Cefaleia: companhia indesejada

Presente na vida de praticamente 100% da população, a dor de cabeça não traz muitos riscos, apesar de ser bastante incômoda. Estresse e alimentação são possíveis desencadeadores do problema

Todas, ou quase todas as pessoas, já sofreram com dor de cabeça. O sintoma, comum a mais de 90% da população, funciona como alarme de um sistema de defesa, avisando que tem algo errado.

Existem mais de 150 tipos de dor de cabeça, também chamados de cefaleia. As dores de cabeça primárias são aquelas que a própria dor é a doença e, apesar de poderem ser debilitantes, a maior parte delas não oferece riscos à vida dos portadores.

“Os seres humanos estão expostos a todos os tipos de dificuldades, estresse e excessos. Esses três fatores são alguns dos pilares centrais para a dor de cabeça, mal que acomete grande parte da população. A exposição que sofremos diariamente com o estresse no trabalho, fumo, excesso de açúcar e gordura, a falta de sono, entre outros, contribuem para a dor de cabeça ou o agravamento da mesma”, revela o neurologista do Hospital Moriah, Dr. Antônio Barata.

Segundo a Sociedade Brasileira de Cefaleia (SBC), existem quatro tipos principais de cefaleias primárias. São elas:

Enxaqueca

É uma dor pulsátil, de forte intensidade, pode ser acompanhada de náuseas e vômitos ou intolerância à luz ou ao som. Normalmente, é unilateral e as crises podem durar de quatro a 72 horas.

Tensional

Caracterizada por dor bilateral ou na parte da frente ou atrás da cabeça, de moderada intensidade, que não piora com esforço, dura de 30 minutos até sete dias.

Em salvas

É uma dor intensa, unilateral, durando de 15 minutos a três horas. Geralmente, as crises acontecem no mesmo horário (na maior parte do tempo de madrugada) por vários dias seguidos. O sintoma é acompanhado de lacrimejamento e corrimento nasal no mesmo lado da dor.

Crônica diária

É uma situação caracterizada por dores de cabeça em, pelo menos, 15 dias ao mês. É uma evolução das outras formas de dor de cabeça, que crescem a frequência gradativamente por uso exagerado de analgésicos para dor.

Uma das causas mais comuns da dor de cabeça é a enxaqueca, uma síndrome dolorida ainda mal entendida, revela o neurologista do Hospital CEMA, Dr. Joel Augusto Ribeiro Teixeira.

Segundo ele, a patologia acontece mais no sexo feminino – estima-se que 76% das mulheres e 57% dos homens têm ao menos um episódio de cefaleia por mês, conforme dados da Sociedade Brasileira de Cefaleia (SBC). A piora acontece com anticoncepcionais orais e apresenta outros sintomas, como náuseas, vômitos, alterações visuais, tonturas, alterações do humor e sensibilidade à luz.

Já a cefaleia tensional está relacionada à contração da musculatura da coluna cervical e às doenças das articulações que existem entre as vértebras.

“Na enxaqueca, alguns tipos de alimentos podem desencadear as crises e isto é variável de pessoa para pessoa. Anticoncepcionais orais também devem ser evitados, assim com o sono irregular. Perfumes podem desencadear dor, bem como excesso de claridade durante o dia. Nada é regra, depende de cada paciente”, diz o Dr. Teixeira.

As opções de tratamento

As dores de cabeça crônicas podem ser tratadas de duas maneiras: profilaxia (para prevenir ou inibir os episódios de crise) e no controle da dor durante a crise já instalada.

No primeiro caso, os medicamentos mais utilizados são: antidepressivos, neuromoduladores e betabloqueadores e, também, com a aplicação de toxina botulínica A.

Na fase aguda da dor são, normalmente, utilizados: analgésicos, anti-inflamatórios (agem diretamente no processo inflamatório e apresentam ação analgésica), ergotaminas (vasoconstrição) e triptanos (agem diretamente nos receptores de serotonina).

Fonte: farmacêutica responsável pela Farmácia Universitária da Faculdade de Ciências Farmacêuticas da Universidade de São Paulo (USP), Maria Aparecida Nicoletti

A cefaleia em salvas, ou dor de cabeça de clusters, apesar de menos comum, é uma das que mais podem incomodar. De acordo com o neurologista do Hospital Israelita Albert Einstein, Dr. Mario Peres, ela é marcada por uma dor de muito forte intensidade, unicamente de um lado da cabeça, duração mais curta que enxaquecas e em certas épocas do ano. Junto com a dor ocorrem lacrimejamento, inchaço no olho, vermelhidão ocular, entupimento nasal e queda da pálpebra.

As reclamações são constantes. Segundo a pesquisa A Dor no Cotidiano 2017, realizada por Advil com apoio do Instituto Brasileiro de Opinião Pública e Estatística (Ibope) Conecta, a dor de cabeça foi o incômodo mais relatado, assim como no ano anterior. Entre as principais causas da dor, foram citados o estresse (82%) e a falta de sono (73%). O excesso de trabalho e estudo (61%) e o trânsito (60%) – outros gatilhos citados como causadores da dor – também são situações que os brasileiros consideram complicadas de mudar.

Para o médico e diretor científico da Sociedade Brasileira para o Estudo da Dor (SBED), Dr. Paulo Renato da Fonseca, o esgotamento e o cansaço são os gatilhos comuns para a dor de cabeça e têm como consequência a dificuldade em continuar produzindo no trabalho ou em outras atividades corriqueiras.

A resposta do motivo da dor de cabeça dependerá do tipo de dor e de outros sintomas. Normalmente, o paciente e médico identificam juntos os fatores desencadeadores de dor. Apoiados pela Classificação Internacional de Cefaleia, chega-se a um diagnóstico e, consequentemente, ao tratamento.

“Dor de cabeça é um sintoma. Ela pode acontecer em doenças neurológicas ou não neurológicas. O paciente pode tomar um medicamento e ter um efeito tóxico e ter dor de cabeça ou ter uma meningite e a dor de cabeça”, exemplifica o neurologista da BP – A Beneficência Portuguesa de São Paulo, Dr. Alex Baeta.

De forma geral, contudo, as dores crônicas, mesmo que limitantes, não são problemas mais graves. O paciente deve preocupar-se, entretanto, se as dores de cabeça estão presentes por três ou mais dias no mês, mesmo que exista uma explicação que pareça óbvia (estresse, menstruação ou falta de sono, por exemplo).

“Quando a pessoa tem dor de cabeça de pequena intensidade, que responde rapidamente a analgésico e está associada a outro quadro não grave, como gripal ou de sinusite, são casos de menor importância. Já uma dor de cabeça de início agudo, abrupto, de forte intensidade, refratária a analgésicos ou contínua, precisa ser investigada”, frisa o neurologista da BP.

Vida moderna e as dores

Alguns hábitos do dia a dia são responsáveis por desencadear ou piorar a cefaleia. Confira alguns deles:

Fonte: neurologista do Hospital Moriah, Dr. Antônio Barata

Em relação a preocupações com causas possivelmente mais graves, comenta o coordenador do Centro de Atenção à Cefaleia do Hospital Samaritano Higienópolis, Dr. Marcelo Calderaro, a pessoa deve buscar um médico quando tiver uma cefaleia muito intensa não usual (com a qual não esteja acostumado), uma dor súbita (que se instale instantaneamente, abrupta), uma dor associada a outros sintomas neurológicos (perda de força, visão dupla, alteração de consciência), dor acompanhada de febre sem outra explicação ou que não esteja melhorando com as medicações usuais.

Os homens, especialmente, devem ter uma atenção especial. Isso porque um estudo de Harvard, feito com mais de 20 mil homens, concluiu que aqueles entre 40 e 84 anos de idade que relatam enxaqueca têm 42% de chances de ter problemas no coração.

“Essa relação ocorre por compartilhamento de fatores de risco e por mecanismos causadores da enxaqueca relacionados a problemas circulatórios, por problemas no coração, sangue e artérias”, revela o Dr. Peres, do Einstein.

a patologia acontece mais no sexo feminino – estima-se que 76% das mulheres e 57% dos homens têm ao menos um episódio de cefaleia por mês. Entre as principais causas da dor, foram citados o estresse (82%) e a falta de sono (73%). O excesso de trabalho e estudo (61%) e o trânsito (60%)

Entre os fatores desencadeantes ou agravantes de cefaleia, diz o Dr. Barata, do Hospital Moriah, estão o estresse, dormir pouco ou demais, consumir chocolate em excesso, assim como queijo, salsicha, álcool, café e outros alimentos. Ele frisa, porém, que os alimentos não devem ser extintos, mas a moderação é importante.

“O ideal é que o paciente esteja bem, independentemente de ter de evitar quaisquer desencadeantes da dor. É frequente as pessoas acharem que a dor é causada por vinho, chocolate, queijo, glúten, lactose e, assim, evitarem tudo isso. Na realidade, o problema é uma enxaqueca. O tratamento adequado nesses casos pode reduzir a necessidade de evitar tantas coisas boas. Mas, se vale uma recomendação geral, o tripé não medicamentoso da prevenção da cefaleia envolve: atividade física regular, sono regular e medidas de controle de estresse”, complementa.

Essas pequenas atitudes refletem, e muito, no dia a dia de quem sofre com a dor de cabeça. Quando se trata de evitar a dor de cabeça, 45% dos entrevistados pelo Ibope dizem que procuram reduzir o estresse. Manter uma boa noite de sono também é uma atitude vista como importante para não ser incomodado com as dores.

“Mesmo com um dia a dia cansativo e sem rotina, percebemos que a preocupação com qualidade de vida – com alimentação saudável e atividade física – tem crescido bastante”, revela o Dr. Fonseca.

Além disso, é importante que a pessoa que sofre com muitas crises de dor de cabeça esteja atenta ao uso excessivo de analgésicos. O neurologista da BP explica que a medicação abusiva pode ser uma das causadoras da dor, uma vez que o corpo acostuma-se a estar medicado.

Os medicamentos mais usados

Diferentes fármacos podem ser indicados para o tratamento das dores crônicas como profilaxia ou para a diminuição da dor no caso de uma crise. Em geral, os analgésicos não opioides são os mais comumente utilizados.

“O mecanismo de ação dos analgésicos anti-inflamatórios não esteroides (ácido acetilsalicílico, ibuprofeno e dipirona sódica) se dá pela inibição da enzima ciclooxigenase, diminuindo a formação de precursores das prostaglandinas e dos tromboxanos a partir do ácido araquidônico, regredindo a ação destes mediadores no termostato hipotalâmico e nos receptores de dor”, revela a farmacêutica responsável pela Farmácia Universitária da Faculdade de Ciências Farmacêuticas da Universidade de São Paulo (USP), Maria Aparecida Nicoletti.

Considerando as cefaleias decorrentes de origem tensional, a utilização de relaxantes musculares pode trazer alívio da dor. Entre os medicamentos usados estão os analgésicos, os triptanos e opiáceos e os medicamentos combinados.

O neurologista do Hospital Moriah cita a toxina botulínica, um tipo de bloqueio neuroquímico em que a toxina impede de certa maneira o impulso nervoso de atingir os nervos que conduzem a dor, usados para enxaquecas complicadas e disfunção da Articulação Temporomandibular (ATM).

O ácido acetilsalicílico, paracetamol ou ambos são, muitas vezes, combinados com cafeína ou um sedativo em um único medicamento. Associações de fármacos podem ser mais eficazes do que os analgésicos sozinhos.

Foto: Shutterstock

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Edição 301 - 2017-12-01 Novo ano em vista

Essa matéria faz parte da Edição 301 da Revista Guia da Farmácia.