Caracterizada pela combinação de dois ou mais mecanismos de dores – nociceptiva (inflamatória) ou neuropática (que afeta o sistema nervoso) – a dor mista ocorre, portanto, quando há mais de um fator fisiopatológico envolvido.
Segundo explica o médico especialista em anestesiologia com ênfase em dor do Hospital Santa Cruz, Dr. Ayrton de Andrade Jr., as principais causas são a dor por hérnia de disco, dor lombar de etiologia inespecífica, câncer, dor miofascial (que pode ser decorrente de dores lombares ou musculoesqueléticas), dor dental e dor pós-operatória que, mal tratada, pode se transformar em dor crônica neuropática.
Para se chegar ao diagnóstico da dor mista não é tão simples, justamente pelos múltiplos mecanismos envolvidos. Mas o reconhecimento do quadro é fundamentalmente clínico, por meio de anamnese muito bem realizada voltada para as características da dor, duração, região afetada e exame físico com avaliação sensitiva principalmente.
“Uma orientação importante é a busca da presença de dor neuropática, já que a dor somática é mais fácil de evidenciar (localizada e aguda)”, comenta o Dr. Andrade Jr.
Os sintomas da dor mista podem ser múltiplos. “Na dor neuropática, os mais comuns são queimação, parestesias e disestesias (formigamento), choques e alodinia (dor decorrente de estímulos que habitualmente não provocariam a dor, como o contato da área com a água, com a vestimenta, vento, etc.). Já a nociceptiva pode gerar rubor e aumento da temperatura local”, comenta o coordenador do Centro de Dor e Neurocirurgia Funcional do Hospital 9 de Julho, Dr. Claudio F. Corrêa.
Portanto, apesar de desafiador, o diagnóstico e tratamento são fundamentais, já que a qualidade de vida dos acometidos pode ficar sensivelmente comprometida.
“Ela pode interferir no aspecto laborativo sendo, por vezes, incapacitante (lombalgias e doenças musculoesqueléticas). Também pode interferir no sono, exacerbando o quadro de dor, podendo levar à ansiedade e à depressão”, enumera o especialista do Hospital Santa Cruz.
DICAs DO GUI: As origens da dor mista
Dor nociceptiva: geralmente de origem inflamatória, sensibilizando os nociceptores. Pode ser somática, de tecidos superficiais ou visceral de tecidos profundos, onde é mal localizada. É muito comum no pós-operatório, nos queimados e nos politraumatizados.
Dor neuropática: é decorrente de uma lesão do sistema nervoso. Do ponto de vista didático, pode ser periférica (lesão de nervos, raízes nervosas, plexos nervosos), central (lesão medular e encefálica), ou neurovegetativa (lesões viscerais). É caracterizada por uma dor geralmente espontânea, em queimação ou em choque.
Dor nociplástica: a principal característica é a existência da dor sem sinal evidente do local de lesão ou da causa. Os nociceptores são ativados, mas não se tem o local de lesão. Um exemplo típico é a fibromialgia, que acomete 2% da população brasileira. Considerada similar à dor nociceptiva, ela tem, habitualmente, uma razão fisiológica e alerta o organismo de algo que não está bem.
Por exemplo: durante uma partida de futebol, ao receber um trauma no pé, a dor persistente pode denunciar uma fratura.
Fontes: médico especialista em anestesiologia com ênfase em dor do Hospital Santa Cruz, Dr. Ayrton de Andrade Jr.; e coordenador do Centro de Dor e Neurocirurgia Funcional do Hospital 9 de Julho, Dr. Claudio F. Corrêa
O Dr. Corrêa lembra que a dor mista tem como exemplo as dores no câncer (dor oncológica), onde a compressão de vasos sanguíneos pela expansão do tumor, a lesão neurológica que decorre de procedimentos cirúrgicos, a quimioterapia e radioterapia causam danos ao sistema nervoso, gerando dor.
“Esse conjunto de sintomas compromete a qualidade de vida do paciente. Absenteísmo, isolamento social, perda do apetite e do sono são alguns dos prejuízos aos portadores”, acrescenta.
Opções de tratamento
Após o diagnóstico e recomendação médica, os medicamentos preconizados para dor mista costumam ser os analgésicos simples, os analgésicos Anti-Inflamatórios Não Hormonais (AINH), os opioides fracos, os opioides fortes, além de antidepressivos, anticonvulsivantes e fármacos adjuvantes, tais como a capsaicina e lidocaína, segundo explica o Dr. Andrade Jr.
O diclofenaco também pode ser usado. “Diclofenaco e outros anti-inflamatórios são mais utilizados na dores nociceptiva. Eventualmente, o uso de anti-inflamatório esteroidal pode ser usado no tratamento da dor mista, especialmente em crises álgicas mais intensas. Podemos associar vitaminas do complexo B com anti-inflamatórios esteroidais e não esteroidais no tratamento”, sugere o Dr. Corrêa.
Sobre as vitaminas B1, B6 e B12, quando associadas a outros fármacos, principalmente AINH e corticosteroides, aliviam a dor tanto nociceptiva quanto neuropática.
“Elas ativam o sistema inibitório de dor, regeneram as fibras nervosas danificadas, diminuem a excitabilidade neural e melhoram sua condução nervosa. Em doses comerciais já disponíveis no mercado com suas associações mostraram-se muito eficazes”, conclui o Dr. Andrade Jr., acrescentando que a aplicação de frio e calor é um recurso não medicamentoso muito valioso, bem como a fisioterapia e a acupuntura.
Fonte: Guia da Farmácia
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