, são boas alternativas;
  • Preservar a liberdade pessoal e os momentos de privacidade;
  • Pensar nos outros (já foi comprovado que as atividades filantrópicas aumentam a autoestima e diminuem o estresse).

Vida profissional:

  • Canalizar a atenção para coisas importantes: prioridades e administração do tempo;
  • Procurar não almoçar no ambiente de trabalho e caminhar um pouco;
  • Evitar ser interrompido durante os afazeres. Cuide de um assunto por vez;
  • Não adiar problemas desconfortáveis;
  • Identificar os próprios limites e não ocupar totalmente sua agenda diária;
  • Estabelecer relações de companheirismo;
  • Negociar prazos compatíveis para os projetos mais importantes;
  • Não encarar todas as situações da vida como um desafio;
  • Em casos de grande pressão, procurar dar uma pausa no trabalho e fazer um pequeno exercício de relaxamento;
  • Ao sair do escritório, deixar a preocupação para trás;
  • Não levar trabalho para casa. 

Fonte: psiquiatra da BP – A Beneficência Portuguesa de São Paulo, Dr. Pedro Daniel Katz

O problema se dá quando há excesso de cortisol no organismo. Se isso acontecer, o sinal de alerta é imediatamente ligado e é preciso controlar as causas para evitar graves consequências no futuro. “O excesso de cortisol é uma predisposição para o diabetes, além de promover um pouco de retenção de água no organismo, o que leva ao aumento da pressão. Ele também é responsável por depositar gordura no lugar errado, especialmente no abdômen, causando excesso de gordura visceral. O excesso do cortisol também aumenta a chamada reabsorção óssea e predispõe à osteoporose.  É um hormônio que, em níveis fisiológicos normais, é importante para o organismo, mas que em situações de excesso causa uma série de alterações metabólicas”, alerta o Dr. Moreira. Ele diz ainda que hoje existe uma relação direta, e que todo paciente com quadros depressivos, ansiosos ou de estresse tem excesso de cortisol. “Ao tratar essas alterações, o próprio controle desse estresse mental diminui as ativações das adrenais e normaliza os níveis de cortisol. Não é preciso fazer uso de medicamento para tratar o excesso de cortisol nesses pacientes, basta tratar as doenças de base”, afirma.

Prevenção é a palavra de ordem

Quando se fala em tratamento, o Dr. Katz é categórico em afirmar que o estresse não é tratado, e sim prevenido. Para ele, quando se fala em tratar o estresse, cuida-se, na realidade, das doenças já presentes no corpo. “Tudo o que devemos pensar deve ser no sentido de prevenir problemas futuros. Vale buscar equilíbrio entre vida pessoal e profissional. De forma simples, seria dizer sobre como obter máximo desempenho com o mínimo de desgaste. Organize o dia de forma sensata e prática”, diz.

Tratamentos recomendados

Em relação ao tratamento, antes de qualquer intervenção terapêutica é necessário um diagnóstico adequado, sistêmico, para que sejam oferecidas orientações específicas a cada indivíduo. “É fundamental buscar auxílio profissional adequado ante a percepção de que algo não esteja bem, evitando a automedicação, que pode agravar os quadros não bem diagnosticados. Esse processo permite identificar as mudanças emocionais, químicas e hormonais do indivíduo e estabelecer um tratamento adequado”, recomenda.

Ainda segundo o psiquiatra, após avaliação, o especialista poderá escolher o melhor tratamento, indicando, dependendo de cada caso, suporte farmacológico, acompanhamento psicológico, apoio e orientação familiar, ou ainda outras medidas de suporte e sustentação, incluindo-se aqui, por exemplo, diversas formas de atividades físicas e ocupacionais, dependendo do nível de acometimento em cada situação.

Já a ansiedade, segundo a psicóloga Ana Lúcia, requer psicoterapia, pois os fatores contribuintes estão relacionados à história de vida e à estrutura de personalidade, e também acompanhamento psiquiátrico, pois medicações para tratamento e eventualmente alívio nas crises podem ser necessárias. “Deve-se ressaltar que é importante diferenciar as medicações utilizadas para alívio de sintomas, como os tranquilizantes que apresentam potencial de tolerância e dependência, das medicações que atuam nos neurotransmissores e que têm como objetivo tratar a questão relacionada ao humor”, comenta. Ela ainda reforça que a “automedicação começa com um autodiagnóstico, o que é absolutamente temerário, já que as questões relativas à saúde mental são complexas e apenas profissionais estão aptos a formular hipóteses diagnósticas e por meio do acompanhamento do paciente refinar sua avaliação e definir o melhor tratamento, que pode exigir o uso combinado de medicações, além de considerar as interações com outros medicamentos de uso esporádico ou contínuo feito pelo paciente”. Para ela, sem estes cuidados, a pessoa pode ter uma piora do quadro de humor, além de outros problemas que podem ser desencadeados. “Sem contar que pode atrasar o diagnóstico de uma outra doença grave que tenha como manifestação sintomas parecidos com os percebidos pelo paciente”, finaliza.

Foto: Shutterstock

Contra o tabagismo

Edição 309 - 2018-08-01 Contra o tabagismo

Essa matéria faz parte da Edição 309 da Revista Guia da Farmácia.