Eficácia do paracetamol

Existem muitos questionamentos sobre a eficácia do paracetamol contra a dor. Médicos e farmacêuticos brasileiros minimizam polêmicas e alertam para o uso racional da substância 

Alvo de várias pesquisas contraditórias ao longo dos últimos anos, o paracetamol (acetaminofeno) está mais uma vez no centro das discussões científicas do mercado farmacêutico. 

Estudo publicado no último mês de março pelo The British Medical Journal (BMJ), do Reino Unido, afirma que uma das substâncias mais consumidas no mundo para controle da dor é ineficaz no tratamento de dores na coluna lombar e na artrose do quadril e dos joelhos. 

Conduzido por pesquisadores do The George Institute for Global Health, da Universidade de Sydney, na Austrália, o estudo comparou e eficácia do paracetamol com um mesmo número de pessoas que utilizaram placebo para o tratamento das mesmas dores. 

A conclusão, segundo publicou o BMJ, é de que os pacientes que disseram ter tido melhora clínica das dores nas costas usando placebo foi a mesma dos pacientes que ingeriram o paracetamol. 

Conduzida por sete diferentes cientistas, a pesquisa submeteu 1.652 participantes, com idade média de 45 anos e divididos em três grupos, a ingestão de dois tipos de medicamentos três vezes ao dia, durante quatro semanas.

Ao fim do período, segundo a publicação britânica, não houve diferença no tempo de recuperação entre os três grupos. Os voluntários que ingeriram apenas paracetamol levaram, em média, 17 dias para se livrarem do desconforto lombar, enquanto os que tomaram placebo demoraram 16 dias.

Com isso, os cientistas concluíram que a eficácia do paracetamol é semelhante ao placebo. Ou seja, nula em relação às três doenças focalizadas pelo grupo de trabalho. 

“O paracetamol é um analgésico de primeira linha, recomendado para dor lombar aguda em várias partes do mundo. No entanto, nenhuma evidência de alta qualidade apoia essa recomendação. Nosso objetivo foi avaliar a eficácia do paracetamol tomado regularmente ou conforme o necessário para melhorar o tempo de recuperação do paciente que sente dor lombar, na comparação com placebo. Nossos resultados sugerem que, tomado regularmente ou conforme a necessidade de dosagem, o paracetamol não afeta o tempo de recuperação em comparação com o placebo em dor lombar. Questionamos a aprovação universal do paracetamol neste grupo de doentes”, justificou para as agências de notícia um dos autores do estudo, o cientista Christopher Williams.

Em 2014, outra publicação científica britânica, o jornal The Lancet, já tinha chamado a atenção para os resultados do estudo australiano, indicando, inclusive, que o uso em excesso do paracetamol pode causar, ainda, efeitos colaterais graves, como problemas cardíacos e renais, além de ser ineficaz para as dores mencionadas.

Em fevereiro do ano passado, um relatório publicado pela revista médica JAMA Pediatrics, dos Estados Unidos, alertou que as crianças nascidas de mulheres que usaram o analgésico em excesso durante a gravidez podem ter risco maior de desenvolver Transtornos de Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH), entre outros problemas comportamentais.

Os pesquisadores estudaram 64 mil mães dinamarquesas e seus filhos nascidos entre 1996 e 2002. A cada trimestre, todas tinham de dizer se haviam tomado paracetamol nos três meses anteriores. Quando as crianças completaram 7 anos, os cientistas avaliaram o comportamento delas, assim como o uso de medicamentos para TDAH. 

O uso do paracetamol durante a gravidez foi associado com risco quase duplicado do problema e outras desordens relacionadas com hiperatividade. O efeito mais forte foi em mulheres que tomaram o analgésico durante todos os trimestres.

O professor de epidemiologia respiratória da London School of Medicine, Seif Shaheen, que conduziu a pesquisa, disse, na época, que há a preocupação de que o paracetamol possa aumentar o risco de crianças desenvolverem também a asma.

“Desde que o nosso primeiro estudo com mães e crianças indicou que esse pode ser um problema, mais 20 estudos em todo o mundo descobriram ligações semelhantes. Entretanto, mais pesquisas precisam ser realizadas para comprovar a teoria”, afirmou Shaheen. 

Esses estudos recentes abriram discussão também na comunidade médica do Brasil e do mundo a respeito da medicação: há motivos para temer o paracetamol?


O fármaco e a dor

De acordo com o anestesiologista do Núcleo de Dores do Hospital Israelita Albert Einstein, Dr. George Freire, não há motivos para alarde e preocupação com o medicamento. Segundo ele, a medicina brasileira trata os diversos tipos de dores baseados na escala analgésica da Organização Mundial de Saúde (OMS) que foi instituída em 1986, inicialmente para dores oncológicas, mas que serve também para dores não oncológicas. 

“O que se faz com essa escala é que, para dores leves, usamos medicamentos com potencial mais leve. Algumas medicações são justamente para esse tipo de dor leve. A partir do momento em que você tem uma dor mais intensa, também essa medicação passa a ser mais potente. A dor geralmente acompanha o potencial da medicação. A dipirona, que é muito utilizada no Brasil juntamente com o paracetamol, inibe a intensidade da dor no mesmo patamar. Eles são utilizados para as dores leves e podem ser associados a dores mais fortes, mas junto com outras medicações para poder fazerem o efeito desejado. Eles sozinhos nunca resolveram mesmo certos problemas. Com cuidado, eles têm de ser associados a outras medicações para ter um efeito mais eficaz”, afirma o Dr. Freire.

A opinião é compartilhada pela professora e médica coordenadora do Ambulatório de Dor do Hospital da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), Dra. Rioko Kimiko Sakata. De acordo com ela, desde sempre, a medicina brasileira trata o paracetamol com as ressalvas preconizadas pelas principais organizações de saúde do mundo. 

“A incidência da dor é muito grande, ocorrendo em inúmeras doenças. É muito complexa, envolvendo vários mecanismos, de forma que é impossível que um medicamento ou um procedimento sejam eficazes para todos os tipos de dores e indivíduos. O paracetamol é indicado somente em alguns tipos de dor. Além disso, é indicado para dores de intensidade leve”, afirma a médica.

A Dra. Rioko também alerta para a necessidade de avaliação médica em qualquer incidência de dores lombares crônicas que venham a aparecer nos pacientes. Na avaliação dela, trata-se de uma região extremamente delicada, que exige atenção redobrada e diagnóstico preciso antes de tomar qualquer medicação. 

“Não é possível prescrever um medicamento único ou um procedimento para dor lombar crônica. É necessário fazer uma avaliação por meio de histórico e exame físico para saber o diagnóstico correto e, assim, indicar o tratamento mais adequado para aquela síndrome e para aquele paciente”, avalia a médica.


Dados reveladores

Segundo o IMS Health, nos últimos cinco anos, a venda de medicamentos à base de paracetamol cresceu cerca de 80% no Brasil, atingindo faturamento de R$ 507 milhões por ano. Nos Estados Unidos, mesmo com as restrições da FDA (Food and Drug Administration, na sigla em inglês, da agência reguladora de medicamentos dos Estados Unidos), esses valores chegam a R$ 3,8 bilhões em receita, de acordo com dados do Information Resources Inc, um dos serviços norte-americanos de medição do mercado farmacêutico daquele país. 

No mundo, analgésicos à base de paracetamol aparecem na lista dos dez medicamentos mais vendidos, inclusive no Brasil. Nos Estados Unidos, entretanto, estima-se que o medicamento seja responsável pela morte indireta de pelo menos 1.500 pacientes na última década, segundo informações vazadas do governo norte-americano pela Organização Não Governamental (ONG) de jornalistas “Pro Publica”, premiada com dois prêmios Pulitzer (o maior prêmio do jornalismo mundial) por suas investigações.

As investigações da “Pro Publica” levaram a FDA a exigir que a dose máxima permitida da substância seja de 325 mg associada a outros medicamentos. 

A regra tenta resolver o problema de pessoas que usam pílulas que combinam algum medicamento com o paracetamol, sem saber da presença do analgésico na fórmula e acabam tomando outro medicamento que também tenha o paracetamol ao mesmo tempo, o que os estudos indicam que pode causar sérios problemas de fígado nos pacientes. 

A norma passou a vigorar em 2014 e a FDA admitiu que casos graves de danos ao fígado ocorreram nos Estados Unidos em pacientes que tomaram mais de um medicamento com paracetamol ou uma dose maior do que a recomendada em 24 horas (3 g) e ingeriram álcool com o medicamento, por exemplo. 

“Há anos, os hospitais brasileiros já sabem que certas medicações têm o chamado ‘efeito teto’. Ou seja, você aumenta a dose e eleva o efeito. Mas em certos níveis de intensidade da dor, você aumenta a dose, mas só eleva os efeitos colaterais. O paracetamol, a dipirona e os anti-inflamatórios, em geral, são medicamentos que, se você chega a uma dose acima de 3 g, corre o risco de ter efeitos hepáticos, causando no paciente, inclusive, insuficiência hepática. O que não ocorre quando você dá uma morfina. É um tipo de medicamento em que você aumenta a dose e eleva o efeito da substância, sem o risco hepático no paciente”, avalia o Dr. Freire, do Hospital Albert Einstein.

Sobre a mistura de medicamentos com outras substâncias, o farmacêutico e mestre do curso de Farmácia da Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (Unesp), Eduardo Freitas, alerta para os riscos dessa ingestão durante o tratamento químico.

“Pouca gente leva a sério, no Brasil, as recomendações médicas e farmacêuticas de restrição ao uso de álcool e outras substâncias durante o tratamento medicamentoso. O risco existe e as pesquisas, dia após dia, reforçam esta tese. Medicação, seja ela qual for, não é brincadeira. Médicos precisam se atentar ao receituário para não haver duplicidade de doses e, principalmente, os pacientes devem informar ao médico ou farmacêutico se estão tomando outros medicamentos para outros problemas no ato da consulta ou compra. Transparência, disciplina e diálogo salvam mais vidas do que se imagina”, sentencia Freitas.


Autor: Rodrigo Rodrigues 

O que vai para a Cesta?

Edição 271 - 2015-06-01 O que vai para a Cesta?

Essa matéria faz parte da Edição 271 da Revista Guia da Farmácia.

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