Imagine que seu intestino é uma estrada. Sem manutenção, ela pode se tornar esburacada, lenta e congestionada. Nesse cenário, as fibras alimentares atuam como operários que pavimentam a passagem, expulsando detritos e mantendo a fluidez do tráfego.
Apesar de não serem digeridas nem absorvidas pelo organismo, essas estruturas vegetais invisíveis ao paladar assumem papéis fundamentais em diferentes sistemas do corpo: da digestão ao controle metabólico.
Entender de onde vêm as fibras, como atuam e quais os efeitos que provocam no organismo é essencial para compreender sua relevância, que vai do alívio da constipação à prevenção de diabetes tipo 2, colesterol elevado e doenças cardiovasculares.
Presentes exclusivamente nos alimentos de origem vegetal, as fibras são tipos de carboidratos resistentes à digestão e absorção no intestino delgado. “Elas passam praticamente intactas até o intestino grosso, onde exercem funções essenciais, como alimentar as bactérias benéficas da microbiota e favorecer a saúde intestinal”, explicou a farmacêutica da Faculdade de Ciências Farmacêuticas da Universidade de São Paulo (USP), Maria Aparecida Nicoletti.
Mesmo sem fornecer energia, como fazem os carboidratos convencionais, seu papel está longe de ser secundário. “As fibras regulam o funcionamento intestinal, ajudam no controle da glicemia e do colesterol, promovem saciedade e previnem doenças crônicas”, afirmou a nutricionista do Hospital Nipo-Brasileiro (HNipo), Tânia Regina Maldonado Yamaguchi.
Tipos de fibras
As fibras se dividem entre as solúveis e as insolúveis. Apesar de atuarem de formas distintas, ambas são importantes e, muitas vezes, estão presentes juntas em um mesmo alimento.
“As fibras solúveis se dissolvem em água e formam um gel no intestino, que retarda a digestão e ajuda no controle da glicose e do colesterol”, detalha o nutrólogo do Hospital São Marcelino Champagnat, Dr. Paulo Guimarães. Elas são encontradas em alimentos como aveia, leguminosas, banana, maçã, cenoura cozida e chia.
Já as insolúveis não se dissolvem em água. “Elas aumentam o volume fecal, aceleram o trânsito intestinal e ‘varrem’ o intestino como se fossem vassouras naturais”, explica a nutricionista do Fleury Medicina e Saúde, Ana Paula Fernandes Telles. Estão presentes em grãos integrais, farelo de trigo, vegetais folhosos (como couve e brócolis), frutas com casca e sementes, como abóbora e nozes.
Controlando problemas intestinais
A constipação intestinal é um dos problemas mais recorrentes nos balcões de farmácia. E o consumo insuficiente de fibras é um dos principais gatilhos.
“As fibras solúveis hidratam o bolo fecal, tornando-o mais macio. As insolúveis aumentam o volume das fezes e estimulam os receptores intestinais que promovem a evacuação”, esclarece a especialista do Fleury Medicina e Saúde. Isso explica por que ambas desempenham um papel crítico na prevenção da prisão de ventre.
Além disso, a ingestão regular de fibras ajuda a equilibrar a microbiota intestinal, que é um ecossistema de trilhões de microrganismos que afetam desde a digestão até o estado emocional.
“Elas fermentam no intestino grosso e geram ácidos graxos de cadeia curta, como o butirato, responsáveis por reduzir a inflamação intestinal e proteger contra o câncer colorretal”, destaca o nutrólogo do Hospital São Marcelino Champagnat.
Doenças como a Síndrome do Intestino Irritável (SII), no entanto, exigem uma forma cuidadosa ao consumir fibras. “Fibras solúveis são geralmente mais bem toleradas, enquanto as insolúveis podem agravar sintomas, como dor e distensão abdominal”, alerta a especialista do HNipo. Em casos assim, a orientação profissional é fundamental.
Prevenção de doenças
A presença de fibras na dieta está diretamente relacionada à prevenção de doenças como diabetes tipo 2, obesidade e colesterol elevado. “As fibras solúveis retardam a absorção de glicose, evitando picos glicêmicos após as refeições e melhorando a sensibilidade à insulina”, explica Ana Paula. O impacto é expressivo: estudos apontam que o consumo adequado de fibras pode reduzir em até 30% o risco de desenvolver diabetes tipo 2.
No caso do colesterol, as fibras solúveis agem sequestrando ácidos biliares no intestino. “Isso força o fígado a utilizar o colesterol circulante para produzir mais ácidos, reduzindo os níveis de LDL”, reforça o especialista do Hospital São Marcelino Champagnat.
Esses efeitos também se estendem à obesidade. Ao aumentarem a saciedade e reduzirem a absorção de gorduras e calorias, as fibras tornam-se aliadas indispensáveis em qualquer plano alimentar saudável. Um mecanismo que, segundo a farmacêutica da USP, inclui desde a ativação de hormônios da saciedade até a regulação da microbiota, que influencia o metabolismo energético do corpo.
E mais do que auxiliar na dieta, as fibras protegem o coração. Estudos indicam que dietas ricas em fibras reduzem o risco de doenças cardiovasculares.
“Os ácidos graxos gerados pela fermentação das fibras têm ação anti-inflamatória, promovem a vasodilatação e ajudam na redução da pressão arterial”, explica a nutricionista do HNipo. O efeito se deve ao impacto positivo em múltiplos marcadores: colesterol, inflamação, glicemia e até mesmo a retenção de sódio, este último um importante fator na hipertensão.
Uso correto
Mesmo com tantos benefícios, o aumento do consumo de fibras deve ser feito com cuidado. “A introdução abrupta pode causar gases, estufamento e desconforto abdominal”, ressalta o Dr. Guimarães.
Por isso, os especialistas recomendam um aumento gradual da ingestão, acompanhado de hidratação constante, ao menos dois litros de água por dia, para que as fibras consigam atuar de forma adequada.
A recomendação geral para adultos gira em torno de 25 a 38 gramas de fibras por dia, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), com variações conforme idade, sexo e condição clínica.
Fonte: Guia da Farmacia
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