Câmbio nas alturas

Dólar supera a barreira dos R$ 4,00 durante a crise brasileira e preocupa a indústria farmacêutica, que usa quase 90% de matérias--primas compradas no exterior  

Confirmando os pesadelos mais temerosos do empresariado, a crise político-econômica brasileira fez o dólar comercial disparar no último mês, rompendo a barreira psicológica dos R$ 4,00 e chegando a ser cotado a R$ 4,24 num único dia de negócios na Bolsa de Valores de São Paulo (Bovespa).

A cotação recorde da moeda norte-americana vem crescendo gradativamente desde o início do ano, mas a disparada de setembro e outubro últimos acendeu todos os sinais de alerta da indústria farmacêutica e de outros setores que trabalham com importações no País.

Desde 2 de janeiro deste ano, o dólar teve valorização recorde de quase 47%, saindo do patamar de R$ 2,69 (janeiro) para R$ 3,94 (meados de outubro). A valorização anual, dos últimos 365 dias, considerados entre outubro de 2014 e 2015, foi ainda mais expressiva, chegando a 62,6%.

Com quase 90% das matérias-primas oriundas do exterior, a indústria farmacêutica brasileira já refaz as contas para o fim do ano e para 2016. As empresas do segmento tentam cortar gastos na tentativa de manter o negócio sustentável nos próximos meses, já que não existe um desfecho satisfatório e de curto prazo para a crise nacional.

“Esse câmbio vai impactar nos custos da produção e importação inegavelmente. Desde o início do ano, o setor tem tentado fazer o possível e o impossível para saber em que nível e em que patamar isso vai parar, tentando manter o máximo possível a estabilidade dos preços. Mas chega um momento em que isso resiste”, diz o diretor de acesso da Associação da Indústria Farmacêutica de Pesquisa (Interfarma), Pedro Bernardo. 

“O temor é de que o cenário se estenda por todo 2016 e haja uma desaceleração mais acentuada do que se imagina. Porque, mesmo com as demissões e a diminuição de renda dos trabalhadores, as quedas de vendas acontecem de forma mais lenta. As pessoas quando são demitidas ainda passam por um período de seguro desemprego, fundo de garantia, etc. Se essas pessoas realmente não retornarem para o mercado de trabalho, chega um ponto em que elas ficam sem condições de consumir. E aí há uma queda geral para todos, inclusive nos itens essenciais, como medicamentos”, explica o executivo. 

A esperança dos empresários no momento é que a alta do dólar deixe os produtos brasileiros mais competitivos lá fora, compensando as possíveis perdas que o mercado interno pode registrar com um possível aumento mais elevado do desemprego no País e mais pressões inflacionárias.

O problema reside, contudo, na alta volatilidade do dólar, que se não se estabilizar em patamar algum, impede o planejamento da indústria. “Essa alta oscilação é terrível. O setor não consegue fazer planejamento se o dólar está mudando a todo dia e a todo o momento. A empresa vai fechar uma compra ou uma importação e não sabe como vai ser no dia seguinte, daqui 15 ou 30 dias. Por isso, essa instabilidade é péssima. Se a taxa se estabilizar em algum patamar, é a partir daí que começam a ser feitas as avaliações e os planejamentos. Só depois disso é possível saber o que isso realmente gerou, impactou ou vai impactar no setor de fato”, observa Bernardo.

Dados nada otimistas

No último mês de março, a Câmara de Regulação do Mercado de Medicamentos (CMED) anunciou o reajuste controlado dos preços dos medicamentos no Brasil, que ficou entre 5% e 7,7%. Já naquela ocasião, os fabricantes reclamaram do percentual, em virtude da onda de volatilidade do dólar que o mercado tinha começado a registrar.

O governo federal, entretanto, justificou que o índice considerou a realidade dos últimos 12 meses de 2014. Na atual conjuntura, os representantes da indústria admitem que o preço de 2016 deverá ser mais salgado para os consumidores.

Bernardo conta que a lei que criou a CMED também criou uma fórmula de cálculo do reajuste. Na última consulta pública para reajuste dos medicamentos, contudo, o executivo conta que o setor apresentou uma reclamação em relação ao peso das importações na fórmula estabelecida em lei. Segundo ele, o governo alterou unilateralmente essa fórmula, sem conversar e discutir com o setor. Eles fizeram uma mudança significativa para menos. Ou seja, os importados tiveram uma redução na importância da fórmula, num momento em que o setor não demonstra isso. 

“Não houve, ao longo dos últimos anos, desde quando foi criada a fórmula, em 2004, uma redução significativa do peso das importações no setor farmacêutico. O próprio governo admite que as importações do setor vêm crescendo; por que reduzir o peso do importado na fórmula, o chamado “fator y”? Era um peso que estava em torno de 29% e passou para em torno de 15%. Ou seja, foi reduzido praticamente pela metade. Se o valor tivesse sido mantido, já neste ano, o reajuste seria maior. Para 2016, há uma pressão de importados ainda mais alta e insustentável, onde teremos de acertar os ponteiros da fórmula com o governo para ninguém amargar prejuízos sozinho”, afirma o executivo. 

Como agir?

Na opinião do professor do Centro de Pesquisa, Desenvolvimento e Educação Continuada (CPDEC) da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), Rodnei Domingues, mais do que reclamar do atual cenário,  o desafio da indústria é buscar equilíbrio administrativo e de faturamento para continuar tendo boas margens.

“Boa parte da matéria-prima utilizada pela indústria farmacêutica é importada, por essa razão esse aumento gera impacto significativo nos custos, que nem sempre podem ser repassados aos preços e, por isso, geram redução nas margens [de lucro]. tanto o aumento nos preços do medicamento em 2016, quanto as demissões são consequências prováveis. As alternativas para a indústria amenizar esses efeitos são: Nacionalizar as matérias-primas, reduzir os custos em geral e ganhar na escala vendendo mais”, analisa Domingues.

Vale lembrar que 2014 não foi um ano difícil para o setor, mesmo com uma eleição disputada e os primeiros sinais da crise atual se avizinhando. No ano pas sado, o setor atingiu crescimento de receitas nominais de 13%, com faturamento em cerca de r$ 68 bilhões. as exportações do setor também cresceram 12% e estiveram num patamar bastante satisfatório.

Para 2015, entretanto, os fabricantes falam em crescimento que cubra apenas os custos de inflação, em virtude do que se vê até agora na atividade econômica.

“Vai haver uma desaceleração em 2015. Se você pensar que nós estamos com uma inflação de 9%, se você tiver um crescimento de 10%, o crescimento real é próximo de zero. Então, se nós tivermos um crescimento nominal próximo de zero, isto é uma queda enorme real de venda. O que esperamos é que haja uma queda das vendas nominais pouco acima da inflação e haja uma desaceleração, mas que vai acontecer de forma lenta, com reflexos mais acentuados em 2016”, diz o diretor da Interfarma. o professor da Fundação Instituto de administração (FIa), José lupoli Júnior, afirma que a saída para os produtores de medicamentos é voltar a produ- ção para as vendas dos produtos brasileiros lá fora,na tentativa de suprir o desaquecimento interno.

Na visão de lupoli Júnior, o alto câmbio é oportunidade única para dar visibilidade mundial aos produtos nacionais em outros países parceiros comerciais. “Internamente, esse câmbio é uma tragédia para o setor farmacêutico. Mas a alta do dólar nesse patamar torna o produto nacional altamente competitivo lá fora. Já estamos vendo esse reflexo na balança comercial, que passou a ser positiva desde que o dólar disparou. a indústria farmacêutica precisa aproveitar o momento para explorar esse mercado internacional com criatividade. Dinheiro e expertise, a maioria dos laboratórios já tem, porque já são transnacionais. Falta visão de longo prazo, talvez”, avalia o professor da FIA.

O diretor de acesso da Interfarma concorda com a afirmação e diz que várias entidades do segmento já trabalham em parceria com a agência Brasileira de Promoção de exportações e Investimentos (aPeX Brasil) para viabilizar mecanismos de exportações mais eficientes para o setor. Bernardo declara, entretanto, que não é um processo fácil como se imagina.

“As vendas para fora do Brasil levam um tempo a acontecer. Não é uma coisa rápida. Você tem de construir condições. Precisa estabelecer relações de comércio. Se o Brasil resolver alguns problemas no campo burocrático, que dificulta as exportações, podemos, daqui a um ano, começar a ter um cresci- mento maior das exportações”, esclarece Bernardo.


Autor: 
Rodrigo Rodrigues

Alta do dólar

Edição 276 - 2015-11-01 Alta do dólar

Essa matéria faz parte da Edição 276 da Revista Guia da Farmácia.

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